Em seu coração, o Papa Francisco
gostaria de ver algumas mudanças em prol dos católicos divorciados e que se
casaram novamente fora da Igreja e que estão, portanto, proibidos de comungar.
Quando o Papa Francisco chegou às
Filipinas, em 15 de janeiro, a sua mente e o seu coração estavam centrados nas
pessoas que ele estava indo visitar. O seu principal objetivo era consolar os
sobreviventes de um supertufão quase apocalíptico ocorrido em 2013, mas ele
também sabia que o país inteiro estaria extasiado pelo fato de o papa presente
em seu território.
A reportagem é de John L. Allen
Jr., publicada por Crux, 20-01-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
As Filipinas contam com uma
população formada por 81% de católicos. No entanto, os papas, assim como os
políticos, tendem a elaborar suas mensagens para audiências múltiplas. Ainda
que a concentração principal de Francisco possa ter estado sobre os filipinos,
ele simultaneamente pareceu estar falando para um grupo muito menor, um que não
estava presente fisicamente.
Com efeito, Francisco pareceu
estar falando aos cerca de 300 bispos e outros líderes eclesiásticos que irão
participar do próximo Sínodo dos Bispos sobre a família em outubro deste ano.
Uma forma de interpretar o que o
papa estava tentando fazer é como uma forma de recomeçar o debate sinodal,
assegurando aos conservadores de que, independentemente do que aconteça em
outubro, o fundamental dos ensinamentos católicos sobre a sexualidade e a
família não corre riscos.
Comecemos com esta premissa: em
seu coração, o Papa Francisco gostaria de ver algumas mudanças em prol dos
católicos divorciados e que se casaram novamente fora da Igreja e que estão,
portanto, proibidos de comungar.
A sua resposta quando perguntado
sobre o divórcio e o casamento pela segunda vez no civil, dada a bordo do avião
papal no último mês de julho, vai nesta direção, assim como foi a sua escolha
pelo Cardeal Walter Kasper – o defensor das mudanças – em preparar um discurso
inicial para os debates sinodais num encontro de cardeais em fevereiro de 2014.
Ao ver os desenvolvimentos do
Sínodo de outubro, Francisco certamente percebeu que a discussão sobre os
divorciados e recasados envolvia fortes tensões relacionadas a outros assuntos:
o quão acolhedora a Igreja Católica deve ser com os gays e lésbicas, por
exemplo, e quão positiva a avaliação dela deveria ser sobre todos os tipos de
relacionamentos “irregulares”, tais como viver juntos antes fora do casamento.
Os conflitos nestes assuntos
foram muitos; e as divisões, profundas. Não há absolutamente nenhuma indicação
de que, neste momento, o debate seria diferente. Na verdade, numa recente
entrevista, o cardeal italiano Gianfranco Ravasi, membro da comissão de
elaboração do documento final do Sínodo, disse que as opiniões estarão
igualmente distribuídas no próximo encontro.
Francisco não é outra coisa senão
um astuto em termos políticos, e já entendeu que, se ele quiser algo parecido
com um consenso sobre a questão dos divorciados e recasados, terá que separá-la
das polêmicas envolvendo a moralidade sexual.
Alguns observadores acharão
difícil não se pensar que isto seja parte daquilo que as mensagens do papa
sobre a família nas Filipinas buscaram realizar.
Na sexta-feira de noite, em
Manila, Francisco teve um encontro com 20 mil famílias filipinas onde falou
sobre aquilo que considera uma “colonização ideológica” da família. É uma
expressão que exige certo conhecimento de mundo, mas imediatamente reconhecível
aos conservadores culturais católicos.
A expressão se refere a uma
crença fortemente mantida entre muitos católicos em lugares como a África,
América Latina e Ásia de que os governos ocidentais e ONGs, bem como organismos
internacionais tais como as Nações Unidas, estão usando o seu controle das
ajudas para o desenvolvimento no intuito de obrigar as culturas, nos países em
desenvolvimento, a adotarem costumes sexuais mais liberais: por exemplo,
distribuir camisinhas como condição para receber concessões, ou garantir os
direitos dos homossexuais a fim de receber avaliações favoráveis para outras
formas de auxílio econômico.
Numa coletiva de imprensa, o
Federico Lombardi, porta-voz do Vaticano, confirmou que Francisco tinha,
parcialmente, o casamento homoafetivo em mente quando usou a expressão
“colonização” e também quando se referiu às tentativas de se “redefinir” o
significado da família.
Naquela noite em Manila,
Francisco igualmente abandonou o seu texto preparado para fazer uma forte
defesa do Papa Paulo VI e de sua polêmica encíclica de 1968, Humanae Vitae,
documento que reafirmou a proibição do uso de métodos contraceptivos para o
controle de natalidade.
“Ele teve a ousadia de defender a
abertura à vida numa época em que muitas pessoas estavam preocupadas com o
crescimento populacional”, disse Francisco.
Qualquer um que esteja acompanhando
este papa sabe que quando ele abandona o texto escrito, é porque aquilo que vem
a seguir é importante para ele.
Francisco voltou a falar sobre
estes assuntos na coletiva que concedeu a bordo do avião que o trouxe a Roma
segunda-feira.
Antes que o avião partisse,
ficou-se sabendo que o papa gostaria de falar sobre a “colonização ideológica”.
Ávidos a ouvir o que ele tinha a dizer, nós, jornalistas, ficamos felizes em
assim proceder.
Francisco deu uma longa resposta.
Em resumo, disse que tais tentativas de colonização são verdadeiras e que ele
próprio testemunhou um caso.
O pontífice contou uma história
de quando era bispo argentino a respeito de um ministro de educação que
precisava de um empréstimo para a construção de escolhas populares, e tendo
recebido uma oferta sob a condição de que os livros didáticos usados nela
contivessem referências à “teoria de gênero”.
Esta é mais uma expressão opaca
para muitos, mas que é imediatamente reconhecível pelos católicos que lidam com
questões de família. Basicamente, “teoria de gênero” se refere à ideia de que a
identidade sexual é um constructo social, não sendo parte de nenhum direito
natural e que, portanto, todos os tipos de orientações e comportamentos sexuais
são perfeitamente aceitáveis.
Francisco descreveu esta
colonização como um ataque ao direito dos povos de fazerem as suas próprias
escolhas e de preservarem a sua própria identidade.
Ele também citou os bispos
africanos como tendo levantado esta questão no Sínodo. Durante este encontro,
os africanos surgiram como um centro forte de resistência a qualquer
liberalização da ética sexual e, ao se alinhar com o diagnóstico deles sobre a
colonização ideológica, o pontífice indiretamente deixa-os saber que ele não
representa um inimigo.
Algumas manchetes surgidas a
partir desta coletiva de imprensa focaram a luz verde do papa em limitar o
tamanho das famílias católicas, em parte porque ele disse uma frase memorável:
“Para alguém ser um bom católico, não precisa se reproduzir como coelhos”.
No entanto, na medida em que se
analisam estas palavras, descobrir-se-á que ele, de maneira alguma, estava
falando sobre a contracepção, visto que novamente ele elogiara Paulo VI e mesmo
disse que este papa estava tentando repelir uma ideologia “neomalthusiana” de
controle populacional.
Pelo contrário, Francisco estava
falando sobre o Planejamento Familiar Natural, o método aprovado pela Igreja
para se limitar e controlar o tempo dos nascimentos de filhos, que há muito tem
sido a paixão dos conservadores católicos quando se discute sobre assuntos de
família.
A questão é que a ala
conservadora da Igreja poderá olhar para o que Francisco tinha dizer nas
Filipinas concluir que, independentemente do que aconteça sobre a questão dos
divorciados e recasados, o equilíbrio do ensinamento da Igreja sobre a
sexualidade humana está seguro.
É válido perceber que, em meio a
toda esta conversa sobre a família, Francisco nunca disse uma palavra sobre os
divorciados e recasados. A implicação aparente é que se trata de questões
separadas.
Quando aos motivos por que
Francisco teria escolhido as Filipinas para recomeçar estas discussões, há
claramente dois:
• Primeiro, as Filipinas é um
país que recentemente aprovou uma lei polêmica sobre a Saúde Reprodutiva,
garantindo acesso universal aos métodos contraceptivos, mesmo contra uma forte
oposição católica. Se ele tivesse ficado calado sobre este assunto, os
católicos pró-vida poderiam ficar tentados a concluir que o ensinamento da
Igreja sobre o assunto simplesmente não é uma prioridade deste papa.
• Segundo, Francisco precisava de
um palco grande, distante o suficiente do Sínodo sobre a família deste ano a
fim de fazer alguma diferença. Sempre que um papa estabelece um novo recorde de
participantes numa missa, as pessoas param para prestar atenção.
Somente Francisco pode dizer se
enviar uma mensagem ao Sínodo dos Bispos 2015 fazia parte de sua agenda
explícita nas Filipinas.
Seria uma grande coincidência, no
entanto, se um papa, que muitos argentinos acreditam estar entre os políticos
mais talentosos que o seu país já produziu, tivesse, acidentalmente, recomeçado
um debate perfeitamente calculado.
Fonte: Ihu
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