Embora a prostituição tenha sido proibida na Coreia do Sul
há 10 anos, o número de trabalhadoras da indústria sexual ainda é de pelo menos
250 mil.
Cerca de 120 prostitutas da Coreia do Sul que trabalharam
nas proximidades de uma base militar americana preparam um pedido de
indenização por danos morais e físicos provocados pelos anos de serviço na
indústria do sexo.
Mas o alvo da ação jurídica não é o governo americano, e sim
o sul-coreano. As profissionais do sexo alegam que as autoridades de seu país
facilitaram seu trabalho e que o Estado as deixou desamparadas agora que estão
mais velhas.
As prostitutas querem uma indenização individual de US$ 10
mil sob o argumento de que o governo sul-coreano fez vista grossa para seu
trabalho.
Na Coreia do Sul, a prostituição é ilegal, mas estimativas
de ONGs ligadas aos direitos das mulheres no país são de que mais de 250 mil
mulheres trabalham na indústria do sexo, apesar de um aumento em operações de
repressão.
Raiva e mágoa
A presença de bases militares de milhares de soldados americanos
no país desde o fim da Guerra da Coreia, em 1953, naturalmente atraiu as
prostitutas. As que estão movendo a ação judicial trabalhavam em Uijeongbu
City, cidade próxima à fronteira com a Coreia do Norte e um dos pontos focais
da presença militar americana.
"Trabalhávamos dia e noite. Tudo o que queremos é que o
governo coreano reconheça que fizemos parte de um sistema criado por ele... e
sermos compensadas por isso", explicou à BBC um grupo de prostitutas de
Uijeongbu.
O argumento das profissionais do sexo não é de que o governo
as tenha forçado a trabalhar como prostitutas, mas que, por terem instituído um
sistema de check-ups de saúde oficial e compulsório, as autoridades
sul-coreanas foram cúmplices da exploração de seu trabalho. Elas também alegam
que a conivência fica comprovada pelas lições grátis de inglês e "etiqueta
ocidental"que receberam do governo.
A prostituição é um
trauma para os coreanos, que tiveram milhares de mulheres escravizadas durante
a ocupação japonesa na Segunda Guerra Mundial
As prostitutas também alegam que foram levadas à
prostituição pela pobreza, quando o país ainda estava longe de se tornar um
"tigre asiático".
"Em 1972, fui a uma agência governamental de recrutamento
e o homem que me atendeu me pediu para sentar e levantar. Ele olhou para mim e
prometeu um emprego que me daria alimentação e um lugar para morar", conta
uma das mulheres.
Na ação judicial, as mulheres vão alegar que a conivência
das autoridades veio também pela necessidade de moeda estrangeira. Elas eram
vistas como uma espécie de "mal necessário" - eram estigmatizadas
pela sociedade coreana, mas o governo precisava da entrada de dólares.
"Havia muita conversa sobre como éramos patriotas por
estarmos trabalhando duro e ganhando em dólar", outra das mulheres
explica.
Há raiva e mágoa nas vozes das mulheres quando relatam suas
experiências.
"Aceitei um emprego em um estabelecimento. Fugi na
primeira oportunidade que tive, mas fui achada pelo dono da boate, que me
vendeu para outra casa. Foi lá que recebi meu primeiro cliente", diz outra
ex-prostituta.
O caso dessas mulheres é complexo. É verdade que o governo
sul-coreano criou centros de saúde, mas estes substituíram uma rede informal de
médicos, muitos deles sem qualificações adequadas, na certificação da saúde
sexual das trabalhadoras. As autoridades não comentam o caso, mas é bem capaz
de que argumentem na justiça que o sistema protegia as mulheres envolvidas em
vez de fazer vista grossa para prostituição.
Apaziguamento
Havia, ainda nos anos 70, uma possível retirada de tropas
americanas da Coréia do Sul.
"Creio que haja alguma culpabilidade por parte do
governo no fato de que, nos anos 70, autoridades sul-coreanas foram aos bordéis
próximos às bases militares tentar persuadir as mulheres trabalhando na
indústria do sexo a colaborar com os militares americanos", explica Kathy
Moon, do think-thank americano Brookings Institution, e autora de Sexo entre
Aliados, estudo sobre o papel da prostituição no cotidiano das tropas
americanas na Coreia do Sul.
"Nas clínicas de saúde, a preocupação não era com a
saúde das prostitutas, mas sim dos soldados americanos. Tanto que não havia tratamento
para outras doenças", completa Moon.
Jang Young-mi
trabalhou durante 20 anos como prostitutas perto de uma base americana e, já
sexagenária, vive num modesto quarto de despejo
A pesquisadora deixa claro que se trata de uma história
diferente das milhares de mulheres forçadas a trabalhar como escravas sexuais
para os japoneses durante a Segunda Guerra Mundial. Mas ressalta que as
mulheres que voluntariamente quiseram trabalhar como prostitutas nos anos 70
dela ficaram aprisionadas de certo modo.
"Muitas foram
estupradas pelos donos de bordéis ou boates".
Brooks explica também o sistema de endividamento que prendia
as mulheres num ciclo vicioso.
"Tudo o que o dono do bar achava necessário para que
uma mulher atraísse soldados americanos era alugado. Maquiagem, roupas e até
decorações. Se as mulheres ficassem doentes ou precisassem de ajuda para pagar
o funeral de um parente, por exemplo, tinham que pegar empréstimos com os
patrões. Todas suas despesas faziam parte de uma dívida com o patrão e uma
prostituta só poderia deixar o trabalho se a pagasse."
Desde os anos 70, as atitudes das Forças Armadas americanas
mudaram. Hoje há um programa de tolerância zero ao uso de prostitutas e a
polícia militar patrulha as zonas de meretrício e até faz batidas em bares em
busca de soldados trangressores. Do lado sul-coreano veio a proibição da
prostituição, em 2004.
A natureza da profissão também mudou bastante. Em tempos
passados, coreanas eram as trabalhadoras do sexo perto das bases americanas
(ainda há cerca de 28 mil soldados estacionados no país, segundo estatísticas
do governo americano). Hoje, numa sociedade mais afluente, mulheres da Rússia e
das Filipinas compõem o grosso dessa força de trabalho.
Mas a afluência não chegou para as mulheres que agoram
enfrentarão a velhice em condições econômicas precárias. Jang Young-mi, por
exemplo, tem quase 70 anos e vive num quarto de despejo com seus três cães.
Trabalhou em bordéis por 20 anos, mas agora enfrenta a pobreza. "Talvez
por ter vivido tanto tempo com soldados americanos eu não consiga me encaixar
direito na sociedade coreana. Mas não entendo a razão de minha vida ter chegado
a este ponto."
Fonte: www.bbc.co.uk
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