Quem, no Advento, cruza os braços
e espera acomodado as manifestações de Deus, não entendeu nada do espírito
desse tempo litúrgico. Quem reduz seu Advento a rezas, novenas, loas, missas e
cultos, não compreendeu nada do que ele significa. Não está cultivando a
verdadeira espera e a verdadeira expectativa cristãs.
Advento: “quem sabe
faz a hora”
José Lisboa Moreira
de Oliveira
No cristianismo, especialmente no
Catolicismo Romano, a celebração do Natal é sempre precedida de um tempo de
preparação conhecido como Advento. São quatro semanas nas quais os cristãos e
as cristãs se preparam para celebrar o nascimento de Jesus. São características
do Advento as atitudes de espera e de expectativa. A atitude da espera remonta
ao tempo dos reis, quando estes costumavam visitar alguma cidade ou algum
lugar. O povo ficava esperando o rei e essa espera se revestia ao mesmo tempo
de expectativa acerca daquilo que o rei iria trazer para os súditos. Na maioria
das vezes a espera e a expectativa eram revestidas de muita angústia, um vez
que a visita de um rei quase sempre significava más notícias para o povo: mais
impostos, mais decretos, mais opressão etc. Por essa razão esse tempo de espera
era acompanhado de muita passividade, exceto quando alguns cidadãos mais
exaltados resolviam se rebelar contra o rei e espera-lo com uma revolta, a qual
geralmente era sufocada brutalmente pelo exército do rei.
Na liturgia cristã a espera e a
expectativa, típicas do tempo do Advento, têm uma conotação bem diferente. Não
se trata de esperar um rei poderoso que vai chegar, trazendo más notícias para
os seus súditos. Por isso não é um tempo de angústia e de tristeza, mas de uma
expectativa alegre, uma vez que aquele que vai chegar é alguém profundamente
simples e humilde; uma criança totalmente dependente e carente de tudo. E,
enquanto criança carente e dependente, não mete medo. Pelo contrário, suscita
nas pessoas sentimentos de ternura, de compaixão e de confiança. A espera
cristã, da qual fazemos memória no Advento, também não é uma espera passiva,
mas um convite a confiar e agir, pois aquele que vai chegar nos anima na
direção do engajamento e do compromisso.
Todo e qualquer tempo litúrgico que
celebramos na Igreja tem como finalidade nos lembrar uma dimensão permanente da
existência cristã. Não se trata de viver determinadas atitudes por um período e
depois nos esquecermos totalmente delas. Nesse sentido, o tempo do Advento quer
nos chamar a atenção para uma dimensão constante da existência cristã. Todo
cristão, toda cristã, toda comunidade eclesial precisa viver num permanente
estado de espera e de expectativa do Senhor que está para vir. A Igreja
aproveita da celebração do Natal para relembrar, durante quatro semanas que o
antecedem, esta condição permanente da vida cristã. A espera e a expectativa
cristãs não devem acontecer apenas no período do Advento, mas durante toda a
vida de um cristão e de uma cristã. As primeiras comunidades cristãs perceberam
isso com muita nitidez. Em suas reuniões e celebrações costumavam suplicar:
Maranatá, expressão aramaica que literalmente significa “vem Senhor” (Ap 22,20;
1Cor 16,22). Aliás, uma expressão já usada pelos judeus, antes do cristianismo.
Normalmente quando um judeu encontrava outro judeu costumava dirigir-se a ele
com essa expressão, manifestando a sua crença na eminente vinda do Messias.
Enquanto dimensão permanente da
vida cristã o Advento, a espera e a expectativa expressam antes de tudo a
convicção de que o Deus de Jesus se manifesta sempre na história, ou seja, na
realidade da vida cotidiana. Ele se faz sempre presente em nossa existência,
convidando-nos ao seguimento de seu Filho e a nos engajarmos em ações concretas
que revelem a presença do Reinado de Deus no meio de nós.
Porém, a característica principal
dessa manifestação é a surpresa. Deus não avisa que ele vai chegar, que ele vai
se manifestar, que ele vai se revelar às pessoas e às comunidades. Ele chega de
improviso (Mt 24,43-44): “Eis que venho como um ladrão” (Ap 16,15). Geralmente
as manifestações de Deus se dão de maneira bem simples: em situações, lugares e
pessoas que nós nem sequer imaginamos. Por esse motivo Jesus nos convida a
ficarmos atentos e atentas para sabermos “interpretar o tempo presente” (Lc
12,54-57), ou seja, para percebermos nos acontecimentos do momento em que
estamos vivendo os apelos de Deus.
Por essa razão um outro elemento
significativo que caracteriza o Advento, enquanto estado permanente da vida
cristã, é a vigilância (Lc 12,35-48). Vigiar não é ficar apavorado, com medo,
com ânsia, com insônia, temendo a chegada de um carrasco. Vigiar é dispor-se a
escutar o chamado divino que se manifesta no cotidiano da vida e dispor-se a
realizar a tarefa que ele quer nos confiar. Os Evangelhos expressam tal
convicção através de uma simbologia estupenda: “Estejam com os rins cingidos e
com as lâmpadas acesas” (Lc 12,35). A vigilância é, pois, essa atitude de quem
está antenado, sintonizado com a realidade para nela perceber os apelos
divinos.
Note-se que não se trata de estar
sintonizado diretamente com Deus, mas com a realidade na qual Deus se
manifesta. Há muitos que perdem tempo querendo descobrir a voz de Deus e se
esquecem de que ele está falando por meio dos sinais dos tempos, através daquilo
que está acontecendo no mundo. Pelo menos é o que a Bíblia nos ensina através
dos relatos de vocação. O vocacionado ou vocacionada fica querendo saber
diretamente de Deus o que ele quer, mas ele sempre os convida a ver, a ouvir, a
enxergar, a dar-se conta da realidade onde ele está se manifestando (Êx
3,7-10).
O tempo do Adento é, pois, uma
oportunidade que temos de reavivar a nossa espera e a nossa expectativa,
entendidas como dimensões permanentes da vida cristã. Porém, não sei se isso
está realmente acontecendo em nossas Igrejas. E isso por duas razões. Em
primeiro lugar porque os cristãos, de um modo geral, são também infectados pela
onda de consumismo que antecede o Natal. Salvo raríssimas exceções, os cristãos
e as cristãs se preparam para o Natal indo às compras, frequentando shoppings e
gastando o que não podem. Em segundo lugar porque, depois da compra de
presentes, se lembram de ir ao templo fazer algumas orações e assistir a alguma
missa ou culto. Reduzem a espera e a expectativa a atos de beatice e de
carolice. A reza, por si só, não conduz ao clima do Advento, entendido como
espera e como expectativa da vinda de Cristo, do jeito e da forma como ele
costuma se manifestar. A reza, por si só, não conduz à vigilância, ou seja, à
capacidade de ler os sinais dos tempos. A reza excessiva, diferentemente do que
se pensa, pode levar à incredulidade (Mt 28,17; Lc 24,41).
O que se espera é que as
lideranças cristãs saibam orientar bem as pessoas neste período do Advento. Que
não fiquem iludindo os fiéis e reduzindo a preparação para o Natal a um
amontoado de rezas, de novenas, de velas coloridas e de incenso. Que sejam
capazes de ajuda-las a perceberem os sinais dos tempos e a serem, de fato,
vigilantes. Capazes de estimulá-las ao compromisso e à ação. No Advento se
deveria cantar com paixão o refrão da música de Geraldo Vandré: “Vem, vamos
embora que esperar não é saber. Quem sabe faz a hora, não espera acontecer”.
Quem, no Advento, cruza os braços
e espera acomodado as manifestações de Deus, não entendeu nada do espírito
desse tempo litúrgico. “Nem todo aquele que me diz ‘Senhor, Senhor’, entrará no
Reino do Céu. Só entrará aquele que põe em prática a vontade do meu Pai, que
está no céu” (Mt 7,21). Quem reduz seu Advento a rezas, novenas, loas, missas e
cultos, não compreendeu nada do que ele significa. Não está cultivando a
verdadeira espera e a verdadeira expectativa cristãs.
Fonte: http://lisboa-ochamado.blogspot.com.br/
Nenhum comentário:
Postar um comentário