domingo, 14 de dezembro de 2014

De elegante zona boêmia a prostíbulo, Guaicurus resiste

Quando surgem relatos sobre a Belo Horizonte do início do século passado, há sempre a indicação de um polo boêmio no centro da cidade. E o coração desse reduto bêbado, musical e promíscuo foi a rua Guaicurus. Ali, se reuniam em cabarés e bares homens de todas as idades e classes sociais: dos mais pobres aos intelectuais ricos. Hoje, esse símbolo histórico ainda resiste, mas o cenário é outro. A Guaicurus do século XXI é ponto de prostituição e viveu ao longo dos últimos cem anos um processo de constante degradação.


Por relatos históricos, filmes, leituras e documentos, é possível formar um imaginário sobre a Belo Horizonte de outrora. E, assim como mandava a tradição da belle époque, vinda da Europa, toda capital moderna que se prezava deveria ter um reduto boêmio. Com Belo Horizonte não foi diferente, e, nesse cenário de glamour, surge o chamado “Baixo Centro”. Ali, segundo o arquiteto e urbanista Leonardo Castriota, era uma grande região de bares que começava nas proximidades da praça da Estação e seguia até a Lagoinha.

“É interessante, porque temos no centro de Belo Horizonte uma divisão muito clara que vem desse tempo e resiste até hoje. A divisão acontece entre o centro acima da Afonso Pena e abaixo dela. Abaixo é onde há o centro mais popular e onde era a zona boêmia”, explica. E, junto com essa zona, que aos poucos se tornou mais popular e marginalizada, estão localizados os tradicionais hotéis da Guaicurus, onde o “entra e sai” é regra.

Na rua, tudo parece normal, e os dias são agitados como em qualquer outro ponto do centro da cidade. Mas nos hotéis, ao passar pelas escadarias, há um outro cenário. Nas portas dos inúmeros quartos, as mulheres estão nuas ou seminuas. O preço, assim como a clientela, é variado, e o valor pode ser módico. Nos estabelecimentos em que há senhoras ou mulheres que estão ali há mais tempo, os homens podem ter um momento de prazer a R$ 5 ou R$ 10. Já em outros hotéis mais afamados, como o Brilhante e o Novo Hotel, o preço pode chegar a R$ 30, o que vai depender dos serviços incluídos.

Há 30 anos trabalhando no local, o gerente do hotel Vitória, Geraldo Augusto Duarte, 74, é um personagem íntimo da rua Guaicurus. Ele frequentou o famoso salão Montanhês Dancing quando jovem. “Lembro da época de ouro do Montanhês. Frequentei muito lá quando tinha por volta de 20 anos. Era um lugar bem-frequentado. Você não podia entrar de camisa de manga só. Tinha que ir de paletó. Inclusive, se você não tivesse, você chegava na portaria e alugava o blazer e a gravata para entrar. Lá só se podia dançar. Acontecia de ‘relar’ na hora das danças, mas não podia mais que isso. Depois, se você quisesse, podia combinar algo com a mulher fora dali”, relembra.

Na atualidade, o Montanhês sobrevive como mais um hotel de prostituição, e nada se assemelha ao local dos bailes memoráveis e carnavais animados.

Passagem. Ainda segundo o urbanista Leonardo Castriota, a instalação da zona boêmia e da prostituição no local pode ser explicada por alguns fatores como a presença de um comércio popular, mas principalmente por se tratar de uma zona de passagem. “Temos algumas pistas. Por exemplo, (a Guaicurus) era a chegada da cidade. A ferrovia antigamente chegava ali. Hoje, temos a rodoviária. E, normalmente, a zona boêmia das cidades se instala onde se tem esse trânsito”, analisa.

Ao fazer uma comparação com outras capitais do país, o urbanista cita como exemplo o Rio de Janeiro. Ali, assim como na capital mineira, a zona boêmia, que hoje se transforma em ponto de prostituição, também se instala em um local de chegada e saída de pessoas. Na capital fluminense, esse movimento acontece na zona portuária da cidade, com destaque para a praça Mauá. “Temos também a Lapa, que é até hoje uma zona boêmia da cidade e que também está localizada próximo à zona portuária”, complementa.

O porto do Rio passa atualmente por uma revitalização, e as obras ainda estão em andamento, diferentemente do que acontece em Belo Horizonte.

Fonte: O Tempo

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