Quando surgem relatos sobre a
Belo Horizonte do início do século passado, há sempre a indicação de um polo
boêmio no centro da cidade. E o coração desse reduto bêbado, musical e
promíscuo foi a rua Guaicurus. Ali, se reuniam em cabarés e bares homens de todas
as idades e classes sociais: dos mais pobres aos intelectuais ricos. Hoje, esse
símbolo histórico ainda resiste, mas o cenário é outro. A Guaicurus do século
XXI é ponto de prostituição e viveu ao longo dos últimos cem anos um processo
de constante degradação.
Por relatos históricos, filmes,
leituras e documentos, é possível formar um imaginário sobre a Belo Horizonte
de outrora. E, assim como mandava a tradição da belle époque, vinda da Europa,
toda capital moderna que se prezava deveria ter um reduto boêmio. Com Belo
Horizonte não foi diferente, e, nesse cenário de glamour, surge o chamado
“Baixo Centro”. Ali, segundo o arquiteto e urbanista Leonardo Castriota, era
uma grande região de bares que começava nas proximidades da praça da Estação e
seguia até a Lagoinha.
“É interessante, porque temos no
centro de Belo Horizonte uma divisão muito clara que vem desse tempo e resiste
até hoje. A divisão acontece entre o centro acima da Afonso Pena e abaixo dela.
Abaixo é onde há o centro mais popular e onde era a zona boêmia”, explica. E,
junto com essa zona, que aos poucos se tornou mais popular e marginalizada,
estão localizados os tradicionais hotéis da Guaicurus, onde o “entra e sai” é
regra.
Na rua, tudo parece normal, e os
dias são agitados como em qualquer outro ponto do centro da cidade. Mas nos
hotéis, ao passar pelas escadarias, há um outro cenário. Nas portas dos
inúmeros quartos, as mulheres estão nuas ou seminuas. O preço, assim como a
clientela, é variado, e o valor pode ser módico. Nos estabelecimentos em que há
senhoras ou mulheres que estão ali há mais tempo, os homens podem ter um
momento de prazer a R$ 5 ou R$ 10. Já em outros hotéis mais afamados, como o
Brilhante e o Novo Hotel, o preço pode chegar a R$ 30, o que vai depender dos
serviços incluídos.
Há 30 anos trabalhando no local,
o gerente do hotel Vitória, Geraldo Augusto Duarte, 74, é um personagem íntimo
da rua Guaicurus. Ele frequentou o famoso salão Montanhês Dancing quando jovem.
“Lembro da época de ouro do Montanhês. Frequentei muito lá quando tinha por
volta de 20 anos. Era um lugar bem-frequentado. Você não podia entrar de camisa
de manga só. Tinha que ir de paletó. Inclusive, se você não tivesse, você
chegava na portaria e alugava o blazer e a gravata para entrar. Lá só se podia
dançar. Acontecia de ‘relar’ na hora das danças, mas não podia mais que isso.
Depois, se você quisesse, podia combinar algo com a mulher fora dali”,
relembra.
Na atualidade, o Montanhês
sobrevive como mais um hotel de prostituição, e nada se assemelha ao local dos
bailes memoráveis e carnavais animados.
Passagem. Ainda segundo o
urbanista Leonardo Castriota, a instalação da zona boêmia e da prostituição no
local pode ser explicada por alguns fatores como a presença de um comércio
popular, mas principalmente por se tratar de uma zona de passagem. “Temos
algumas pistas. Por exemplo, (a Guaicurus) era a chegada da cidade. A ferrovia
antigamente chegava ali. Hoje, temos a rodoviária. E, normalmente, a zona
boêmia das cidades se instala onde se tem esse trânsito”, analisa.
Ao fazer uma comparação com
outras capitais do país, o urbanista cita como exemplo o Rio de Janeiro. Ali,
assim como na capital mineira, a zona boêmia, que hoje se transforma em ponto
de prostituição, também se instala em um local de chegada e saída de pessoas.
Na capital fluminense, esse movimento acontece na zona portuária da cidade, com
destaque para a praça Mauá. “Temos também a Lapa, que é até hoje uma zona
boêmia da cidade e que também está localizada próximo à zona portuária”,
complementa.
O porto do Rio passa atualmente
por uma revitalização, e as obras ainda estão em andamento, diferentemente do
que acontece em Belo Horizonte.
Fonte: O Tempo
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