“Eu estava descendo a escada do metrô e dois
homens começaram a falar um monte de besteira atrás de mim, me assediando. As pessoas
em volta não fizeram nada. Senti que estava tão vulnerável que chorei.” O
relato é da auxiliar de administração Thalia de Souza, 18 anos, mas reflete uma
situação corriqueira para mulheres: o assédio nas ruas.
Agredida, assediada, violentada e
vulnerável foram algumas das expressões utilizadas por entrevistadas da Agência
Brasil para se referir ao modo como se sentem nesse tipo de abordagem. A
Campanha Chega de Fiu Fiu, do Coletivo Olga, em parceria com a Defensoria
Pública de São Paulo, quer tornar visível esse assédio para desnaturalizar uma
situação que, na prática, é mais uma violência de gênero.
“Não é valorização, não é elogio,
não é querer ter um relacionamento, não é flerte”, destaca a jornalista Juliana
de Faria, criadora da campanha. Ela aponta que esse assédio está dentro de um
contexto de violência marcado pelas desigualdades de gênero. “Talvez isso possa
parecer uma questão menor, mas não é. Estamos falando de direitos muito
básicos, então isso já é uma grande violência”, declarou.
De acordo com Juliana, as
mulheres passam a assumir posturas que limitam a liberdade individual. “Já nos
acostumamos a mudar de calçada para não passar na frente de um grupo de homens,
não passar na frente de um bar ou pensar duas vezes antes de colocar uma saia”,
exemplificou.
Uma das ações da campanha foi a
produção de uma pesquisa na internet, com a participação de aproximadamente 7,7
mil mulheres. O resultado mostrou que 99,6% delas já haviam sido assediadas.
Cerca de 81% disseram ter deixado de sair para algum lugar com medo de sofrer
assédio e 90% trocaram de roupa pensando no lugar que iriam por receio de
passar por esse tipo de situação.
É o caso da dona de casa Jéssica
de Souza, 23 anos, que precisa ir semanalmente à Companhia de Entrepostos e
Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp). “Lá tem muito caminhoneiro. Penso logo
na roupa. Eles ficam chamando, perguntando quanto eu cobro. É mais do que
assédio para mim, é uma humilhação”, relatou.
A defensora pública Ana Rita
Prata, coordenadora auxiliar do Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos da
Mulher, destaca que esse tipo de comportamento é qualificado penalmente. “É uma
contravenção penal, a importunação ofensiva ao pudor, cuja pena é multa. Há
também a caracterização de crime como ato obsceno”, explicou. Nos casos em que
for verificada a violência física, pode ser caracterizado o crime de estupro.
Ela destaca que a responsabilização do agressor é importante e um direito da
vítima, mas que é fundamental tratar do tema de forma a conscientizar a sociedade
sobre a questão. “A responsabilização de uma pessoa não vai mudar um contexto
social”, ponderou.
A professora Carla Cristina
Garcia, do Departamento de Sociologia da Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo (PUC-SP), diz que esse assédio pode ser explicado por uma cultura em
que o espaço público é tido como masculino. “Por mais que a rua pareça neutra,
ela não é. As mulheres sabem dessa cartografia mental, que você não pode estar
em um lugar em determinado momento do dia. A sociedade e a cultura machista vão
impondo a compreensão de que, se algo acontecer, a culpa é sua”, acrescenta.
Ela lembra que, ao mesmo tempo em que se culpa a vítima e se invisibiliza a
violência contra as mulheres, naturaliza-se a agressividade masculina.
Embora se sinta agredida ao ouvir
comentários obscenos na rua, a vendedora Soraia Lins, 40 anos, já não se
espanta e acha que esse tipo de comportamento está relacionado a um instinto do
homem. “É todo dia. No ônibus, no metrô, se não é comigo, eu vejo alguém do
lado passar por isso. E ninguém se mete, porque pode ter confusão”, relatou.
Para a professora da PUC-SP, é
preciso investir na educação pela igualdade de gênero em vez de naturalizar as
iniciativas masculinas. “Os homens devem ser educados para não serem
agressores, e não uma cultura que ensina a mulher a se proteger ao que seria
natural do homem, que é ser um assediador. Isso não é verdade nem para um sexo
nem para o outro”, destacou.
A próxima fase da campanha Chega
de Fiu Fiu é reunir recursos, por meio de um site de financiamento
colaborativo, para a produção de um documentário.
A ideia é usar óculos especiais,
com uma microcâmera que filme mulheres circulando pelas ruas. Em casos de
assédio, elas devem questionar os homens sobre esse comportamento.
“Nossa primeira meta era R$ 20
mil e conseguimos atingir em 19 horas. Com esse valor, a gente garante enviar
as recompensas para as pessoas que apoiaram e garante também enviar os óculos
espiões para outras regiões”, explicou Juliana. Para finalizar o filme, serão
necessários R$ 80 mil. “Estamos chegando a R$ 50 mil, que é a nossa segunda
meta. Faltam 40 dias para acabar”, informou. Ela espera que o documentário
fique pronto no início de 2016.
Fonte: (Camila Maciel) Agência
Brasil
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