domingo, 14 de dezembro de 2014

A rua Guaicurus, zona boêmia de Belo Horizonte, resiste década por década, e ainda continua com a vocação de ser o local do sexo

O movimento é intenso, por toda extensão da rua Guaicurus, de uma extremidade à outra. Compreendida em quatro quarteirões, limitada pela rua Curitiba de um lado, e pela praça Rui Barbosa do outro, durante todo o dia, o local recebe pessoas de variadas origens e com destinos diferentes, já que o centro é o local de passagem, e por ser a região onde as linhas de ônibus convergem, traz gente de todos os cantos da cidade.


Pouco arborizada, com fluxo intenso de carros e com calçadas estreitas, passear por lá não é exatamente agradável, a não ser que você queira subir as escadas dos hotéis, repletos de quartos, com mulheres de todo país exibindo sexo. A rua Guaicurus sempre teve seu nome atrelado à prostituição, e ganhou fama no país com o romance Hilda Furacão, do escritor mineiro Roberto Drummond.

A personagem da obra, sabe-se, de fato, existiu, mas a figura foi mitificada, com dosagens de ficção e realidade. Outros mitos ajudaram a criar a aura de mistério que envolve a zona boêmia de Belo Horizonte. Hoje, assim como nas décadas passadas, a rua permanece como local destinado ao meretrício. Os muros e fachadas foram pichados, alguns prédios antigos estão abandonados, outros vivem a efervescência da atividade sexual, abrigando uma ocupação que ainda não foi reconhecida como profissão pela lei. Pouco a pouco, estacionamentos verticais e um hotel de luxo mudam o perfil da rua, que sempre foi a rua do sexo.

O sobe e desce de homens nas escadas das casas de prostituições é constante. Nas portas dos inúmeros quartos, as mulheres estão nuas ou seminuas. O preço, assim como a clientela, é variado. Nos hotéis com senhoras, mulheres que estão ali há mais tempo, o valor é módico, e os homens podem ter um momento de prazer a R$ 5,00 ou R$ 10,00. Em hotéis mais afamados, como o Brilhante e Novo Hotel, o preço pode chegar a R$ 30,00, o que vai depender das posições e serviços incluídos.

Para os curiosos que desejam conhecer o lugar, a conselho é ir sem fazer alarde. Entre nos prostíbulos discretamente e descobrirá corredores amplos, com mulheres de todos os estilos, para todos os gostos. Entre os clientes há jovens, homens de meia idade, velhos, solteiros e casados. Por reunir um grande número de pessoas, a rua Guaicurus é testemunha de várias histórias, como a do gerente do hotel Vitória, Geraldo Augusto Duarte, de 74 anos. O senhor é sócio do estabelecimento, que está localizado na rua Curitiba, de frente para a rua Guaicurus. Diferente dos hotéis da rua, esse não é destinado para a prostituição.

Há 30 anos trabalhando no local, Duarte é um personagem íntimo da rua Guaicurus. Ele frequentou o famoso salão Montanhês Dancing quando jovem. “Lembro da época de ouro do Montanhês, frequentei muito lá quando tinha por volta de 20 anos. Era um lugar bem frequentado. Você não podia entrar de camisa de manga só. Tinha que ir de paletó. Inclusive, se você não tivesse, você chegava na portaria e alugava o blazer e a gravata para entrar. Lá só se podia dançar. Acontecia de ‘relar’ na hora da danças, mas não podia mais que isso. Depois, se você quisesse, podia combinar algo com a mulher fora dali”, relembra. Na atualidade, o Montanhês sobrevive como mais um hotel de prostituição e nada se assemelha ao local dos bailes memoráveis e carnavais animados.

A rua Guaicurus tem um comércio variado, com lojas de artigos para presente, utensílios domésticos, papelarias, bares, farmácia, salão de beleza, além de cinemas pornôs. O Cine Caribe existe há 16 anos. Na entrada discreta, uma bilheteria e a programação do dia. Paga-se o valor de R$ 12,00, passa-se pela roleta e adentra ao ambiente escuro onde as cenas de sexo explicito são exibidas. Segundo a administradora, Ivonete Freitas, apesar de existir um público fiel, o local é frequentado por homens das mais variadas idades e classes.

“O cinema funciona de 8h30 às 21h. Passamos três filmes. A pessoa entra e fica o tempo que quiser, a sessão é contínua. Os filmes são brasileiros, eles vêm de São Paulo, o material é locado, todo certificado. O cinema é bem vigiado, monitorado, nunca tivemos nenhum problema. E tentamos, claro, deixar o público mais à vontade. Não ficamos constrangendo as pessoas, por se tratar de um lugar que exibe filme pornográfico. O cinema é um estabelecimento próprio para a rua Guaicurus. Não vejo um tipo de estabelecimento como esse fora daqui”, comenta Ivonete.

Entra e sai na Associação das Prostitutas de Minas Gerais

Em se tratando de rua Guaicurus, os trocadilhos recorrentes são usados sem nenhum pudor. Sobe e desce e entra e sai, além de fazer parte do linguajar figurado, encontra relação com aquilo que muitos homens e mulheres fazem ali. Com o intuito de assegurar os direitos dessas mulheres e prestar proteção, uma organização foi criada, a Assossiação das Prostitutas de Minas Gerais (Aprosmig). No local, a todo momento, chegam garotas de programa, que buscam informações e assistência. 

Criada e em atividade desde 2009, a associação é um ponto de apoio para as prostitutas e está  localizada em uma sala no fundo da garagem do prédio onde funciona o hotel Brilhante. Ali, elas têm acesso à campanhas de prevenção de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs), assessoria jurídica, acompanhamento de psicólogos e têm, até mesmo, acesso a curso de idiomas. Isso é possível através de parcerias firmadas com universidades de Belo Horizonte.

No ano passado, a associação ganhou projeção em sites jornais do Brasil e do mundo, depois de uma matéria publicada na página da rede de televisão norte-americana CNN. O assunto que atraiu os holofotes se tratava da mobilização da agremiação para criar cursos de línguas estrangeiras para as prostitutas de Belo Horizonte, com o objetivo de capacitá-las para receberem turistas durante a Copa de 2014.

As mulheres da rua Guaicurus

As mulheres que procuram a Aprosmig encontram conforto no local. Algumas chegaram há pouco tempo na cidade, outras vão para conversar ou pegar camisinhas. As que chegam, vindas de outras regiões do país, atraídas pela fama da rua Guaicurus e dos seus hotéis, encontram na associação a assistência que muitas prostitutas necessitam, mas não têm acesso, por falta de políticas para esse grupo.

De Ouro Preto do Oeste, em Rodônia, Vivian*, de 28 anos, mudou-se para Belo Horizonte com a família há 17 anos. Ela trabalha no hotel Catete e se prostitui há 8 anos. “Eu prefiro trabalhar nos hotéis da rua Guaicurus porque tenho mais segurança em relação à rua. Pretendo ficar aqui mais uns 5 anos, o tempo de terminar de construir minha casa e pagar meu carro. Depois, quero fazer faculdade, estudar engenharia civil”, conta.

Patrícia*, 32 anos, chegou à rua Guaicurus há cinco anos. Natural do Rio de Janeiro, ela já se prostituía na capital fluminense. Veio para Belo Horizonte através de uma conhecida. “Eu trabalho no hotel Montanhês, geralmente, das 8h às 20h. Eu vim parar aqui depois de um convite de uma amiga. Aqui, eu encontrei a Aprosmig, algo muito bom para a gente, é uma ajuda importante”, diz. Questionada se pretende ficar por muito mais tempo na zona boêmia, ela afirma: ”pretendo sair daqui, quero estudar, fazer outra coisa”.

Com 54 anos, Angela* diz que veio parar na rua Guaicurus depois de passear por ali. Por uma necessidade e para ajudar em casa, ela começou a se prostituir, e garante que trabalha até hoje. No seu rosto, o sorriso é frouxo, ainda mais depois de ter ganho o 3º lugar no concurso Miss Prostituta 2014, no último mês de setembro. “A experiência de participar foi ótima, eu adorei. Ensaiei um pouco para desfilar no dia. Mas já estava acostumada. Fui sambista em escola de samba, desfilei em blocos de Carnaval da minha terra, Ponte Nova”, relata a mineira cinquentona com muito vigor.

*nomes fictícios

Fonte: O Tempo

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