O movimento é intenso, por toda
extensão da rua Guaicurus, de uma extremidade à outra. Compreendida em quatro
quarteirões, limitada pela rua Curitiba de um lado, e pela praça Rui Barbosa do
outro, durante todo o dia, o local recebe pessoas de variadas origens e com
destinos diferentes, já que o centro é o local de passagem, e por ser a região
onde as linhas de ônibus convergem, traz gente de todos os cantos da cidade.
Pouco arborizada, com fluxo
intenso de carros e com calçadas estreitas, passear por lá não é exatamente
agradável, a não ser que você queira subir as escadas dos hotéis, repletos de
quartos, com mulheres de todo país exibindo sexo. A rua Guaicurus sempre teve
seu nome atrelado à prostituição, e ganhou fama no país com o romance Hilda
Furacão, do escritor mineiro Roberto Drummond.
A personagem da obra, sabe-se, de
fato, existiu, mas a figura foi mitificada, com dosagens de ficção e realidade.
Outros mitos ajudaram a criar a aura de mistério que envolve a zona boêmia de
Belo Horizonte. Hoje, assim como nas décadas passadas, a rua permanece como
local destinado ao meretrício. Os muros e fachadas foram pichados, alguns
prédios antigos estão abandonados, outros vivem a efervescência da atividade
sexual, abrigando uma ocupação que ainda não foi reconhecida como profissão
pela lei. Pouco a pouco, estacionamentos verticais e um hotel de luxo mudam o
perfil da rua, que sempre foi a rua do sexo.
O sobe e desce de homens nas
escadas das casas de prostituições é constante. Nas portas dos inúmeros
quartos, as mulheres estão nuas ou seminuas. O preço, assim como a clientela, é
variado. Nos hotéis com senhoras, mulheres que estão ali há mais tempo, o valor
é módico, e os homens podem ter um momento de prazer a R$ 5,00 ou R$ 10,00. Em
hotéis mais afamados, como o Brilhante e Novo Hotel, o preço pode chegar a R$
30,00, o que vai depender das posições e serviços incluídos.
Para os curiosos que desejam
conhecer o lugar, a conselho é ir sem fazer alarde. Entre nos prostíbulos
discretamente e descobrirá corredores amplos, com mulheres de todos os estilos,
para todos os gostos. Entre os clientes há jovens, homens de meia idade,
velhos, solteiros e casados. Por reunir um grande número de pessoas, a rua
Guaicurus é testemunha de várias histórias, como a do gerente do hotel Vitória,
Geraldo Augusto Duarte, de 74 anos. O senhor é sócio do estabelecimento, que
está localizado na rua Curitiba, de frente para a rua Guaicurus. Diferente dos
hotéis da rua, esse não é destinado para a prostituição.
Há 30 anos trabalhando no local,
Duarte é um personagem íntimo da rua Guaicurus. Ele frequentou o famoso salão
Montanhês Dancing quando jovem. “Lembro da época de ouro do Montanhês,
frequentei muito lá quando tinha por volta de 20 anos. Era um lugar bem
frequentado. Você não podia entrar de camisa de manga só. Tinha que ir de
paletó. Inclusive, se você não tivesse, você chegava na portaria e alugava o
blazer e a gravata para entrar. Lá só se podia dançar. Acontecia de ‘relar’ na
hora da danças, mas não podia mais que isso. Depois, se você quisesse, podia
combinar algo com a mulher fora dali”, relembra. Na atualidade, o Montanhês
sobrevive como mais um hotel de prostituição e nada se assemelha ao local dos
bailes memoráveis e carnavais animados.
A rua Guaicurus tem um comércio
variado, com lojas de artigos para presente, utensílios domésticos, papelarias,
bares, farmácia, salão de beleza, além de cinemas pornôs. O Cine Caribe existe
há 16 anos. Na entrada discreta, uma bilheteria e a programação do dia. Paga-se
o valor de R$ 12,00, passa-se pela roleta e adentra ao ambiente escuro onde as
cenas de sexo explicito são exibidas. Segundo a administradora, Ivonete
Freitas, apesar de existir um público fiel, o local é frequentado por homens
das mais variadas idades e classes.
“O cinema funciona de 8h30 às
21h. Passamos três filmes. A pessoa entra e fica o tempo que quiser, a sessão é
contínua. Os filmes são brasileiros, eles vêm de São Paulo, o material é
locado, todo certificado. O cinema é bem vigiado, monitorado, nunca tivemos
nenhum problema. E tentamos, claro, deixar o público mais à vontade. Não
ficamos constrangendo as pessoas, por se tratar de um lugar que exibe filme
pornográfico. O cinema é um estabelecimento próprio para a rua Guaicurus. Não
vejo um tipo de estabelecimento como esse fora daqui”, comenta Ivonete.
Entra e sai na Associação das
Prostitutas de Minas Gerais
Em se tratando de rua Guaicurus,
os trocadilhos recorrentes são usados sem nenhum pudor. Sobe e desce e entra e
sai, além de fazer parte do linguajar figurado, encontra relação com aquilo que
muitos homens e mulheres fazem ali. Com o intuito de assegurar os direitos
dessas mulheres e prestar proteção, uma organização foi criada, a Assossiação
das Prostitutas de Minas Gerais (Aprosmig). No local, a todo momento, chegam
garotas de programa, que buscam informações e assistência.
Criada e em atividade desde 2009,
a associação é um ponto de apoio para as prostitutas e está localizada em uma sala no fundo da garagem do
prédio onde funciona o hotel Brilhante. Ali, elas têm acesso à campanhas de
prevenção de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs), assessoria jurídica,
acompanhamento de psicólogos e têm, até mesmo, acesso a curso de idiomas. Isso
é possível através de parcerias firmadas com universidades de Belo Horizonte.
No ano passado, a associação
ganhou projeção em sites jornais do Brasil e do mundo, depois de uma matéria
publicada na página da rede de televisão norte-americana CNN. O assunto que
atraiu os holofotes se tratava da mobilização da agremiação para criar cursos
de línguas estrangeiras para as prostitutas de Belo Horizonte, com o objetivo
de capacitá-las para receberem turistas durante a Copa de 2014.
As mulheres da rua Guaicurus
As mulheres que procuram a
Aprosmig encontram conforto no local. Algumas chegaram há pouco tempo na
cidade, outras vão para conversar ou pegar camisinhas. As que chegam, vindas de
outras regiões do país, atraídas pela fama da rua Guaicurus e dos seus hotéis,
encontram na associação a assistência que muitas prostitutas necessitam, mas
não têm acesso, por falta de políticas para esse grupo.
De Ouro Preto do Oeste, em
Rodônia, Vivian*, de 28 anos, mudou-se para Belo Horizonte com a família há 17
anos. Ela trabalha no hotel Catete e se prostitui há 8 anos. “Eu prefiro
trabalhar nos hotéis da rua Guaicurus porque tenho mais segurança em relação à
rua. Pretendo ficar aqui mais uns 5 anos, o tempo de terminar de construir
minha casa e pagar meu carro. Depois, quero fazer faculdade, estudar engenharia
civil”, conta.
Patrícia*, 32 anos, chegou à rua
Guaicurus há cinco anos. Natural do Rio de Janeiro, ela já se prostituía na
capital fluminense. Veio para Belo Horizonte através de uma conhecida. “Eu
trabalho no hotel Montanhês, geralmente, das 8h às 20h. Eu vim parar aqui
depois de um convite de uma amiga. Aqui, eu encontrei a Aprosmig, algo muito
bom para a gente, é uma ajuda importante”, diz. Questionada se pretende ficar
por muito mais tempo na zona boêmia, ela afirma: ”pretendo sair daqui, quero
estudar, fazer outra coisa”.
Com 54 anos, Angela* diz que veio
parar na rua Guaicurus depois de passear por ali. Por uma necessidade e para
ajudar em casa, ela começou a se prostituir, e garante que trabalha até hoje.
No seu rosto, o sorriso é frouxo, ainda mais depois de ter ganho o 3º lugar no
concurso Miss Prostituta 2014, no último mês de setembro. “A experiência de
participar foi ótima, eu adorei. Ensaiei um pouco para desfilar no dia. Mas já
estava acostumada. Fui sambista em escola de samba, desfilei em blocos de
Carnaval da minha terra, Ponte Nova”, relata a mineira cinquentona com muito
vigor.
*nomes fictícios
Fonte: O Tempo
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