Celebrando a festa de finados, celebremos alegremente nossa finitude. Ela nos assegura de nossa proximidade a Jesus Cristo, aquele que nos salvou e redimiu. Ela nos anima, igualmente, a lutar contra tudo que , na vida, impede que o ser humano tenha em sua condição de ser finito um motivo de júbilo e não de pavor.
Por: Maria Clara Lucchetti Bingemer
A celebração do dia de finados, ou seja, mortos, nos recorda
algo que é ao mesmo tempo belo e dramático enquanto seres humanos: nossa
mortalidade e finitude. Nossa condição
de seres vulneráveis, que, embora sendo e podendo ser cidadãos do infinito, são
também e não menos, barro perecível, em aliança e solidariedade com a
perecibilidade e a condição mortal de toda a criação.
A ritualização da morte, a pergunta pelo que existe além
dela e a comunicação com os mortos como habitantes de um outro nível da
existência são a manifestação religiosa mais antiga da humanidade. Antes de
identificar divindades trascendentes a quem adorar, o ser humano intuiu não ser
feito para a morte, mas para a vida e procurou comunicar-se com aqueles que, em
vida, haviam sido seus seres queridos,
que não poderiam simplesmente ter desaparecido sem deixar rastro, mas
deveriam estar vivos em outra dimesão e outro nível existencial.
O dia de finados nos relembra tudo isso. E faz uma
interpelação fundamental a nossa fé. A
interpelação de crer na vida. Mais: a
interpelação de crer inabalavelmente que Deus é o Deus da vida e que, portanto,
não criou a morte, mas a vida. A morte
entrou no mundo como salário do pecado, que os seres humanos introduziram na
dinâmica vital da existência pelo uso desviado e deturpado de sua liberdade.
O pano de fundo deste estado de coisas, na Bíblia, é belo e
estimulante. Para o homem bíblico, a vida não só provém de Deus, como só nele
encontra sua fonte, seu ser, seu existir e seu dinamismo. É, por assim dizer, o
outro nome de Deus. Assim como diz 1 Jo
1,5 : “Deus é luz e nele não há treva alguma”, poder-se-ia igualmente dizer
“Deus é vida e nele não há morte alguma”.
Ele é o Deus que transforma o caos em cosmos, que inaugura mundos do
nada, que faz o deserto virar jardim, que engravida virgens e estéreis, que faz
brotar e crescer a vida ali onde ela pareceria impossível.
Desse Deus, portanto, não brota a morte, que é chamada,
inclusive pela própria Bíblia, de inimiga da condição humana, sobretudo quando
se trata da morte do jovem da criança, ou – como diz o grande poeta brasileiro
João Cabral de Melo Neto – fruto amargo das estruturas injustas e opressoras. Uma morte Severina, correspondente a uma vida
de igual nome:
“De emboscada antes dos vinte
De velhice antes dos trinta
De fome um pouco por dia.”
(Morte e Vida
Severina)
E no entanto, para nós que cremos em Jesus Cristo vivo,
morto e ressuscitado, esta inimiga foi vencida e, portanto, não há por que
teme-la. Quando Deus mesmo, o Criador, o
Autor da vida entrou na história e tomou carne humana, dispôs-se a viver nossa
vida com todas as suas conseqüências. Ou
seja, Aquele que ninguém podia ver e continuar vivo tomou nossa carne mortal e
partilhou amorosamente nossa finitude.
Ao morrer e ressuscitar gloriosamente, e ser reconhecido
pelas testemunhas, que o conheceram e amaram,
estes e estas proclamaram maravilhados: “Não era possível que a morte o
retivesse em seu poder” (At 2,24) A esse
que os homens mataram Deus constituiu Senhor e Cristo.
Por causa disto, então, nós podemos exclamar, cheios de
esperança, com São Paulo: “Morte, onde
está a tua vitória? Onde está, ó morte,
o teu aguilhão?”(cf. Rom 8, 1 ss).
Graças à vitória de Jesus Cristo sobre a morte, podemos crer que aqueles
que amamos e que já não se encontram vivos na história estão vivos para sempre
em Deus, gozando da plenitude do Seu amor.
Por outro lado, podemos esperar sorridentes e serenos que nosso destino
tampouco é um fim irremissível, mas a vida em plenitude ao lado de nosso Senhor
e Criador.
Celebrando a festa de finados, celebremos alegremente nossa
finitude. Ela nos assegura de nossa
proximidade a Jesus Cristo, aquele que nos salvou e redimiu. Ela nos anima,
igualmente, a lutar contra tudo que , na vida, impede que o ser humano tenha em
sua condição de ser finito um motivo de júbilo e não de pavor.
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