Esther Hamburger defende que há uma diversidade de arranjos
familiares nas novelas que se relaciona com a diversidade de arranjos que
existe na sociedade brasileira.
A vida imita a arte ou a arte inspira a vida? Para a
professora Esther Hamburger, tanto a novela tem inspiração na realidade como
ela é influenciadora da vida social real. “Porque a novela faz parte da
realidade. Ela capta coisas, as transforma e depois expressa. Esse é o
processo. Como é feita ao mesmo tempo em que vai ao ar, ela se apoia muito
nessa dinâmica de captar as ansiedades que estão na sociedade e devolvê-las”,
explica, em entrevista concedida por telefone para a IHU On-Line. Na visão da
pesquisadora, “as novelas fazem sucesso quando provocam temas polêmicos, quando
trazem à tona temas que as pessoas lidam no cotidiano. Ao trazer para o horário
nobre, a novela legitima a existência do problema e o reconhece de uma forma
que todo mundo assiste. Então, todos compartilham aquelas histórias e podem
usá-las para discutir suas próprias opiniões e seus próprios problemas”.
Esther Hamburger é professora da Universidade de São Paulo –
USP, Ph.D em Antropologia pela Universidade de Chicago, com pós-doutorado pela
Universidade do Texas, Austin. É crítica e ensaísta, autora do livro O Brasil
antenado: a sociedade da novela (Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Qual é o modelo de família que é vendido pelas
telenovelas atuais?
Esther Hamburger – Não há um modelo de família. Há diversos.
Há uma diversidade de arranjos familiares que se relaciona com a diversidade de
arranjos que existe na sociedade brasileira. Então, por exemplo, em Avenida
Brasil , tinha os mais variados tipos de família. Inclusive a novela valorizou
a família do Tufão, um dos personagens principais, que, no fim, tinha filhos
que não eram seus filhos, mas a ideia de família permaneceu valorizada, mesmo
que admitindo uma diversidade. Isso tem a ver com o sucesso da novela também.
IHU On-Line – Guardadas as devidas proporções entre ficção e
vida real, o que o casamento entre o personagem Cadinho, da novela Avenida
Brasil, e suas três mulheres, pode sinalizar sobre novas modalidades de família
que surgem no Brasil?
Esther Hamburger – Não acho que as pessoas vão seguir esse
modelo. As pessoas não imitam o que a novela mostra. A novela serve como um
repertório comum entre as pessoas mais diferentes, que serve para cada um
colocar seu ponto de vista: discordar, concordar, expor outras formas. Não
penso que a novela vá estimular esse tipo de arranjo, mesmo porque sabemos que
o problema existe. E a novela faz justamente uma valoração positiva das
famílias. É importante ressaltar que as novelas fazem sucesso quando provocam
temas polêmicos, quando trazem à tona temas que as pessoas lidam no seu
cotidiano. Ao trazer para o horário nobre, a novela legitima a existência do
problema e o reconhece de uma forma que todo mundo assiste. Então, todos
compartilham aquelas histórias e podem usá-las para discutir suas próprias
opiniões e seus próprios problemas.
IHU On-Line – De forma geral, como o povo brasileiro reagiu
diante de um marido com três esposas (Cadinho) e uma mulher (Suélen) com dois
maridos? O que mais choca e o que mais provoca identificação e simpatia?
Esther Hamburger – A solução do Cadinho, com três mulheres,
e da Suélen, com dois homens, na verdade, é um tratamento bem humorado para
tensões que as pessoas enfrentam no dia a dia, pessoas dos mais variados tipos,
das mais diferentes idades e gêneros. A novela reconhece que o problema existe,
mas o resolve com bom humor.
IHU On-Line – Em sua opinião, a novela tem inspiração na
realidade ou é influenciadora da vida social real?
Esther Hamburger – As duas coisas. Porque a novela faz parte
da realidade. Ela capta coisas, as transforma e depois expressa. Esse é o processo.
Como ela é feita ao mesmo tempo em que vai ao ar, ela se apoia muito nessa
dinâmica de captar as ansiedades que estão na sociedade e devolvê-las.
IHU On-Line – Resgatando a trajetória histórica das
telenovelas brasileiras, o que mais mudou em relação ao modelo de família nos
últimos anos?
Esther Hamburger – É muito interessante pensar a novela em
relação aos modelos de família. Porque há uma diversificação crescente na
sociedade brasileira, como os demógrafos mostram, e as novelas acompanham isso
tudo, pois elas fazem parte de um processo de mudança demográfica do Brasil. O
país vem mudando muito nos últimos 50 anos e são mudanças muito radicais. Tão
radicais que afetam a estrutura familiar. É uma combinação de fatores que levam
a isso. Não existe uma única causa. Uma coisa interessante é que, segundo o
último censo, aumentou o número de pessoas que vivem sozinhas. Isso, em novela,
é muito raro aparecer. Então, podemos ver que a ligação não é imediata. Há
muitas mediações acontecendo. De forma geral, a novela capta as transformações
que vêm ocorrendo na família brasileira. Às vezes, ela devolve reforçando
alguma tendência e às vezes ela devolve com alguma solução inusitada e
criativa, como foi o caso desta última.
IHU On-Line – Considerando que, segundo o último censo, tem
aumentado o número de mulheres chefes de família, como aparece nas novelas a
mudança do protagonismo feminino na sociedade – dentro e fora de casa?
Esther Hamburger – No caso das famílias chefiadas por
mulheres, principalmente nessa última novela, até que havia alguns casos. No
caso da família do Tufão, ele era o chefe. Embora os filhos não sendo dele, ele
continua se considerando o pai e é o chefe da família. Depois, tem a família da
Lucinda (no núcleo do lixão), chefiada por ela. O Cadinho se tornou o chefe de
uma grande família com três mulheres, ou de três famílias. A novela, ao longo
dos anos, foi fortalecendo uma ideia de mulher que dá conta de muitas coisas: a
mulher que trabalha, que tem desejo e direito ao prazer. A novela legitimou a
separação, inclusive antes de o divórcio ser aprovado no Brasil. Sem dúvida,
ela acompanha esse processo de independência da mulher, mas problematiza pouco
as relações de gênero propriamente ditas no que diz respeito à distribuição do
trabalho doméstico, por exemplo. Ela não necessariamente entra nessa discussão.
Em geral, se favorece o modelo de supermulher, que dá conta de tudo, de ser
mãe, mulher, esposa, profissional. Nesse sentido, embora as mulheres tenham, ao
longo dos anos, ganhado muito espaço, problematiza-se pouco as consequências
dessa multiplicidade de tarefas das quais a mulher é cobrada.
IHU On-Line – Como a fragmentação da família e a
liberalização das relações conjugais têm aparecido nas novelas da Globo nos
últimos anos?
Esther Hamburger – As novelas acompanham o processo de
mudança social. Às vezes elas estimulam e às vezes elas “seguram”. Não são um
espelho sem distorções. Por outro lado, elas não estão fora da realidade, mas
fazem parte dela. O que vimos foi essa novela mais recente (Avenida Brasil)
tomando iniciativas muito inesperadas e inovadoras, o que não quer dizer que as
pessoas vão seguir o modelo que a novela está oferecendo. Só quer dizer que as
pessoas, dentro dos próprios problemas, verão que esses problemas não são
especificamente seus, mas são compartilhados e reconhecidos por todos e podem
pensar em soluções criativas para eles. De qualquer forma, a personagem da
Suélen é muito interessante, talvez a mais inovadora dessa novela, pois ela
tenta uma saída que envolve não só dois homens como também uma afirmação do
homossexualismo
Fonte: Ihu
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