O mito da alta procura por
serviços sexuais em época de grandes eventos caiu por terra durante as
Olimpíadas de 2016 no Rio de Janeiro. Boa parte das prostitutas que investiram
em anúncios em grandes sites e cursos intensivos de inglês está amargando um
belo dum prejuízo, nos diz Giovana, profissional que preferiu identificar
somente seu primeiro nome.
Por Amara Moira e Monique Prada*
Prostituição, afirma a
acompanhante de luxo M., precisa de rotina para ser rentável. Os megaeventos,
no entanto, deixam tudo de cabeça para baixo. Feriados e rotina confusa para o
cliente local, carta branca à violência policial, os pontos famosos de prostituição
mudando de lugar ou falindo, prostitutas perdendo seus espaços de trabalho, o
idioma impedindo que o cliente estrangeiro encontre informações pela internet
ou se entenda com a prostituta pelo telefone.
M. nos fala também que o perfil
do cliente que procura por serviços sexuais durante as Olimpíadas não costuma
vir atrás de serviço sexual especializado, sofisticado, mas sim de fazer
baderna e farra - seja em espaços de prostituição, seja em baladas ‘civis’
-, o que frustrou bastante as
expectativas que alimentava ao criar uma versão em inglês do seu site e fazer
um curso intensivo desse idioma para se comunicar melhor com os turistas.
Para completar o cenário
desolador da prostituição nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, ainda temos os
aplicativos de pegação funcionando a pleno vapor. Eis aí uma ferramenta que a
maioria das prostitutas ainda não conseguiu usar para divulgação dos seus
serviços e habilidades.
As poucas que se arriscam a usar
os aplicativos a trabalho frequentemente são denunciadas e têm seus perfis
desativados. Os autores das denúncias são sempre homens: afinal, é mais
vantajoso para eles ter um catálogo de mulheres que façam sexo casual sem
cobrar. Ainda mais quando tantas delas, como no Brasil, têm fetiche por
estrangeiros. Mesmo assim, há perfis masculinos oferecendo dinheiro em troca de
sexo - em alguns casos, perfis administrados por agências de acompanhantes em
busca de novidades para incluir em seu catálogo.
As prostitutas acabaram por
aprender aquilo que é conhecimento comum de quase toda moça que trabalha com
serviços sexuais nas webcans, as camgirls: hora de jogo importante é hora de
ficar offline. Motivo? A baixa procura por sexo online naquele momento, como
explica uma camgirl que preferiu não se identificar, pode acabar te
prejudicando e fazendo com que seu nome deixe de aparecer na lista das mais
acessadas.
Homem é criado para gostar de
competição, o tempo todo se testando, pondo amizade em risco para não perder no
futebol, no videogame, no baralho, no par ou ímpar... e que melhor lugar do que
nos esportes para levarem isso ao limite? Os pontos de prostituição importantes
de qualquer cidade no Brasil durante jogos são a prova viva.
Quando o assunto é Copa do Mundo
ou Olimpíadas, a coisa fica ainda mais complicada. Antes de mais nada, se o
turista tem grana para pagar os preços altíssimos praticados durante esses
megaeventos, não é pela prostituição a preços módicos que ele vai se
interessar. Desta ele tem até medo, pois sabe o que significa ser lido como
"gringo" (e, logo, como "rico") num país assolado pela
pobreza.
O governo, ciente desse
desconforto, dá carta branca à polícia para tocar suas políticas de
"higienização" dos centros urbanos e pontos turísticos, o que, na
prática, significa expulsar moradores de rua e prostitutas para áreas menos
acessadas.
A antropóloga Natânia Lopes
lembra um fato importante: é difícil competir com o dinheiro estrangeiro em
tempos de crise. Em busca de dólares e euros, diversos proprietários de hotéis
e flats cancelam seus contratos com prostitutas para poderem alugá-los a preços
mais elevados para os turistas.
As reclamações frequentes de
prostitutas sobre os baixos ganhos percebidos durante os megaeventos esportivos
no Brasil nos fazem ver com outros olhos a questão do turismo sexual por essas
bandas: muito barulho para pouca prática. O desejo de encontrar num destes
megaeventos o homem dos sonhos, que se transforme em marido ideal e a leve para
longe, parece seguir sendo o mais alimentado - tanto dentre prostitutas quanto
no imaginário de mulheres que não cobram diretamente por sexo.
* Amara Moira é colunista da
Revista AzMina e autora do livro “E se eu fosse puta?”. É travesti, prostituta
e feminista. Militante dos direitos de LGBTs e de profissionais do sexo, ainda
faz doutorado em teoria literária pela Unicamp.
* Monique Prada é mãe,
trabalhadora sexual e feminista. Atualmente é presidenta da CUTS - Central
Única de Trabalhadoras e Trabalhadores Sexuais, e co-editora do projeto
MundoInvisivel.org.
Fonte: Portal UOL
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