Divisão. Duas vezes na semana,
Israel prepara almoço e cuida dos filhos sozinho
Homens se preocupam em combater o
machismo em casa para alterar o futuro de filhas e filhos.
Já faz quase um ano que o casal
reveza os cuidados com os meninos durante a semana. “Nós morávamos na roça, e
os dois faziam tudo. Mudamos para BH há três anos, e eu passei a trabalhar o
tempo inteiro, quase não via os meninos. A Camila estava pirando de só ficar em
casa. Agora, ela sai e faz os frilas (freelances) dela”, explica o tatuador. O
nascimento da filha Gaia foi a deixa para que eles revissem conceitos tidos
como machistas, culturalmente impregnados. “Eu comecei a me ligar nisso ao ser
pai de menina. Poxa, minha filha vai crescer, e como eu gostaria que ela fosse
tratada, quais os direitos que ela merece?”, reflete Israel, que diz encarar
uma desconstrução diária.
Pais como ele, “combatentes do
machismo”, reconhecem que é um desafio vigiar as atitudes e mudar a cada dia,
mas a recompensa é participar mais da vida dos filhos e construir para eles um
futuro livre de preconceitos. Eles também são chamados de “pais modernos”,
“cabeça aberta” ou “feministas”, já que o feminismo é um movimento de luta por
direitos iguais entre homens e mulheres.
No entanto, pais que aplicam isso
– por acreditarem que a mudança começa em casa – até existem, mas não aos
montes. Ao consultar militantes feministas, elas indicaram alguns homens que
estão se desconstruindo, mas confessaram que não é algo comum. “Em geral, o que
mais temos acesso são mulheres reclamando da falta de divisão do cuidado com os
filhos. São poucos os que têm consciência da responsabilidade dessa função, em
parte pelos estereótipos de gênero, em parte pelo privilégio da posição
machista, já que sobrecarrega as mulheres”, afirma Letícia Gonçalves, uma das
organizadoras da Marcha das Vadias, protesto contra rótulos e violência.
“Estamos numa posição
privilegiada, a gente é educado para ser o macho viril. Não existe vacina;
quando tomamos consciência sobre a importância disso, o trabalho é permanente”,
admite o auxiliar administrativo Leonardo Péricles, 34, pai de Pedro, 1. “Você
vê que é muito simples, porque, em vez de ajudar minha mulher no cotidiano, eu
preciso ser responsável, é uma divisão da tarefa mesmo”, acrescenta.
Debate. Atualmente, as mulheres estão mais engajadas em quebrar
barreiras machistas, mas é fundamental que essa pauta também seja debatida com
os homens. “Um pai feminista é um pai ultrajante. Tão transgressor que adora
receber flor dos filhotes, batom na cara e não se envergonha de chorar junto
quando é hora da vacina dos pequenos”, postou o criador-facilitador da página
#PaiFeminista no Facebook, Rafael Guimarães. Em suas publicações sobre novas
formas de pensar e agir em um mundo de igualdade de gêneros, ele ressalta que
“nunca é tarde demais para mudar”. E a mudança ocorre no comportamento como
homem, marido e pai de menino e de menina, o que inclui também as mães, afinal
muitas delas ainda replicam o machismo e estão, ali, do ladinho dos filhos.
Equilíbrio. Em torno da mesa, na casa do diretor de cinema
Alexandre Jordão, 43, o assunto volta e meia é sobre “equilibrar os papéis do
homem e da mulher na sociedade”. Ele tem duas filhas gêmeas de 14 anos. “Meu
pai não lavava nem um prato, e minha mãe ficava sobrecarregada, era médica e
gerenciava o lar. Só é possível parar de seguir esse modelo quando você enxerga
isso. Minhas filhas estão crescendo e vendo um pai que cuida delas, faz comida,
arruma casa, tudo que a mãe faz”, conclui.
IGUALDADE
Educar sem diferença entre menino e menina
No ano passado, Thiago Moreira, 28,
virou notícia por ter pintado as unhas para ensinar uma lição ao enteado
Arthur, que tinha 4 anos e sofreu preconceito na escola por gostar de esmaltes
coloridos. “As cores são para todos”, disseram os pais do menino à época.
Agora, Moreira tem uma nova missão: virou pai da Margot, 5 meses. “São dois
desafios: educar o Arthur para não oprimir as mulheres e a Margot para não ser
oprimida. Ensinamos aos dois o respeito ao corpo”, conta o pai. A educação
também passa pelos brinquedos, que não têm qualquer distinção. Margot poderá
brincar com carrinhos, e Arthur tem jogo de cozinha. “Nas lojas, as pessoas
veem o Arthur brincando com panelas, ficam curiosos, acham estranho, mas nunca
comentaram nada”, diz.
Esse tipo de criação têm sido
valorizada nesse momento de combate aos preconceitos, mas muitos começaram a
mudança lá atrás. O psicólogo Francisco Viana, 61, é pai de um casal de 29 e 32
anos. “Tratei eles como dois sujeitos humanos sem diferenças por causa do sexo.
Confesso que não é fácil, temos medo da violência, mas minha filha jamais foi
impedida de fazer algo com a justificativa de que era mulher”, relata.
O cineasta Alexandre Jordão, 43,
deixa claro para as filhas adolescentes que “elas não dependem de homem nenhum
para serem felizes e têm livre liberdade na orientação sexual”. (JS)
“Depois daquele dia (em maio de
2015, quando Arthur, então com 4 anos, ouviu de um colega na escola que parecia
uma “menininha” por pintar as unhas de esmalte, o padrasto também pintou as
unhas para driblar o preconceito e mostrar que todos podem usar as cores), não
aconteceu mais nada, e de vez em quando ele ainda pinta as unhas. Acho
importante as crianças brincarem com tudo, porque isso vai ajudar lá na frente.
Arthur gosta de cozinhar e me ajuda a lavar a louça e a passar pano na casa.
Ele vê que aqui todos têm que fazer tudo. Agora, temos a Margot, e já é
estipulado que sou eu quem troco as fraldas”. (Thiago Moreira, 28)
Todos juntos e misturados
“Os brinquedos do Jimi e do Zion
são os mesmos da Gaia. Aqui não tem essa de brinquedo de menino e de menina nem
historinhas de princesa, a gente tenta trazer tudo para a normalidade. A
família é que às vezes dá coisa rosa para a Gaia. Mas eles dormem no mesmo
quarto, não tem diferença. Sou vegano e, além da igualdade de gêneros, prezo
pela igualdade de todos os seres vivos. Então, todo mundo faz tudo, já é normal
para mim estar sozinho com eles. Ano passado viajei só com os dois meninos.
Estranho é estar sem eles. Às vezes ainda nos pegamos sendo machistas, tipo “ó,
não faz isso que é coisa de menina”. (Israel Motta, 27).
Fonte: O Tempo
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