Agressor é o novo foco dos pesquisadores (Foto: Photononstop/AFP)
Uso de álcool está presente em
quase 70% dos casos, revela pesquisa. Cientistas buscam estudar o homem para
criar projetos de prevenção.
A violência contra a mulher
ocorre, na maioria das vezes, no contexto da relação de um casal. Mas, até
recentemente, grande parte dos estudos sobre o tema focava exclusivamente na
vítima, deixando de lado a reflexão sobre o que leva o homem a agredir e quais
intervenções sobre o agressor podem impedir novos atos de violência.
Hoje, num contexto em que a Lei
Maria da Penha prevê a adoção de estratégias de reabilitação para os
agressores, as pesquisas sobre o homem autor de violência têm se desenvolvido
com maior intensidade no Brasil e no mundo. Mas o campo precisa se expandir ainda
mais, já que a falta de conhecimento do assunto dificulta a criação de
políticas públicas.
O psicólogo Adriano Beiras,
professor do programa de pós-graduação e do Departamento de Psicologia da
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), observa que havia, no passado,
um preconceito com os trabalhos relacionados ao agressor. "Até então, se
entendia que trabalhar com os homens era trabalhar contra as mulheres. O que
tem crescido agora é o entendimento de que quando se trabalha com o homem autor
de violência está se trabalhando para a mulher; para ele deixar de bater em
outras mulheres."
O G1 conversou com pesquisadores
que optaram por analisar quem agride para descobrir o que a ciência já revelou
sobre o assunto.
Perfil do agressor
A pesquisadora Anne Silva, também
da UFSC, junto com os colegas Elza Berger Salema Coelho e Rodrigo Otavio
Moretti-Pires, fez uma revisão sistemática dos estudos já publicados sobre o
homem autor de violência contra a parceira íntima.
Eles analisaram 33 artigos de
todo o mundo para tentar encontrar uma característica em comum entre os homens
que chegam a agredir uma mulher, seja fisicamente, psicologicamente ou
moralmente.
“A conclusão a que eu cheguei
nessa revisão foi que, apesar de ter uma faixa etária que está mais relacionada
e serem indivíduos com menos escolaridade, as pesquisas mostram que homens de
todos os tipos podem cometer violência contra a companheira. Isso é importante
levar em conta para a gente tirar da cabeça alguns preconceitos”. diz Silva.
Esta também é a percepção de
Beiras. "Qualquer homem pode cometer atos violentos, na medida em que a
violência é associada com uma característica da masculinidade; existe uma
naturalização da violência. Quando se estabelece um perfil focando em classe
social, raça, patologias e outras questões, isso acaba por reduzir uma questão
social e complexa."
Faixa-etária, escolaridade e emprego
Quanto à idade dos agressores, os
dados apontam que desde adolescentes até idosos podem agredir. A faixa etária
não é algo determinante, mas, em grande parte dos casos, os homens têm entre 25
e 30 anos, segundo o estudo de Silva.
Sobre a escolaridade, o trabalho
mostra que 47,6% dos homens que agridem não completaram o ensino fundamental.
Ainda segundo a análise, o fato de o parceiro ser desempregado, ser aposentado
ou ter um trabalho informal aumenta em quase duas vezes o risco de ele cometer
violência.
Silva aponta para uma
possibilidade levada em conta com relação à classe social: homens e mulheres
que pertecem à classe mais alta não chegam a entrar nos dados das pesquisas.
“Por enquanto, delegacias e hospitais são áreas em que as pessoas de classes
mais baixas vão procurar auxílio, e as de classes mais altas vão procurar um
profissional particular e não vão entrar nas estatísticas.”
Álcool e drogas
Um ponto que se repete nas
pesquisas é a associação entre a violência contra a mulher e o consumo de
álcool e drogas. Pesquisas feitas no Piauí, Rio de Janeiro, São Paulo,
Pernambuco e Paraná indicam que homens que bebem têm mais probabilidade de
agredir mulheres com quem convivem.
No caso da revisão feita pelos
pesquisadores da UFSC, 69,6% dos casos de agressão abordados apontaram casos
seguidos por ingestão de bebidas alcoólicas.
Já o estudo coordenado por
Alexandra Bittencourt Madureira, professora da Universidade Estadual do
Centro-Oeste (Unicentro), no Paraná, que avaliou o perfil de homens autores de
violência na cidade de Guarapuava, aponta que o consumo de álcool foi encontrado
em 60% dos casos e, associado a outras drogas como maconha, cocaína e crack, em
7,7%. O uso de drogas isoladas foi observado em 3,1%.
"Existe essa questão de o
efeito do álcool e de drogas ser usado como justificativa para a agressividade.
Mas não é a bebida que faz agredir. O homem já tem essa característica da
agressão e o álcool acaba sendo apenas um estopim para acontecer, não o único
motivo", diz Madureira.
Silva aponta outra situação comum
em casos de violência com o uso da bebida. “Não é pelo fato de o homem estar
bêbado, mas sim sobre quando a mulher palpita sobre o homem usar a bebida.
Tenho encontrado muito isso nas pesquisas que tenho feito.”
O que diz a neurociência
Além dos estudos no âmbito das
ciências sociais, a neurociência também tem se ocupado de avaliar os autores de
violência contra a mulher.
A pesquisadora Natalia Bueso
Izquierdo, do Centro de Investigação Mente, Cérebro e Comportamento da
Faculdade de Psicologia da Universidade de Granada, na Espanha, é uma das
autoras de um estudo que comparou o funcionamento do cérebro de agressores com
o cérebro de outros criminosos por meio de ressonância magnética funcional.
A conclusão do estudo, publicado
em abril deste ano, foi que os cérebros dos homens que agridem mulheres
funcionam de forma diferente em comparação aos de outros criminosos.
Cérebro de homens
agressores (esq.) funcionam de forma diferente do que os de outros criminosos
(dir.) (Foto: Universidade de Granada)
Cérebro de homens agressores
(esq.) funcionam de forma diferente do que os de outros criminosos (dir.)
(Foto: Universidade de Granada)
"O estudo nos permitiu
entender quais são as áreas do cérebro envolvidas nos homens que agrediram suas
parceiras ou ex-parceiras, o que nos ajuda a entender melhor este tipo de
sujeito e, portanto, no futuro, implementar alguma melhora nas terapias que
eles recebem atualmente", afirma Izquierdo, em entrevista por e-mail.
Ela observa que, apesar de não
haver um perfil único que caracterize o agressor, algumas das características
mais descritas na literatura sobre esses homens são a inflexibilidade
cognitiva, a presença de pensamentos distorcidos, a impulsividade e o fato de
não assumir os próprios atos.
Para a pesquisadora, é difícil
determinar que peso têm os fatores biológicos em comparação aos fatores sociais
que levam o homem a cometer atos de violência contra a mulher. "Na
verdade, para nós e a partir de nossa perspectiva, consideramos todos os
fatores como um todo, já que cada ser humano é o resultado de toda essa
combinação de fatores sociais, culturais e biológicos."
Reabilitação do agressor
Beiras observa que a luta contra
a violência contra a mulher priorizou, no início, a penalização do agressor, o
que foi importante na época. "Agora precisamos de uma justiça mais
progressista no sentido de pensar para além da criminalização, promovendo
práticas psicossociais e de transformação social, centradas no retorno destes
sujeitos à sociedade, respeitando direitos humanos, equidade de gênero e
diversidade", diz o pesquisador.
De acordo com Silva, a questão do
machismo é um fator importante em relação à violência, mas não se pode fazer
uma análise simplista. “A gente não pode de maneira nenhuma usar o perfil como
uma desculpa, ou simplesmente como uma causa/efeito: se o homem bebe, ele bate;
se o homem não bebe, não bate. Isso não é verdade. Por isso, quando a gente vê
questão de perfil, nunca vê um fator só.”
Ainda segundo a pesquisadora, é
preciso analisar todos os fatores relacionados e aproveitar as análises para
trabalhar com esses agressores. “Um fator sozinho não significa nada. Na
verdade o que eu tenho encontrado: a escolaridade do homem, o tipo de trabalho
e a renda dele estão juntos ali trabalhando para que ele tenha uma maneira
diferente de se comunicar, não saiba resolver os conflitos, acabe se envolvendo
com o uso de drogas e use violência”, completa.
Segundo um mapeamento coordenado
pelo pesquisador Adriano Beiras, em 2014, havia 25 serviços de atenção em grupo
a homens autores de violência contra mulheres. A pesquisa foi feita no Instituto
Noos, do Rio de Janeiro. Hoje, segundo dados preliminares de um novo mapeamento
que está sendo conduzido por Beiras na UFSC, também em parceria com o Insituto
Noos, há aproximadamente 40 grupos do tipo.
Ele enfatiza a necessidade da
criação de uma política nacional para os grupos de reabilitação de homens
autores de violência. "Hoje, esses grupos são feitos graças à boa vontade
de organizações, ONGs, juristas e serviços que se sensibilizam para a questão.
Com a mudança de gestão, os serviços terminam por falta de recursos."
Tratam-se de grupos de reflexão
coordenados por um ou dois facilitadores, que estimulam discussões sobre
gênero, masculinidade e o entendimento da violência. Um dos objetivos
principais é desnaturalizar a violência cometida pelo homem, ou seja, levar ao
entendimento de que não é natural que o homem cometa atos violentos.
Fonte: G1 Globo
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