As Olimpíadas, como tudo que é
tocado pela “mão invisível do mercado”, é um dos produtos mais caros e que traz
inúmeros retornos financeiros para todos os envolvidos (patrocinadores, redes
de televisão, investidores privados, empresários do esporte etc.). Negociações
que incluem todo tipo de marketing em cima dos atletas, adequação dos horários
das transmissões em função de interesses privados - em detrimento da saúde dos
atletas -, doping e disputas políticas são o pano de fundo que fazem parte
desse megaevento.
Com os Jogos Olímpicos, todo tipo
de comércio na cidade do Rio de Janeiro espera se beneficiar, nesse mês de
agosto, da visita de milhares de turistas. No último dia 8, o site UOL publicou
uma matéria sobre as Olimpíadas, na qual apresentava a polêmica entre as
prostitutas e um grupo de feministas radicais. O título, irônico, revela já de
cara uma das características da moralidade burguesa, na qual a família é
“sagrada”, mas fora dela, vale tudo: Jogos 'família' veem briga ideológica de
prostitutas e feministas radicais[1]. O texto traz alguns elementos importantes
para a reflexão da questão da mulher. Vejamos alguns pontos de vista
apresentados no artigo:
As militantes de grupos
feministas radicais, veem a prostituição como a principal forma de exploração
da mulher e exigem uma maior fiscalização durante o evento contra a
cafetinagem, bem como o aumento da intervenção policial para inibir a prática.
Afirmam também que a prostituição está fortemente relacionada à pedofilia, ao
estupro e ao tráfico de mulheres.
Por outro lado, as prostitutas
que reivindicam o direito ao trabalho na rua afirmam que as feministas radicais
disseminam uma imagem estigmatizada das profissionais, alinhando-se à uma
postura da direita. Uma delas afirma que a prostituição é uma ferramenta de
enfrentamento ao machismo, afinal, elas fazem sexo sem intenção de reprodução e
cobram por isso. Segundo ela, as prostitutas são livres e empoderadas. No texto
é citada também a polêmica em relação ao projeto de lei de autoria do deputado
Jean Wyllys (PSOL-RJ), que busca regulamentar a atividade das profissionais do
sexo.
A prostituição e a visão das marxistas
Existem erros e acertos nos dois
pontos de vista apresentados no artigo, principalmente no que diz respeito à
exploração do corpo da mulher e da repressão como solução. Na Esquerda Marxista
concordam com a visão desse grupo de feministas que consideram a prostituição
como expressão da exploração da mulher mas, vamos além, como disse
Kollontai[2], a prostituição “se deve ao sistema econômico hoje em vigor, à
existência da propriedade privada. Uma vez desaparecida a propriedade privada,
desaparecerá automaticamente o comércio da mulher”. Assim como tudo na
sociedade capitalista é mercadoria, e é apropriada individualmente mediante
pagamento, o corpo da mulher configura-se como mais uma mercadoria a ser
usufruída por quem pode comprar. Portanto, a prostituição será extinta não por
meio de discursos moralistas ou leis burguesas, mas depois da superação do modo
de produção capitalista, na construção de uma sociedade comunista.
"Obviamente não estamos
esperando que uma outra sociedade caia do céu e, enquanto esperamos por ela,
nada fazemos. Porém, discordamos da posição das feministas que, para lutar
contra a prostituição, solicitam a ação dos aparelhos repressores do Estado.
Essa não é uma ferramenta da classe trabalhadora. Ser contra a prostituição não
significa ser contra as prostitutas. Da mesma forma, nos posicionamos contra o
PL de regulamentação da prostituição, pois, não acreditamos que a exploração do
seu corpo ou de outra pessoa, seja visto de forma romantizada ou como opção de
vida numa sociedade à beira da barbárie como a atual".
Nesse sentido, precisamos
refletir sobre a afirmação da prostituta entrevistada, que aponta a
prostituição como uma forma de liberdade e de “empoderamento” feminino. Essa
visão também é compartilhada por outros grupos feministas, que apontam que o
fato da mulher dispor do seu corpo, sem fins de reprodução e colocando o homem
numa posição supostamente inferior e pagando pelo sexo seria uma expressão
desse empoderamento feminino. Mais uma vez retomamos a necessidade de superar a
romantização dessa prática que subjuga, em sua maioria meninas e mulheres, mas
também, meninos e homens como mais um objeto à disposição do consumidor.
Setores de esquerda, que abriram mão do marxismo, acabam reforçando sentimentos
de individualismo e abandono da luta coletiva. Permanecemos firmes com a
convicção de que a prostituição não pode ser considerada “libertadora” para as
mulheres, pois consideramos que:
A prostituição destrói a igualdade, a solidariedade e o companheirismo
das duas metades da classe operária. Um homem que compra os favores sexuais de
uma mulher não a vê como uma camaradas ou uma pessoa com direitos iguais. Vê a
mulher como uma criatura dependente e inferior, que não serve ao Estado dos
trabalhadores. O desprezo que tem pela prostituta, cujos favores comprou, afeta
sua atitude em relação a todas as mulheres. O desenvolvimento da prostituição,
longe de permitir o incremento do sentimento de camaradagem e de solidariedade,
fortalece a desigualdade das relações entre os sexos.[3]
Afirmamos também que ser
contrários à prostituição não nos coloca ao lado de figuras reacionárias, de
direita ou moralistas, muito pelo contrário. Nos colocamos ao lado dos que
desejam construir uma outra sociedade, na qual cada um poderá expressar sua
individualidade, criatividade e seus desejos de forma livre. Uma sociedade que
supere a atual, que constrói mitos e tabus para então criar seus fetiches e
fantasias – que, consideradas “amorais”, são realizadas em ambientes
“apropriados” e com as pessoas “adequadas” a esses fins. Estamos do lado oposto
desses grupos de moralistas que, dia após dia, surgem nas manchetes como
protagonistas de casos de violência, abusos e discursos de ódio. Como afirma
Kollontai,
A prostituição surgiu com os primeiros Estados como uma sombra
inevitável da instituição oficial do casamento, concebido para preservar os
direitos da propriedade privada e garantir a herança da propriedade através de
uma linhagem de herdeiros legítimos. A instituição do casamento tornou possível
impedir que a riqueza acumulada fosse dispersa entre um grande número de
“herdeiros”. Mas há uma grande diferença entre a prostituição na Grécia e Roma,
e a prostituição que conhecemos hoje. Na antiguidade o número de prostitutas
era pequeno e não existia a hipocrisia atual, essência da moral do mundo burguês,
que leva a sociedade burguesa a tirar o chapéu respeitosamente para a “legítima
esposa” de um magnata industrial (que se vendeu a um marido que não ama),
enquanto repudia a garota que foi forçada a ir para as ruas por conta da
pobreza, da indigência, do desemprego e de outras situações sociais que são
consequência da existência do capitalismo e da propriedade privada.[4]
Por fim, o discurso de Alejandra
Kollontai, na ‘Terceira Conferência de Dirigentes dos Departamentos Regionais
da Mulher de toda Rússia’[5], em 1921, aponta causas e soluções que podem nos
ajudar no combate real à prostituição e na organização das mulheres
trabalhadoras:
Não há dúvida de que os salários baixos e insuficientes que as mulheres
recebem segue funcionando como um dos fatores reais que empurram a mulher à
prostituição. Segundo a lei, os salários dos trabalhadores e trabalhadoras são
iguais, mas na prática a maioria das mulheres são contratadas em trabalhos não
qualificados. O problema de melhorar suas habilidades a partir do
desenvolvimento de uma rede de cursos especiais deve ser um compromisso. A
tarefa do departamento da mulher deve ser influir nas autoridades da educação
para que redobrem o investimento para a formação profissional da mulher
trabalhadora.
O departamento da mulher deveria
incrementar seu trabalho entre a mulher proletária. A melhor forma de lutar
contra a prostituição é elevando a consciência política das amplas massas
femininas e envolvê-las na luta revolucionária pela construção do comunismo.
Com a convicção da importância da
organização das mulheres trabalhadoras pelas reivindicações mais sentidas,
"convidamos a todas as companheiras e companheiros a juntar-se à Esquerda
Marxista", frisam.
Contra a legalização da
prostituição e toda forma de exploração!
Contra toda forma de
mercantilização do corpo da mulher!
Por pleno emprego e condições
dignas de trabalho!
[2]Alexandra Kollontai. O Comunismo e a Família. Disponível em: <https://www.marxists.org/portugues/kollontai/1920/mes/com_fam.htm>
[3] Alejandra Kollontai. La prostitución y cómo combatirla. Disponível em: <https://www.marxists.org/espanol/kollontai/1921/001.htm>
[4] idem
[5] idem
Fonte: Esquerda Marxista (https://gz.diarioliberdade.org/)
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