terça-feira, 20 de janeiro de 2015

A hiperssexualização da mulher negra e a política da respeitabilidade.

Sob a bandeira da luta contra a “hipersexualização da negra”, muitas vezes perigamos reforçar outro estereótipo racista e sexista: a da negra que precisa ser policiada e controlada pela sociedade (geralmente através da polícia) “para seu próprio bem”.


E essa? Pois é. Mas o dinheiro de seus impostos foi gasto para reprimir somente uma dessas imagens (a do Bonde das Maravilhas)…. É bom lembrar que é a AGÊNCIA feminina, negra, que é a verdadeira ameaça à sociedade racista e machista.
Vemos um grande problema com o discurso da hiperssexualização das negras: na nossa opinião, ele não dá conta do recado de como uma sociedade racista trata a sexualidade negra.

Sim, obviamente existe a hiperssexualização. Mas isto é só um lado da questão. Tem, minimamente, mais dois: a DE-sexualização de determinadas negras: as mais velhas, as menos bonitas, a turma LGBT negra (que nem o movimento negro, nem as feministas, nem o movimento LGBT quer tocar, em geral) e a “sinhá negra”. Pois se é verdade que a sociedade racista e machista sexualiza para discriminar, um custo disto é, que espera-se que as mulheres negras “sérias” e “profissionais” NÃO expressem nenhuma sexualidade, para serem levadas a sério.

É  a assim-chamada, “política da respeitabilidade”,  que uma série de feministas negras anglo-americanas – mais notoriamente Patrícia Hill Collins – têm discutido.

O buraco é mais embaixo, segundo nosso olhar: não é a hiperssexualização que é tanto o problema quanto, o mito da sexualidade feminina negra como algo que precisa ser mantida sob os mais fortes controles sociais para não virar ameaça social. No fundo disto – e particularmente no Brasil, com sua história da eugenia através do “branqueamento” – encontra-se o medo da mitológica capacidade sexual-reprodutiva da mulher negra.

Em nossa opinião – mas também baseada em nossas leituras em feministas negras, como Patrícia Hill Collins e Ângela Davis – isto cria uma faca de dois gumes quando queremos falar da sexualidade negra, e, só um lado da questão costuma ser retratada pelos movimentos feministas e negras: a hiperssexualização.

Vemos, então, uma enorme gritaria contra as moças do Bonde das Maravilhas por seu suposto reforço do estereótipo “hiperssexualizado” da mulher negra… mas não ouvimos quase nada quando as moças foram investigadas pelo Ministério Público e proibidas de dançar, como se esse tipo de censura fosse aceitável ou aplicada de forma democrática a todas as moças brasileiras, independente de cor.

Na Copa, vimos imagens de mulheres  negras que namoram estrangeiros associadas, sempre, com tráfico de pessoas e turismo sexual. Enquanto isto, nos mesmos jornais e noticiários da grande mídia, mulheres BRANCAS que interagiram com estrangeiros eram tratadas como espertas, inteligentes e aproveitadoras de boas oportunidades para namorar.

A sexualidade das jovens negras está sendo cada vez mais colocada sob uma ótica disciplinar e repressora em nome do “combate a exploração sexual”. Enquanto isto, quando a filha adolescente branca da Xuxa (celebridade que tentou-se renovar como militante anti-exploração sexual) começou um namoro com um ator adulto, não houve nenhuma discussão sobre se isto constituía “exploração sexual”: sendo jovem e branca, você tem o direito de desenvolver sua sexualidade do jeito que quiser, desde que não machuca ninguém e não viola a lei. Sendo negra…

Ou seja, sob a bandeira da luta contra a “hipersexualização da negra”, muitas vezes perigamos reforçar outro estereótipo racista e sexista: a da negra que precisa ser policiada e controlada pela sociedade (geralmente através da polícia) “para seu próprio bem”.

É particularmente preocupante essa tendência quando olhamos para como os movimentos negros e feministas lidam com a questão da sexualidade negra que não cai nos moldes da heteronormatividade. Nas semanas antes de Natal, quatro travestis negras foram brutalmente assassinadas no Rio, mas a única voz que ouvimos levantar em protesto foi a do pessoal de Jean Wyllys… representante gay que, ultimamente, parece ser o saco de pancadas favorito para certas facções dos movimentos negros e feministas (plurais) brasileiros.

Precisamos ter um diálogo importante e imediato sobre o que é, exatamente, a “hipersexualização” e como isto difere da simples expressão da sexualidade. Segundo nossas observações, existem muitos preconceitos e pressuposições acerca de tal sexualidade e o que ela “deve”  ser dentro das fileiras dos movimentos. Acreditamos que esses devem ser claramente enunciados e discutidos, abertamente.

Precisamos respeitar a AGÊNCIA de mulheres negras no campo sexual e não transformar a luta contra a hiperssexualização racista em mais um dispositivo para a repressão das negras.
Aqui é um artigo que toca no centro desse debate nos EUA. Vale a pena olhar.
Eis  a razão que ficamos preocupados quando certas feministas negras criticam, corretamente, a representação hiperssexualizada da mulher negra nas telas brasileiras mas, no próximo sopro, criticar certos tipos de mulheres negras – particularmente as jovens e/ou pobres – que curtem determinadas modas, músicas, ou comportamentos sexualizados. Nas palavras da autora do artigo acima citado:
“[Não devemos afirmar] que a maneira de neutralizar a nossa hiperssexualização por uma sociedade controlada por supremacia branca é, com efeito, nos tornar assexuada, destruindo assim a tela sobre a qual a supremacia branca projeta suas ideias sobre a sexualidade feminina negra. Enquanto eu posso ver o valor teórico desse ponto de vista,  acho que sua falha fatal é que coloca o ônus sobre as mulheres negras para reorientar, por meio do auto policiamento,  as imagens depreciativas que está sendo criadas e disseminadas sobre nós.

“Somos humanos, (embora a nossa humanidade seja muitas vezes questionada) e por isto as mulheres negras são, em geral, pessoas sexuais, assim como todas as outras. Nossa sexualidade é algo que é inerente à nossa pessoa, e isso é algo que devemos ser autorizadas a reclamar livremente (ou rejeitar) sem medo de represálias ou repercussões. Avançar de uma forma reacionária, recusando-se a ser sexual simplesmente por causa daquilo que a sociedade pode esperar de nós (por causa de nossos corpos femininos pretas), é negar a nós mesmos uma parte de nossa própria humanidade, a fim de reivindicar a nossa humanidade. Na minha cabeça, isso é contraintuitiva. Nenhuma pessoa deve ser obrigada a rejeitar a sexualidade no serviço de sua humanidade, porque a sexualidade faz parte da humanidade.”

Fonte:  Geledés 

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