Utilizam figura do asilo como estratégia para fazer entrar
em Portugal raparigas que são forçadas a prostituir-se pela Europa fora.
Serviço de Estrangeiros e Fronteiras tem registo de pelo menos 23 raparigas
menores. Os traficantes servem-se do vudu para as subjugar.
Saíam da Nigéria. Apanhavam um voo da TAP na Guiné-Bissau
com destino a Portugal. Desembarcavam com documentos falsos ou nenhuns –
destruíam-nos durante a viagem. No Aeroporto Internacional de Lisboa,
identificavam-se como menores de idade em busca de asilo. Aguardavam pelo
estatuto. Um dia, eram levadas por redes de tráfico para exploração sexual pela
Europa fora.
São diversas as rotas de tráfico de seres humanos da Nigéria
para a Europa. Aquela estava a funcionar pelo menos desde 2012 e tinha como
alternativa o voo proveniente do Senegal. “Estamos a falar em mais de 20
raparigas”, diz o director Nacional Adjunto do Serviço de Estrangeiros e
Fronteiras (SEF), José van der Kellen. “Pelos nossos registos, foram quatro em
2012, 18 em 2013 e uma em 2014. Com as adultas, o número atinge 30 e tal a 40
casos.”
Esta segunda-feira, no âmbito de um inquérito que corre há
mais de um ano, sob a orientação do Departamento de Investigação e Acção Penal
(DIAP) de Lisboa, o SEF fez sete buscas domiciliárias, uma busca em escritório
de advogado, seis buscas em viaturas. Deteve sete pessoas e apreendeu diversos
documentos – alguns comprovam avultadas transferências internacionais de
dinheiro.
O voo Bissau-Lisboa está suspenso desde Dezembro do ano
passado, altura em que a tripulação da TAP foi forçada a embarcar 74 pessoas
com documentos falsos – o novo primeiro-ministro, Domingos Simões Pereira,
disse sexta-feira que já estão em contacto com “as autoridades portuguesas para
identificar quais as dificuldades, quais os obstáculos de parte a parte”, e
que, em breve, encontrarão uma fórmula capaz de satisfazer as exigências de
segurança.
Era aquela a grande rota. No Aeroporto Internacional de
Lisboa, às menores desacompanhadas ninguém pode negar entrada em Portugal.
“Estão naquela fase em que não se sabe se têm 15, 16, ou 18 ou 19 anos”,
salienta o inspector. “A anatomia é semelhante. Algumas vêm indocumentadas.”
O SEF tratava da tramitação provisória do pedido de asilo.
As raparigas iam para o Centro de Acolhimento para Crianças Refugiadas, do
Conselho Português para os Refugiados, onde tinham cama, comida e roupa lavada.
“Tinham a lição estudada. Sabiam bem como se deviam comportar”, diz.
As adultas seguiam estratégia igual. Só se pode ficar até 60
dias no Centro de Instalação Temporária do Aeroporto de Lisboa. Aparecia sempre
um advogado que fazia as diligências necessárias à formalização do pedido de
asilo. Recorria para alargar o prazo, findo o qual elas tinham de sair do
aeroporto, o que quer dizer que entravam em Portugal. Podiam aguardar no Centro
de Acolhimento para Refugiados.
A organização aprendeu a usar o sistema de protecção montado
no país. “Revertia o lucro da prostituição por inteiro para as células que
estão aqui a garantir o trânsito de Portugal para outro sítio”, sublinha José
van der Kellen. Uma vez regularizada a situação, as raparigas eram levadas.
Algumas vão sendo detectadas a trabalhar nas ruas ou em bordéis em França,
Holanda, Itália…
São avultadas as dívidas que contraem junto dos traficantes.
Podem ascender aos 60 mil euros. Têm de as pagar até ao último cêntimo com
trabalho sexual. No país de destino ficam nas mãos de mulheres mais velhas que
já passaram pelo mesmo que elas e que foram “promovidas” a “madames” ou
“mamas”.
“Querem muito vir para a Europa”, resume o inspector. “Não
têm forma de o conseguir pelas vias legais.” Algumas viajam de carro e a pé para
o Norte de África. Atravessam o Mediterrâneo de barco. Outras servem-se de
aeroportos com fragilidades e ligações directas à Europa. Parecem-lhe todas
“claramente vítimas de tráfico de seres humanos, e não requerentes de asilo”.
Diz-lhe a experiência que, “se puderem ser ajudadas, será
como vítimas de tráfico, mas rejeitam toda a ajuda que as instituições lhes
possam dar”. Não por acaso. Os traficantes servem-se do vudu para as subjugar.
“A dependência delas é tão forte que elas não encontram alternativa ao
pagamento da dívida”, enfatiza.
Algumas chegam a ser exploradas em Portugal, enquanto
aguardam ordem para partir ou numa fase mais adiantada do processo. Tendo
estatuto de refugiadas, é a Portugal e não à Nigéria que são devolvidos de cada
vez que são detectadas noutro estado-membro da União Europeia. É para isso que
o estatuto de refugiado lhes serve. “É uma garantia de que não saem de Europa”,
explica José van der Kellen. “São poucos os casos de exploração aqui. O que
pretendiam era pô-las a circular pela Europa.”
Fonte: www.publico.pt
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