Um após o outro, os homens a estupraram. Eles haviam
arrastado a menina para um abrigo de pedra escuro no limite para os campos,
oito homens, talvez mais, cheirando a pesticidas e uísque barato. Eles a
atacaram por quase três horas. Ela tinha 16 anos de idade.
Quando acabou, os
homens ameaçaram matá-la se ela contasse a alguém, e durante dias a menina não
disse nada. Falar teria sido difícil, de qualquer forma, por causa da
hierarquia de castas. Ela era pobre e uma dalit, o grupo da casta baixa indiana
antes conhecido como “intocáveis”, enquanto a maioria dos agressores era de uma
casta superior que dominava o poder no
vilarejo.
Isso poderia ter acabado ali, se não fosse pelos vídeos:
seus agressores haviam feito vídeos nos telefones celulares como troféus, e as
imagens começaram a circular entre os homens da aldeia até que um vídeo foi
mostrado ao pai da vítima, disse a família. Atormentado, o pai cometeu suicídio
em 18 de setembro, tomando pesticida. Enfurecidos, os dalits pediram justiça no
caso de estupro.
"Nós pensamos: 'perdemos meu marido, perdemos nossa
honra'”, disse a mãe da vítima de estupro. "Qual é o ponto em permanecer
em silêncio agora?"
Como em muitos países, o silêncio muitas vezes segue o
estupro na Índia, especialmente nas aldeias, onde uma vítima de estupro costuma
ser considerada como uma vergonha, uma mulher imprópria para o casamento. Mas
as queixas contra uma série de estupros recentes, incluindo este, no norte do
estado de Haryana, quebraram o silêncio, chamando a atenção do país para o
número crescente de agressões sexuais na Índia, e ao mesmo tempo expondo a
estrutura de poder consevadora dominada por homens em Haryana, onde as vítimas
de estupro são frequentemente tratados com desprezo.
Num país em rápida mudança, os casos de estupro aumentaram a
uma taxa alarmante, cerca de 25% em seis anos. Até certo ponto, isso reflete um
aumento nas denúncias por parte das vítimas. Mas dinâmica de gênero em processo
de mudança na Índia também é um fator importante, pois mais mulheres estão
frequentando a escola, entrando na força de trabalho ou escolhendo com quem vão
se casar – tendências que alguns homens consideram uma ameaça.
A imprensa da Índia publica regularmente relatos horríveis
de estupros em grupo, ataques que antes eram raramente vistos. Às vezes,
gangues encontram um jovem casal – em alguns casos, o casal está se encontrando
às escondidas da sociedade conservadora – e depois estupram a mulher. Analistas
também apontam para as tendências demográficas: a Índia tem um excesso de
homens jovens, alguns desempregados, abusando de álcool ou drogas e irritados
com a nova visibilidade da mulher na sociedade.
"Essa visibilidade é vista como uma ameaça e um
desafio", disse Ranjana Kumari, que dirige o Centro de Pesquisa Social de
Nova Déli.
Em Haryana, a resposta inicial ao estupro depois que foi
revelado foi desde a negação até a denúncia à mídia para culpar a vítima. Um
porta-voz do Partido do Congresso, governista, foi citado dizendo que 90% dos
casos de estupro começam como sexo consensual. Grupos de mulheres ficaram
indignados depois que um líder da aldeia apontou o desejo sexual das
adolescentes como o motivo para os estupros.
"Eu acho que as meninas devem se casar aos 16 anos,
para que elas tenham seus maridos para suas necessidades sexuais, e não
precisem ir a outro lugar", disse o líder da aldeia, Sube Singh, ao canal
de notícias IBN Live. “Dessa forma, não haveria estupros.”
As mulheres mais vulneráveis são as dalits pobres, da camada
mais baixa da estrutura social. Dos 19 casos recentes de estupros em Haryana,
pelo menos seis vítimas eram dalits. Uma adolescente dalit em Haryana cometeu
suicídio, atendo fogo ao próprio corpo, depois de ter sido estuprada por um
grupo. Outra menina dalit, 15, deficiente mental, foi estuprada em Rohtak, de
acordo com relatos da mídia indiana, mesmo bairro onde uma menina de 13 anos
foi supostamente estuprada por um vizinho.
"Se você é uma mulher pobre e for estuprada, não pode
nem imaginar uma vida onde haverá justiça", escreveu a colunista Kalpana
Sharma recentemente no "The Hindu", um jornal nacional de língua
inglesa. "Se você é uma mulher pobre e dalit, então as chances de justiça
são ainda menores."
Haryana é um dos redutos onde o patriarcado feudal é mais
arraigado na Índia. A preferência social por filhos homens tem contribuído para
o problema de alguns casais abortarem fetos do sexo feminino, deixando Haryana
com a proporção de gênero mais desequilibrada na Índia, 861 mulheres para cada
mil homens. Politicamente, a casta superior Jat controla em grande parte de uma
rede estadual de conselhos de homens, não eleitos, conhecidas como “khap
panchayats”, que dominam muitas regiões rurais do Estado.
Os líderes eleitos relutam em confrontar os khaps, dada a
sua capacidade de convencer os eleitores, e, muitas vezes endossam sua agenda
social conservadora, na qual as mulheres são subservientes aos homens. Os khaps
têm tentado proibir as mulheres de usar calças jeans ou telefones celulares. Um
membro do khap, Jitender Chhatar, culpou a comida fast food pelo aumento dos
casos de estupro, argumentando que ela causa desequilíbrios hormonais e desejos
sexuais nas mulheres jovens. Singh, que sugeriu reduzir a idade legal para o
casamento legal, também é um líder khap.
"Eles estão trabalhando a teoria de culpar a
vítima", disse Jagmati Sangwan, presidente da filial Haryana da All-India
Democratic Women’s Association. "Eles estão desviando a atenção do crime e
os criminosos, e das causas."
No entanto, a ira pública está claramente borbulhando.
Pequenos protestos foram realizados por todo o Estado, incluindo um este mês na
cidade de Meham, onde cerca de 100 homens e mulheres fizeram piquetes na sede
da polícia do distrito por conta do estupro de uma menina de 17 anos de idade.
Eles mostravam cartazes dizendo "Prisão aos estupradores!" e
"Justiça para as Mulheres" e gritavam "Abaixo a polícia de
Haryana!"
Aqui em Dabra, a cerca de 100 quilômetros da fronteira com o
Paquistão, os moradores dizem que não há khap panchayat, mas sim um conselho
eleito da aldeia onde a posição de liderança, conhecida como sarpanch, está
reservada para uma mulher, de acordo com as políticas de ação afirmativa
nacionais. No entanto, o ethos de dominação masculina prevalece. O sarpanch
atual é a mulher de um líder jat local, que a colocou no cargo para driblar a
restrição. Durante uma entrevista com o marido, a sarpanch oficial sentou-se em
silêncio na soleira da porta, com o rosto coberto por um lenço. "Não, não",
ela respondeu quando solicitada a comentar, enquanto apontava para o marido.
"Ele é o sarpanch. Qual é o ponto em falar comigo?"
O estupro em grupo da menina de 16 anos de idade aconteceu
em 9 de setembro mas se manteve em segredo na aldeia até o suicídio de seu pai.
Os dalits formaram uma comissão para exigir justiça, e cerca de 400 pessoas se
manifestaram em frente à sede da polícia do distrito, bem como no hospital onde
estava o corpo do pai dela.
"Dissemos a eles que se não pegassem os suspeitos, não
levaríamos o corpo", disse uma mulher chamada Maya Devi. “Nós não temos
terra. Não temos dinheiro. O que temos é honra. Se a sua honra se vai, você não
tem nada.”
Desde então, a polícia prendeu oito homens – sete deles jats
– que confessaram o ataque. Há discrepâncias; a vítima diz que foi sequestrada
fora da aldeia, enquanto os suspeitos dizem que a atacaram depois de
surpreendê-la num encontro amoroso com um homem casado.
"Ela foi estuprada contra sua vontade", disse B.
Satheesh Balan, superintendente distrital da polícia. "Não há
dúvida."
Segundo Balan, moradores disseram à polícia que outras
meninas locais também foram estupradas em grupo no mesmo abrigo de pedra,
embora não haja provas disponíveis. Muitas vezes, a família da menina prefere
esconder o estupro em vez de ser estigmatizada na aldeia. Mesmo os
simpatizantes da vítima adolescente duvidam que ela possa ser assimilada de
volta em Dabra.
“Vai ser difícil para ela”, disse Devi. “Agora ela está
marcada.”
Em entrevista na casa de seus avós fora da aldeia, a vítima
disse acreditar que outros suspeitos continuam soltos, colocando-a em risco.
(Policiais femininas estão vigiando a casa 24 horas por dia.)
A vítima vem pressionando ativamente a polícia e
participando dos protestos, apesar dos avisos dos homens que a atacaram.
"Eles me ameaçaram e disseram que matariam minha
família se eu contasse para alguém", disse ela.
Muitas meninas dalit abandonam a escola, mas a vítima estava
terminando o colegial. Mesmo depois do estupro, ela fez as provas de economia,
história e sânscrito. Mas ela não quer mais voltar para a escola da aldeia e
tem dúvidas sobre seu futuro.
“No início, eu tinha muitos sonhos", disse ela.
"Agora, não tenho certeza se serei capaz de realizá-los. Meu pai queria
que eu fosse médica. Agora, acho que não vou conseguir fazer isso.”
Fonte: uol
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