sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Tema polêmico de 'Salve Jorge' acontece cotidianamente no Brasil

 

A Secretaria de Justiça de São Paulo registrou 72 casos de tráfico de pessoas de janeiro a julho
João nasceu no Pará. É travesti desde os 12 anos. Agora, com 17, está em São Paulo e escreve uma mensagem desesperada pedindo socorro ao avô. Ele foi aliciado por um casal paulistano e se prostitui nas ruas da cidade para não ser espancado. 


Policiais da Divisão de Proteção à Pessoa do DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa) descobriram que, além do adolescente, o mesmo casal já trouxe, desde o ano passado, 50 travestis do Pará, Maranhão e Ceará para trabalhar na prostituição de São Paulo. Eles são investigados por tráfico de pessoas. A polícia libertou João e descobriu as outras vítimas em três imóveis na Zona Norte da capital.
O crime preocupa, mas ainda não pode ser mensurado no país com segurança. O tema é tratado na nova novela das 20h da Rede Globo, “Salve Jorge”, em que a atriz Cláudia Raia alicia meninas brasileiras para trabalhar no exterior como garçonetes, mas, na verdade, acabam caindo na rede de prostituição.
Segundo o secretário Nacional de Justiça, Paulo Abrão, o tráfico de pessoas no Brasil, nas formas internacional e interna e nas diversas modalidades, é um fenômeno ainda registrado de forma deficitária pelos órgãos de enfrentamento.
“Isso ocorre porque uma de suas características é a invisibilidade das vítimas e a negação de se autorreconhecerem como tais. Por isso, trabalhamos com foco em campanhas de conscientização e com a rede nacional de apoio”, explica.
Mesmo assim, a Secretaria Nacional de Justiça, do Ministério da Justiça, em parceria com o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, elaborou um diagnóstico preliminar sobre o tráfico de pessoas no Brasil. O levantamento revela a existência de 475 vítimas entre os anos de 2005 e 2011. Desse total, 337 sofreram exploração sexual e 135 foram submetidas a trabalho escravo.
O levantamento mostra ainda que a maioria das vítimas brasileiras desse fenômeno procura como destinos a Holanda, Suíça e Espanha. No Brasil, Pernambuco, Bahia e Mato Grosso do Sul registram mais casos desse tipo de crime. As autoridades investigam também o tráfico para adoção ilegal e para venda de órgãos.
 CPI do Tráfico de Pessoas identificou mais de 500 rotas no país e exterior
 O Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, da Secretaria Estadual de Justiça de São Paulo, registrou, de janeiro a julho de 2012, 14 casos de tráfico de pessoas no estado, com 72 vítimas. O crime para fins de exploração sexual teve quatro atendimentos, com  13 vítimas. Já nos dez casos envolvendo trabalho escravo foram encontradas 59 vítimas.
 
“Os traficantes de pessoas aproveitam-se da vulnerabilidade física, psíquica ou social da vítima para persuadi-la”, disse Juliana Armede, coordenadora do Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas da Secretaria Estadual de Justiça.
 Em 2011, a CPI do Tráfico de Pessoas identificou mais de 500 rotas nacionais e internacionais de tráfico de pessoas.  A delegada Nilze Scaputiello, titular da delegacia de Repressão ao Tráfico de Pessoas do DHPP, investiga o caso do travesti João e dos outros 50 jovens do Norte e Nordeste que estão se prostituindo em São Paulo. “Temos informações de que o casal suspeito indica até um médico para os travestis para cirurgias de implante de silicone e ele recebe o dinheiro adiantado.”
 
Entrevista  Erick Alberto _costureiro
Boliviano trabalhou em esquema de semiescravidão
 DIÁRIO_ Como você resolveu vir ao Brasil?
ERICK ALBERTO_ Na Bolívia a gente só ganha dinheiro para comer e sobreviver. Soube por uma amiga que em São Paulo precisavam de gente para trabalhar com costura, mesmo sem experiência, que era possível guardar dinheiro para melhorar a vida. Então, eu vim.
 
Você  tinha dinheiro para a passagem?
A oficina me pagou. Depois me descontou do salário. Comecei na dívida (ele trabalhou quatro meses para pagar os R$ 1,2 mil das passagens aéreas).
 
Onde você e sua família ficavam nesse período?
Era um quarto. A gente tinha apenas uma cama. Dormíamos eu, minha mulher e as duas filhas, de 4 e de 2 anos. A gente usava um banheiro que só tinha água fria. Nas paredes tinha muita umidade e a gente não conseguia fazer nada além de ir para o trabalho e voltar para o quarto. Todos os dias.
 
Você trabalhava em que período?
Começava a produzir as peças de roupas às 7h e seguia até as 22h. A gente recebia R$ 1 por peça. Tinha o aluguel do quarto e tudo. Não sobrava nada.
 
Qual a sua sensação sobre essa vida aqui em São Paulo?
Eu quero voltar para a Bolívia, mas com uma condição de comprar uma casa e viver com minha família. Quero minhas filhas tendo uma vida melhor do que a que eu tenho.
 
Quando vocês saíam para trabalhar, onde as crianças ficavam?
A mais velha ia para uma creche. A mais nova ficava no quarto o dia inteiro.
 
O que você pretende fazer agora que foi “libertado”?
Regularizar toda a minha situação. A Secretaria de Justiça está me auxiliando com isso. Depois, conseguir um emprego de forma legalizada. Quero minhas filhas cuidadas. Quero trabalhar em paz.

 

Fonte: http://diariosp.com.br

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