Segundo a professora e economista do IPEA, Ana Amélia
Camarano, a responsabilidade financeira familiar feminina veio para ficar no
Brasil. “42% da renda de todas as famílias brasileiras vem das mulheres. Não se
pode abrir mão disso. Imagine a renda diminuir 42% se as mulheres voltarem para
casa? É um caminho sem volta”.
Uma das novidades trazidas pelos dados do censo 2010 foi o
aumento do número de mulheres como chefes de família no Brasil. A pesquisadora
do IPEA, Ana Amélia Camarano, não sabe se isso é positivo ou negativo. Para
ela, trata-se de uma importante mudança da sociedade. E o que configura essa
mudança seria a maior independência econômica da mulher, sua maior participação
no mercado de trabalho, maior renda e maior escolaridade. “Por outro lado”,
continua a professora, na entrevista que concedeu por telefone à IHU On-Line,
“a independência econômica leva a um maior número de mulheres que moram
sozinhas, e por isso chefiam a família, e também a um maior índice de separação,
o que, consequentemente, as tornam chefes de família”. Segundo a análise de Ana
Amélia, é mais comum que as mulheres assumam esse papel na medida em que
envelhecem, porque ficam viúvas. “Como os homens morrem, em média, sete anos
antes que as mulheres, elas ficam viúvas e se tornam chefes de família. Elas
têm a renda da pensão por morte e podem complementar com outras fontes de
renda, formais ou informais”, explica.
Ana Amélia Camarano de Mello Moreira possui graduação em
Economia e mestrado em Demografia pela Universidade Federal de Minas Gerais, e
doutorado em Population Studies, pela London School of Economics. É professora
na Escola Nacional de Ciências Estatísticas e técnica em pesquisa e
planejamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA. Tem
experiência na área de Demografia, com ênfase em envelhecimento populacional.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Quais os pontos positivos e negativos do
crescimento das mulheres como chefes de família, dado apontado pelo último
censo?
Ana Amélia Camarano – Na verdade, não sei se isso é positivo
ou negativo. Esse é um fato, uma mudança da sociedade. O que configura essa
mudança é a maior independência econômica da mulher, sua maior participação no
mercado de trabalho, maior renda, maior escolaridade. Por outro lado, a
independência econômica leva a um maior número de mulheres que moram sozinhas,
e por isso chefiam a família, e também a um maior índice de separação, o que,
consequentemente, as tornam chefes de família.
IHU On-Line – Qual a influência da melhora na participação
das mulheres no mercado de trabalho e nos níveis de escolaridade e renda para
que elas crescessem como chefes de família? Que tipo de “mudança sociológica”
esse dado indica?
Ana Amélia Camarano – Ele indica uma maior participação da
mulher, indica um novo papel social da mulher. Essa mulher, que era
tradicionalmente a cuidadora (enquanto que o homem era o provedor), hoje é uma
provedora importante, mas continua mantendo seu papel e função de cuidadora.
IHU On-Line – E isso não acaba sobrecarregando a mulher
ainda mais?
Ana Amélia Camarano – Acredito que sim, porque a mulher
continua mais envolvida nas atividades domésticas, mesmo trabalhando fora. Por
isso se fala da dupla jornada de trabalho.
IHU On-Line – Qual a relação entre o envelhecimento e a
colocação das mulheres como chefes de família? É mais comum que elas assumam
esse papel na medida em que envelhecem?
Ana Amélia Camarano – Sim, porque elas ficam viúvas. Como os
homens morrem, em média, sete anos antes que as mulheres, elas ficam viúvas e
se tornam chefes de família. Elas têm a renda da pensão por morte e podem
complementar com outras fontes de renda, formais ou informais.
IHU On-Line – Em sua opinião, a responsabilidade financeira
familiar feminina veio para ficar ou é algo transitório?
Ana Amélia Camarano – Eu acho que ela veio para ficar. 42%
da renda de todas as famílias brasileiras vem das mulheres. Não se pode abrir mão
disso. Imagine a renda das famílias no país diminuir 42% se as mulheres
voltarem para casa? É um caminho sem volta.
IHU On-Line – O que isso representa em relação às
características da mulher contemporânea?
Ana Amélia Camarano – Ela é uma mulher mais independente,
inclusive sexualmente. Essa é outra revolução que foi feita e impacta os
arranjos familiares, que foram a separação da sexualidade da reprodução e a
separação da sexualidade do casamento. Isso permite que as mulheres tenham uma
vida mais independente que as do passado, tanto econômica como sexual e
socialmente.
IHU On-Line – Como essa “nova mulher” repercute na
configuração tradicional das famílias?
Ana Amélia Camarano – Temos a diminuição da família
tradicional, que é aquela formada por casal com filhos. Em 1980, essa família
era quase 70% do total de famílias brasileiras. Hoje é menos de 50%. O que
temos são novos arranjos: famílias chefiadas por mulheres sem marido, famílias
chefiadas por mulheres com marido, famílias chefiadas por homens sem mulher,
mulheres e homens morando sozinhos, etc.
IHU On-Line – A partir da nova configuração familiar que se
instaura segundo os dados do último censo, quais os desafios para a previdência
no Brasil, tendo em vista a dinâmica populacional?
Ana Amélia Camarano – Primeiramente, temos a questão do
envelhecimento, ou seja, mais pessoas recebendo benefício por um tempo maior.
Depois, temos a legislação previdenciária em relação à mulher, que ainda é
baseada nos contratos tradicionais de gênero, em que a mulher é a cuidadora e
dependente. Por isso ela recebe uma pensão de viuvez. Isso também acontece com
os homens, mas como é baixa a proporção de homens viúvos, elas recebem o valor
integral, quando viúva, do benefício do marido. Isso vai ter que mudar, porque
hoje a mulher trabalha. Ela terá a sua aposentadoria. A legislação brasileira
também permite que a mulher acumule os benefícios previdenciários dela com a
pensão por morte do marido, porque isso é ainda fruto da visão de que a mulher
era apenas cuidadora.
IHU On-Line – O que a senhora destaca em relação aos dados
do censo 2010 sobre a taxa de fecundidade da mulher brasileira e o que pode ser
dito sobre as projeções populacionais para os próximos anos?
Ana Amélia Camarano – A fecundidade está abaixo do nível de
reposição, aliás, bem abaixo. Isso vai acarretar que, em torno de 2030, a
população brasileira começará a diminuir e a força de trabalho começará também
a diminuir, o que causará um impacto importante caso não haja um grande aumento
de produtividade, até no crescimento do PIB
Fonte: Ihu
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