Em um momento em que o Peru trava
uma batalha contra o feminicídio, as declarações feitas pelo ultraconservador
cardeal Juan Luis Cipriani, insinuando que a mulher é vítima de abusos por sua
própria culpa, provocaram a ira das peruanas.
A reportagem é publicada por
Religión Digital, 03-08-2016. A tradução é de André Langer.
Conhecido por suas posições
políticas de direita e sendo a cara das campanhas antiaborto da Igreja católica
e contra a união civil entre pessoas do mesmo sexo, Cipriani disse em seu
programa de rádio Diálogos para a Fé que se há abusos deve-se “muitas vezes ao
fato de que a mulher se põe como em uma vitrine, provocando”.
“Em um país que ocupa o terceiro
lugar no ranking mundial de violações sexuais, uma declaração desta natureza
não merece apenas minha rejeição como mulher, mas também como ministra (...)
Aquela declaração inviabiliza e tira toda responsabilidade do agressor”,
respondeu a ministra da Mulher, Ana María Romero.
A segunda vice-presidente do novo
governo de Pedro Pablo Kuczynski, Mercedes Aráoz, o espetou: “Eu posso usar uma
minissaia e ninguém tem o direito de me tocar (...) Uma mulher pode dedicar-se
à prostituição e não querer ser violada, não pode ser violada. Ninguém tem o
direito de tocar a nossa dignidade e não somos nós, as mulheres, a provocar a
violência”.
Nas redes sociais, os comentários
de Cipriani provocaram a indignação no final de semana, com mulheres e homens
exigindo sua renúncia. Muitos veem os comentários como uma tentativa de
desacreditar a marcha contra a violência machista, convocada em todo o país
para o dia 13 de agosto e na qual anunciaram sua participação a vice-presidenta
Aráoz e a primeira dama, Nancy Lange.
Sob o lema #NiUnaMenos, a marcha
denunciará as agressões e assassinatos de mulheres por parte de seus cônjuges
ou ex-companheiros e contra a laxidão da Justiça peruana, que não pune com
firmeza os agressores em um país com uma forte cultura machista e conservadora.
“Cipriani (...) já fez
declarações do púlpito contra a marcha ‘Nem uma a menos’, dizendo que essas
campanhas que pretendem impor a ‘ideologia de gênero’ não são ‘humanas’”,
escreveu o psicanalista Jorge Bruce no jornal La República.
Mal-entendido
Após a polêmica suscitada,
Cipriani – o arcebispo de Lima e cabeça visível da Opus Dei na América Latina –
disse na segunda-feira que foi mal-interpretado.
“Realmente, estive chateado,
lendo interpretações que, utilizando uma frase completamente infeliz e
equivocada, pretendem criticar de uma maneira francamente baixa a
responsabilidade que tenho como pastor”, disse na segunda-feira à rádio RPP.
“Estou certo de que ele não quis
dizer o que se está interpretando”, disse também na segunda-feira Kuczynski,
embora tenha assegurado que seu governo trabalhará para combater a agressão
contra a mulher.
“A violência contra as mulheres,
os feminicídios, as violações de menores, os assassinatos de mulheres e outros
tipos de discriminações (...) são fenômenos que não devem existir em uma
sociedade moderna”, disse o presidente, para quem “a culpa é dos agressores”.
O Peru é um país de esmagadora
maioria católica (85%) e de grandes confrontos teológicos: aqui nasceu, há mais
de cinco décadas, a Teologia da Libertação. Para frear esse debate, João Paulo
II nomeou, em 1999, Cipriani como arcebispo, transformando-o no primeiro primaz
da Opus Dei no mundo.
Ao cardeal, de 73 anos, restam
apenas dois anos antes de apresentar sua renúncia ao cargo, conforme exige o
Código de Direito Canônico.
Integrante também da cúria
romana, na comissão que revisa a economia do Vaticano, Cipriani se ufana de
contar com o apoio do Papa Francisco.
Fonte: Ihu
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