‘O racismo deixa marcas na alma’.Júlia
Rocha, 33 anos, médica
Belo-horizontina e médica, Júlia
Rocha tem sido alvo de xingamentos e ofensas racistas em uma rede social. As
agressões começaram na última sexta-feira após ela publicar uma mensagem se
posicionando contra a postagem de um médico de São Paulo, que zombou de um
paciente que falava “peleumonia”. Grávida, Júlia diz que está arrasada.
“O crime de racismo deixa marcas
na alma de quem sofre”. Assim a médica e cantora Júlia Rocha, 33,
belo-horizontina, resume seus dias depois de ser vítima de preconceito na internet.
Grávida, ela emagreceu 2 kg nos últimos dias e diz que a família também está
sofrendo. Nessa terça-feira (2), Júlia recebeu o apoio da Sociedade Brasileira
de Medicina de Família e Comunidade, que publicou um texto em repúdio aos
ataques sofridos.
Os atritos começaram na última
sexta-feira, quando o médico Guilherme Capel Pasqua, de Serra Negra (SP),
publicou a foto de um receituário com a frase: “não existe peleumonia nem
raôxis”, após atender o mecânico José Mauro, 42, que tinha dificuldades para falar
o nome da doença e do exame. Dias depois, ele se desculpou publicamente com o
paciente.
Na rede social, onde é seguida
por cerca de 72 mil pessoas, Júlia publicou, sem citar o nome do colega, um
post no qual defende o modo de falar simples de alguns pacientes. Além de dizer
que “existe peleumonia”, ela completou: “Quem sabe o que tem é quem sente. E eu
quero ouvir ocê desse jeitinho. Por que, pra mim, foi dada a chance de conhecê
as letra e os livro. Pra você, só deram chance de dizê.”
Depois de muitos
compartilhamentos, o post recebeu comentários como “com vergonha da cor, essa
tribufu oxigena a juba para parecer menos negra” e “tem cara de bandida mesmo”.
Como você se sentiu após os
ataques racistas que recebeu depois do comentário sobre a “brincadeira” feita
pelo outro médico?
Depois do ataque racista, eu me
senti devastada. Emagreci, não consegui comer, tive insônia. Estou trabalhando
por honra da firma. Em dois dias, perdi 2 kg. Agora estou me recuperando e
tentando me desligar de tudo isso. Estou grávida. Preciso me cuidar. Meus pais
estão chocados e amedrontados. Me ligam de hora em hora para saber como estou.
Meu marido está tendo sintomas de ansiedade e palpitações.
Você está grávida há quantos
meses e como será criar um filho neste mundo?
Sobre a gestação, eu prefiro não
entrar em detalhes. Quero me preservar e preservar minha família. Meu papel é
ser médica e ser artista. Faço isso da melhor maneira que posso. Nunca tive a
intenção de me meter em confusão. O crime de racismo deixa marcas na alma de
quem sofre. Eu desejo um mundo melhor, e é por isso que luto para que coisas
desse tipo sejam punidas e fascistas, racistas, machistas se sintam com
vergonha de espalhar esse ódio por aí.
Seu post sobre “peleumonia”
defende que não existe um único português que possa ser chamado de correto.
Você considera fundamental que o médico se atente para a linguagem usada pelo
paciente?
É importantíssimo! Inclusive, na
faculdade, temos contato com alguns termos populares. Vez ou outra, ainda me
surpreendo. Outro dia, um paciente se referiu a “dor no grão”. Na hora,
perguntei a alguns colegas, que fizeram a tradução pra mim. Era dor testicular!
Você é médica há cinco anos e
especialista em medicina de família e comunidade há um ano e meio. O que
significa para você essa especialidade?
Para mim, ser médico de família e
comunidade significa servir. Todos os dias, chego em casa e estudo casos
complexos de alguns pacientes, converso com colegas, discuto com especialistas.
Temos um vínculo com nossos pacientes que nos traz responsabilidades imensas,
mas também uma grande satisfação em poder contribuir.
Qual a atuação do médico de
família e comunidade?
É o médico que deveria ser a
porta de entrada para qualquer sistema de saúde. Ele é capaz de resolver ou
manejar cerca de 85% dos problemas que chegam até ele. É habilitado para
atender desde pacientes recém-nascidos a idosos em fase final de vida. Homens,
mulheres, não importando o tipo de queixa que esse paciente traga para a
consulta.
Você pretende continuar atendendo
no Sistema Único de Saúde (SUS)?
Eu atendo exclusivamente no SUS.
Fazer parte da construção de um sistema público e universal de saúde, capaz de
atender todos os brasileiros, é um ideal de vida pra mim. Em momento algum
cogitei mudar isso. Pelo contrário. Essas coisas só me fazem ter mais força
para continuar lutando.
Você consegue eleger a interação
com um paciente que mais te emocionou?
Certa vez, durante uma viagem,
presenciei um acidente na estrada e fui uma das primeiras pessoas a chegar a
cena. Foi uma experiência muito intensa atender quatro vítimas com pouquíssimos
recursos até que o resgate chegasse. Tive a ajuda de enfermeiros que também
passaram pelo local.
É comum que as consultas médicas
sejam rápidas e que os profissionais não ouçam o paciente com atenção. Como
conciliar o tempo curto com o bom trabalho? Quantas horas você trabalha por
dia?
Não é usual. Pelo menos, não com
os médicos de família com os quais eu convivo. É claro que em um dia de muita
demanda, quando um paciente chega com uma queixa pontual e aguda, a gente
consegue atender, às vezes, até em menos de cinco minutos. Uma criança com dor
de garganta, um adulto com resfriado... Vamos adequando e gerindo nosso tempo
para atender sempre com qualidade e agilidade. O tempo para o médico de família
é um recurso precioso! Trabalho na clínica, 40 horas por semana.
Como consegue conciliar a
medicina e o samba?
A música é meu espaço de conexão
comigo e com os outros. A arte tem esse poder de trazer leveza e poesia. O
samba ameniza a dureza do dia a dia. É um presente poder cantar!
Você tem mais de 72 mil
seguidores no Facebook. É possível responder a todos?
Infelizmente eu não consigo
responder a todas as pessoas. É difícil acompanhar, porque minha rotina é muito
pesada, mas eu tento. Leio tudo que consigo e respondo alguns.
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misoginia
Saúde da família
Formação. Programa de Estratégia da Saúde da Família (ESF) é
composto por uma equipe multiprofissional que possui, no mínimo, um médico generalista
ou especialista em saúde da família ou médico de família e comunidade,
enfermeiro generalista ou especialista em saúde da família, auxiliar ou técnico
de enfermagem e agentes comunitários de saúde. A informação é da Secretaria de
Estado de Saúde.
Números. Minas Gerais tem 78,98% da população coberta pelas equipes
da ESF. Cada equipe deve ser responsável por, no máximo, 4.000 pessoas de uma
determinada área, conforme a SES.
Racismo
Crimes. Previsto na Lei
7.716/1989, o crime de racismo tem relação com ofensas que atingem à
coletividade. Já a injúria racial está prevista no Código Penal e tem relação
com a ofensa dirigida a apenas uma vítima.
Denúncia. A Polícia Civil
aconselha que a denúncia seja feita pessoalmente para o imediato início do
inquérito. Se o crime for cometido no meio digital, a denúncia deve ser feita
na delegacia de crimes cibernéticos. Nos outros casos, a denúncia pode ser
feita em qualquer delegacia ou pelo telefone 181. Não há diferença de pena para
crimes cibernéticos ou presenciais.
Fonte: O Tempo
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