Saramago já dizia: “É dessa massa
que nós somos feitos, metade de indiferença e metade de ruindade”.
É nunca cegar ou nunca permitir
que essa cegueira se instale e retire o que há de mais belo no mundo: o olhar
profundo entre duas pessoas sintetizando a essência do que é divino, pois
lembrando outra vez Saramago – “Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara” –
porque cabe a cada um de nós a responsabilidade de ter olhos quando os outros
os perderam e como disse certo poeta meu camarada, Tokinho Carvalho: “Em terra
de egos, quem vê o outro é rei”.
Por Erick Morais Do Conti Outra
Embora, seja dura a observação do
português, devemos considerar que, de fato, temos vivido de modo a fazer jus ao
pensamento dele. A cegueira, que nos dominou nesta quadra da história, nos
transformou em tiranos de nós mesmos, como se houvéssemos perdido a capacidade
de perceber o que nos circunda, o mundo, os outros, e, muitas vezes, até nossa
individualidade verdadeiramente.
Fomos dominados pela ditadura do
ego, a qual não permite a conjugação dos verbos no plural. Sendo assim, existe
apenas o eu, e, ainda, de forma superficial, uma vez que para que possamos
compreender as nossas tormentas é preciso perceber que no mar bravo existem
outros barcos além do nosso.
Não há, dessa forma, a percepção
da humanidade que nos forma, isto é, a nós e aos outros, de modo que o outro se
torna indigno da nossa visão, tornando-se invisível diante da nossa cegueira
egoísta.
Dessa maneira, não conseguimos
perceber/enxergar que, assim como nós, o outro também chora, sofre, sente a
dureza da vida, precisa de um afago, de alguém que o escute e se esforce para
compreendê-lo. Ou seja, que o outro também precisa de alguém que seja capaz de
desvestir-se do próprio ego para mostrar a sua nudez, a sua fraqueza e, por
conseguinte, demonstre que ainda há ouvidos dispostos a escutar e olhos
lacrimejados incessantes por mais lágrimas.
Ao adequar-nos a uma sociedade
sustentada no individualismo e no egoísmo, passamos a estar doentes, a nos
tornar estranhos perambulando em labirintos. Passamos a cegar e, acima de tudo,
passamos a tornar a vida um lugar ainda mais inóspito, um lugar mais duro, mais
seco, no qual não se brota amor, já que para que este nasça é imprescindível a
presença da divindade que só existe no pequeno espaço colocado entre duas almas
que procuram incessantemente a conexão através do toque das palavras.
Calamos as palavras na medida em
que escolhemos não enxergar o interlocutor. Palavras ditas para sombras só
conhecem o eco melodicamente fugaz de palavras não ditas. Tornamos a alma muda,
amedrontada e carente de ouvir, de ter atrito, de ter mais cores vindas de
outros potes.
Estamos perdidos em um sonho
ridículo. Perdidos em vidas vazias e solitárias. Perdidos dentro dos muros que
construímos. Perdidos em nossas depressões, em nossas frustrações, em nossas
ansiedades. Perdidos na solidão, embaixo do chuveiro enquanto a água cai
estilhaçando o nosso corpo. Enquanto procuramos nos livrar por meio das
lágrimas do imenso vazio egoísta que nos enfraquece. Enquanto procuramos nos
livrar das dores silenciosas e do martírio oculto da nossa ruindade.
A vida sempre será dolorosa e a
terra dura, mas não podemos viver escravizados por nossos egos, nos achando
sempre autossuficientes, sentados em cima do próprio umbigo. Viver é muito mais
do que isso, é poder ter a riqueza de construir pontes que ligam pessoas e
tecer palavras poéticas que comunicam almas. É ter fome de amar, de abraçar, de
ouvir. É reconhecer a fome no outro mesmo quando a barriga está cheia. É ir
além da massa de ruindade e egoísmo que ruge forte em nós.
É nunca cegar ou nunca permitir
que essa cegueira se instale e retire o que há de mais belo no mundo: o olhar
profundo entre duas pessoas sintetizando a essência do que é divino, pois
lembrando outra vez Saramago – “Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara” –
porque cabe a cada um de nós a responsabilidade de ter olhos quando os outros
os perderam e como disse certo poeta meu camarada, Tokinho Carvalho: “Em terra
de egos, quem vê o outro é rei”.
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