Michel e Marcela Temer buscam
filho na escola (Recorte de foto de Adriano Machado/Reuters)
Um pai deve compartilhar as
tarefas relativas à formação de seu filho ou sua filha. Isso é o básico, não é
favor. Afinal de contas, tarefas domésticas ou familiares não são incumbência
de determinado gênero, mas responsabilidade de pais e mães. Se você fica
orgulhoso por “ajudar sua mulher em casa'' e acha que merece um troféu de
Maridão do Ano, rapaz, acorde. Você está no século 21, não faz mais do que sua
obrigação.
Por Leonardo Sakamoto
Dito isso, quase fundi meu
cérebro tentando entender o que passou pela cabeça do presidente interino
Michel Temer ao convocar a imprensa para registrar o momento em que buscou, ao
lado de sua esposa, seu filho em uma escola de Brasília.
Na tentativa de melhorar sua
imagem junto à população, quis demonstrar que é uma pessoa igual a todas as
outras e apanhou o mancebo em seu primeiro dia de aula depois da mudança para a
capital.
Mas o circo montado soou tão
fake, forçado e artificial que me deu play num verso do “Canto de Ossanha'', de
Vinícius de Moraes e Baden Powell: “O homem que diz 'sou' não é''. Para quem
acompanhou a cobertura pela rede, ficou a impressão de que o tiro saiu pela
culatra.
Isso sem contar que foi um uso um
tanto quanto discutível de uma criança em uma tentativa de autopromoção. Mas
para quem colocou dois imóveis utilizados como escritório que valem mais de R$
2 milhões no nome do filho de sete anos, alegando o direito de antecipação de
herança, digamos que o circo foi o de menos.
Particularmente, como assessor de
comunicação, caso ele realmente quisesse insistir nesse erro, eu o aconselharia
a algo menos traumático para as outras crianças e famílias da escola que não
queriam aquele tipo de exposição, mas acabaram pagando o pato sem querer.
Aliás, pagar pelo pato dos outros é o que mais estamos fazendo ultimamente.
Por exemplo, não chamar os
colegas jornalistas e divulgar, horas depois, apenas uma foto tirada
discretamente pela sua assessoria. Talvez incluindo um comentário de Michel
sobre a importância de dividir as tarefas familiares em um país em que, segundo
a Organização Internacional do Trabalho, homens gastam 9,5 horas semanais com
afazeres domésticos, enquanto que as mulheres que trabalham dedicam 22 horas
semanais para o mesmo fim.
Com isso, apesar da jornada
semanal média das mulheres no mercado ser inferior a dos homens (36 contra 43,4
horas, em termos apenas da produção econômica), a jornada média semanal das
mulheres alcança 58 horas e ultrapassa em mais de cinco horas a dos homens –
52,9 horas – somando com a jornada doméstica. Ou 20 horas a mais por mês. Ou
dez dias por ano.
Isso sem falar que, quando um
casal trabalha fora terceiriza o serviço doméstico, normalmente, para outra
mulher, seja ela babá, faxineira ou cozinheira. E, diante da possibilidade de
pagar os direitos trabalhistas a quem faz o trabalho doméstico, parte da classe
média pira e diz que tudo isso é muito injusto.
No Brasil, brincar de casinha é
coisa de menina.
Enquanto isso, fazer política é
coisa de menino. Como o ministério de Michel, composto de homens, brancos,
héteros.
Mas uma nota assim, reafirmando
direitos trabalhistas, seria difícil surgir.
Porque traria à tona, além das
contradições sobre a falta de equidade de gênero na Esplanada dos Ministérios,
a defesa de algo que o governo já avisou que quer dilapidar – implodindo a CLT
e dificultando a aposentadoria de quem
está na ativa.
Espero que quando “nosso
presidente'' sancionar propostas, como a que amplia a terceirização e a que
sobrepõe o negociado ao legislado mesmo em caso de perda para o trabalhador, ou
a que estabelece uma idade mínima para se aposentar (que, na prática, pode
excluir da Previdência Social os trabalhadores braçais pobres que morrem cedo
neste país), também chame a imprensa para registrar o momento em que assinará a
regressão ao passado. Será uma imagem muito mais sincera, coerente e natural
que o circo armado na porta da escola.
Fonte: Blog do Sakamoto
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