Há muito tempo se faz menção de
que muitos casamentos são mantidos graças aos serviços prestados por meretrizes
e pelas atitudes amorosas das amantes que povoam desejos não realizados pelas
esposas. Em Minas Gerais na época colonial, a atuação das “mulheres de vida
fácil”, como se costumam rotular as profissionais do sexo, foi muito comum.
Mulheres brancas – tanto solteiras, quanto casadas – como negras e mulatas,
escravas ou forras, usavam da prostituição como fonte de renda para si, seu
maridos, suas mães e proprietários.
Em Vila Rica, atual cidade de
Ouro Preto, um dos assíduos frequentadores das casas de alcouce, nome pela qual
eram conhecidos os bordéis, era o alferes Joaquim José da Silva Xavier,
conhecido entre nós pelo apelido de Tiradentes. Nestes locais, após longas
bebedeiras e contatos amorosos, Tiradentes divulgava ideias de que se planejava
uma revolta contra o poder de Portugal na região de Minas Gerais. Os documentos
existentes sobre essa revolta permitem acreditar que as prostitutas da cidade
sabiam da existência da Inconfidência Mineira de 1789.
Infelizmente esses mesmos
documentos não permitem conjecturar que elas participaram diretamente do
levante, mas, apenas, que elas sabiam do que se tramava. É de um dos
denunciantes da Inconfidência, Basílio de Brito Malheiro do Lago, a frase
pejorativa e discriminatória que tratava as meretrizes na época e que se
referia à Inconfidência como um movimento inexpressivo: “só se for levante de
putas”.
Tiradentes: falastrão, corajoso,
imprudente, bode expiatório… herói… patrono da liberdade… Os olhares sobre ele
são muitos e tão variados quanto os olhares sobre a Inconfidência Mineira. Mas
um aspecto pouco comentado e relacionado ao seu apreço pelos prazeres da carne,
diz respeito ao caso que manteve com a jovem Antônia da Encarnação do Espírito
Santo.
Foi graças ao processo aberto por
Antônia da Encarnação, entre novembro de 1789 e meados de 1790, em Vila Rica,
que tomamos conhecimento de seu envolvimento com Tiradentes. Amante do
inconfidente, Antônia decidiu procurar a justiça para reivindicar, junto às
autoridades locais, a posse da escrava Maria e de seus dois filhos pequenos,
Jerônimo e Francisca, apreendidos pela Coroa portuguesa em 1789, juntamente com
os demais bens de Tiradentes. Para tanto, como informou Paulo da Costa e Silva,
em artigo publicado na Revista de História da Biblioteca Nacional (abril 2007),
“Antônia Maria alega que a escrava lhe havia sido doada pelo alferes, não
pertencendo mais a Tiradentes, e que, portanto, lhe deveria ser restituída”. As
delicadas relações entre eles são expostas no processo da seguinte maneira:
“Diz Antônia Maria do Espírito
Santo, menor órfã do falecido seu pai Antonio da Silva Pais, que estando na
companhia da viúva sua mãe Maria Josefa, vivendo com toda a honestidade e
recato, a principiou a aliciar o alferes Joaquim José da Silva Xavier, o qual
debaixo de palavra de honra e promessas esponsalícias lhe ofendeu a pudicícia,
de cuja ofensa resultou conceber e dar à luz um feto do mesmo alferes, que
passou ao extremoso excesso de arrancar a suplicante dos braços da dita sua
mãe.”
Para reaver sua escrava, Antônia
Maria joga com informações que levam a crer que ela foi vítima dos encantos e
das falsas promessas de Tiradentes, que a tirou dos braços de sua mãe, arrancando-lhe
a virgindade e concebendo nela uma filha, sem que cumprisse, contudo, a
promessa de casamento.
O alferes faltou com sua palavra
de honra ao acenar com promessas de casamento que não foram cumpridas. A jovem,
com idade entre 16 e 17 anos, quando engravidou, viu seu sonho de casar
desmoronado, principalmente quando Tiradentes, um homem com mais de 40 anos,
após regressar de viagem pelo interior de Minas Gerais, desgostou-se com o
comportamento de Antônia e rompeu a promessa do matrimônio, deixando para a
filha e a sogra uma casa na Rua da Ponte Seca, além da escrava Maria. Não se
sabe ao certo que tipo de comportamento teria irritado tanto o alferes a ponto
de abandonar a amásia e a filha. Entretanto, acredita-se que algum ato
libidinoso talvez tenha sido o responsável pela fúria do alferes com sua
amante. Fiquemos com a dúvida…
André Figueiredo Rodrigues é
professor do Departamento de História da Faculdade de Ciências e Letras da
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), campus de
Assis. Autor de “A fortuna dos inconfidentes: caminhos e descaminhos dos bens
de conjurados mineiros, 1760-1850” (São Paulo: Globo, 2010). Website: www.histoecultura.com.br.
Fonte: www.historiahoje.com
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