Grande parte dos 513 deputados
que hoje votaram pelo impeachment da presidenta Dilma Rousseff pareceram
esquecer os reais motivos que estavam em discussão. Deputados defenderam a
destituição de Rousseff pelas razões mais diversas: “pela esposa Paula”, “pela
filha que vai nascer e a sobrinha Helena”, “pelo neto Gabriel”, "pela tia
que me cuidou quando era criança", “pela minha família e meu Estado”, “por
Deus”, “pelos militares do 64”, “pelos evangélicos”, “pelo aniversário da minha
cidade”, “pela defesa do petróleo”, “pelos agricultores” e até “pelos
corretores de seguros do Brasil”.
A reportagem é de María Martín e
publicada por El País, 17-04-2016.
Atrás ficaram as pedaladas
fiscais e os créditos suplementares, verdadeiros motivos em julgamento,
completamente esquecidos pelos nobres deputados. Exaltados diante o microfone,
eles sugaram até o último segundo de glória que, para muitos, o plenário lhes oferecia
pela primeira e, quem sabe, última vez. Lembraram os parlamentares aos
telespectadores de Xuxa que aproveitavam sua participação ao vivo no programa
para cumprimentar eternamente a mãe, o marido, a amante, o primo, o enteado, o
vizinho, os amigos e o porteiro.
A defesa da família, da
propriedade, de Deus e da ordem em mãos dos militares mostraram a verdadeira
foto do Congresso mais conservador desde 1985 sugerindo, de passagem, que
ninguém leu o relatório com os fundamentos jurídicos que justificariam o crime
de responsabilidade para a queda de Dilma - ou, pelo menos, ninguém se esforçou
em demostrá-lo. Raro foi ouvir uma dedicatória à qualidade da educação, à
saúde, aos desempregados ou às minorias em favor do “sim”. Alguns, como Atila
Lins (PSD/AM), tinham anseios mais abstratos e votaram a favor para se
“reencontrar com a história” e outros, como Thiago Peixoto (PSD/GO) razões bem
mais pessoais ao defender o impeachment: “ Voto sim pela minha filha que vai
nascer, pela minha sobrinha Helena e por todos os corretores de seguros do
Brasil”.
Os votos, pelo visto, também
tiveram a intenção de impedir causas maiores. Deputados manifestaram sua defesa
do impeachment para evitar que “as crianças aprendam sexo nas escolas”, para
“acabar com a Central Única dos Trabalhadores e seus marginais”, "pelo fim
da vagabundização remunerada" e, sobre tudo, pelo fim da roubalheira e a
corrupção, esquecendo que cerca de 60% dos presentes no plenário, inclusive seu
presidente Eduardo Cunha, têm causas pendentes na Justiça.
Deus, onipresente numa votação
que nada tinha ver com ensinamentos bíblicos, foi apelado até para tomar o
comando uma vez que Dilma cair e as famílias dos parlamentares pareceram ter
sido mais motivadoras para derrubar a presidenta do que qualquer negociação a
contrarrelógio. Não estranha em um Congresso cheio de fundamentalistas
religiosos e que possui o maior percentual de deputados com familiares
políticos desde as eleições de 2002. O nepotismo na Câmara revela-se ao ver 49%
dos deputados federais com filhos pais, avôs, mães, esposas ou irmãos atuando
em política, segundo um estudo da Universidade de Brasília. É o maior índice
das quatro últimas eleições.
Após quase cinco horas de
votação, Deus e os netos dos deputados derrubaram a presidenta do Brasil.
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