A internet foi tomada pela polêmica em torno
de Mc Melody, menininha de 8 anos que trabalha cantando músicas adultas vestida
de forma sensual. É chocante perceber que cola essa tentativa de minimização
que atribui a indignação das pessoas exclusivamente a preconceito contra o
funk.
por Carlos Bezerra Jr. no Brasil
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É fato – e assustador – que muita
gente se dedicou mais a discutir esse ritmo musical do que a debater a proteção
à infância na nossa sociedade. Ignorar a necessidade de proteger as crianças é
o outro lado da moeda que produz a gritaria pedindo para jogar adolescentes em
penitenciárias.
Acerta o Ministério Público do
Trabalho ao focar de forma precisa a questão do trabalho infantil. Reproduzo as
palavras do Procurador do Trabalho Marco Antônio Ribeiro Tura, responsável pelo
inquérito: “Não importa se ela canta rock, funk ou ópera. O que estamos
investigando é o trabalho infantil”, explica ele.
Importante ressaltar que o mesmo
rigor foi utilizado no caso de meninas ricas que estamparam as páginas da
revista de Vogue RG, feita para público de elite. Há milhares de outros casos,
conhecidos e desconhecidos, que estão sendo tratados judicialmente e cujas
motivações precisamos compreender e enfrentar com seriedade.
Pedi uma CPI do Trabalho Infantil
na Assembleia Legislativa de São Paulo exatamente porque precisamos nos
organizar para o novo foco que esta questão adquiriu. Durante muito tempo,
acreditamos que combater a pobreza extrema seria o suficiente para eliminar a
chaga do trabalho infantil. Não é, o ser humano é bem mais complexo.
Segundo a Organização
Internacional do Trabalho, quase 40% das crianças que trabalham no Brasil são
de famílias que não estão abaixo da linha da pobreza. Renato Mendes,
coordenador do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil da OIT no Brasil,
explica que “antes o jovem trabalhava para complementar a renda básica da
família, hoje trabalha para ter acesso aos bens resultantes do desenvolvimento,
como um celular ou uma roupa de marca. Muitas vezes, o trabalho infantil e
juvenil está mais ligado à necessidade de inclusão social e menos à
sobrevivência”.
E aqui há um ponto que me intriga
bastante: estamos falando da inclusão social de quem aqui? O trabalho é
infantil, da criança, mas será que a inclusão social é da criança? A realização
social dos adultos de uma família por meio da criança pode ter adquirido uma
dimensão social maior do que gostamos de admitir.
Para conceder uma licença de
trabalho artístico, a Justiça analisa caso a caso as garantias de preservação
da integridade física, psíquica e moral da criança, bem como as limitações das
horas de trabalho, locais de apresentação, acompanhamento de desempenho escolar
e horas livres para estudos e brincadeiras. Nessas condições, reconheço, há
expressões artísticas na infância que podem ser parte do desenvolvimento. Só
que estamos falando de algo que ocorre fora dos limites de proteção e,
aparentemente, visto de forma permissiva por parte da sociedade.
Não acredito nas justificativas
do tipo “faz porque gosta”. Sou pai, tenho duas filhas adolescentes, vivo isso
no dia-a-dia. Há uma distância abissal entre as ideias que uma criança tem do
que é bom para ela e o que realmente contribui com o futuro dela. Ser pai não é
procurar o maior grau de condescendência com aquilo que não causa um mal
objetivo ou a curto prazo, é buscar o que faz bem.
Precisamos parar de encontrar
desculpas para fechar os olhos ao desrespeito sistemático com as crianças e
adolescentes na nossa sociedade. Criança não é propriedade de adulto, não é
brinquedo de adulto, é um ser humano em formação, cujos direitos precisam ser
garantidos. Se uma criança é tratada como bibelô, objeto ou caixa eletrônico, a
culpa é exclusivamente dos adultos. É o caso clássico em que quem cala
consente.
Fonte: Geledés
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