Amanda Bueno foi vítima não
apenas do feminicídio, mas de um País que não aceita suas raízes
(Reprodução/Facebook)
Mesmo após ter sido assassinada,
dançarina de funk foi condenada pela opinião pública por seguir a profissão que
escolheu.
Cícera Alves de Sena tornou-se
parte das estatísticas que comprovam a necessidade de existir uma lei como a do
Feminicídio: foi assassinada por seu companheiro ao ter a cabeça batida
diversas vezes no chão. Depois de morta, levou um tiro, tudo porque desconfiou
de uma ligação recebida pelo noivo em seu celular.
O feminicídio foi tido como
corriqueiro inclusive pela mídia, que ajudou a disseminar o estigma envolto no
tipo de trabalho exercido pela vítima. Cícera, mais conhecida como Amanda
Bueno, era uma dançarina de funk que participou do grupo Gaiola das Popozudas,
do qual fazia parte também Valesca Popozuda.
As manchetes traziam os dizeres:
“Dançarina de funk é morta pelo noivo”, ou “Dançarina de funk é assassinada”. A
humanidade de Cícera/Amanda foi-lhe retirada à força devido à sua profissão.
Apesar de parecer surpreendente aos ouvidos de alguns, ser dançarina é um
trabalho tão digno quanto qualquer outro. O problema é que Amanda dançava funk,
um estilo musical ainda visto com preconceito por parte da população
brasileira, principalmente por ser associado à cultura negra e periférica.
Temos aqui um combo: além de ser
mulher, ela subvertia os estereótipos de moralidade impostos. Dentro de uma
sociedades como a brasileira, isso significa que há justificativa para qualquer
tipo de violência contra ela, já que Amanda não fazia parte do seleto grupo das
“mulheres que se dão ao respeito”.
Reportagens publicadas sobre o
caso reduziram Amanda à sua profissão, como se o fato de ela já ter dançado
funk fosse relevante às motivações de seu assassinato. Isso deu margem para que
ocorresse uma onda de ódio propagada pelas redes sociais, culpando-a por ter ficado
com um homem violento ou dizendo que ela mereceu por ser “vulgar”.
Nesse caso, emergem o elitismo e
o eurocentrismo que permeiam a rejeição ao funk, ao rap e ao hip-hop
brasileiros, três estilos musicais tratados como subculturas, das quais fazem
parte os grupos mais marginalizados do país: negros/negras, pobres e travestis.
A origem dessa mentalidade se
encontra numa elite que lucra com o turismo vendendo a imagem do País do funk,
das bundas, das mulatas e do samba, enquanto impõem à população uma cultura
oposta, branca, eurocêntrica e colonizada. A nossa origem negra/indígena é
exaltada aos gringos como “exótica” ao mesmo tempo em que, para nós, ela é
suja, vulgar e de mau gosto.
Em resumo: o Brasil é
“modificado” para ser vendido para fora e recebe, em troca, toda a bagagem que
eles trazem consigo. Isso até lembra a nossa colonização: nos exploram,
humilham e desculturalizam. É dessa maneira que o funk se torna, além de
marginalizado, subordinado a um suposto “bom gosto” baseado em costumes
europeus.
Amanda Bueno, portanto, foi
vítima não apenas do feminicídio, mas também de um País que não aceita suas
raízes e, ao contrário, faz de tudo para apagá-las ou associá-las a valores morais
considerados negativos.
Ela era “só” uma dançarina de
funk, então estava “pedindo”. Ela era “só” uma dançarina de funk, então fez por
merecer. Ela era “só” uma dançarina de funk, então não era um ser humano digno
de direitos e de respeito.
Fonte: (Nathália Lausch)
CartaCapital
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