O estudante Alan Brum de Oliveira
revelou nesta terça-feira (13/01), durante sessão na CPI da Assembleia
Legislativa de São Paulo, que prostitutas são levadas para dentro do teatro da
Faculdade de Medicina da USP para fazer sexo com integrantes do Show Medicina.
Denunciou ainda que foi vítima de trotes violentos que resultaram na perda de
um dente, pontos no queixo, traumatismo craniano e um olho queimado. Outras duas
alunas da Faculdade de Medicina da instituição (FMUSP) falaram de estupros
sofridos em 2004 e 2011.
“Nada não está tão ruim que não
possa piorar”. É essa a impressão a cada novo depoimento na CPI aberta na
Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) para investigar violações de
direitos humanos no ensino superior estadual. Mais três depoimentos de
estudantes da USP e da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq)
foram colhidos pela comissão nesta quinta-feira (8) e sexta-feira (9) e um
pesquisador procurou explicar do que se tratam os trotes.
No caso da USP, duas alunas da
Faculdade de Medicina da instituição (FMUSP) – a mesma dos casos denunciados
que deflagraram a CPI na Alesp e uma investigação do Ministério Público –
falaram de estupros sofridos em 2004 e 2011, respectivamente, ambos em eventos
da Associação Atlética Acadêmica Oswaldo Cruz. Ambas sofrem com os traumas e
com a impunidade dos envolvidos até hoje.
A primeira estudante descreveu a
rotina que vivia na faculdade, excluída por não gostar das atividades da
Atlética. Chegou a entrar em depressão e tomava medicamentos por conta disso. A
partir do quarto ano na FMUSP, segundo ela, começou a “ficar com alguns
meninos, só por ficar, tanto que às vezes, nem me lembrava. Isso me
envergonhava, mas a coisa foi se tornado natural”. Já morava em uma república
de estudantes nesta época.
O abuso sexual aconteceu em duas
ocasiões, com o mesmo rapaz. Em uma situação, ele tentou força-la a fazer sexo
oral; na segunda, ele sugeriu que ela fizesse com ele e o namorado de uma
amiga. A aluna se recusou, o rapaz foi embora, mas no dia seguinte ela acordou
nua e com uma camisinha presa no ânus. “Não fiz boletim de ocorrência, porque
achava que só ia me expor. Senti muita humilhação”, disse, em declarações
reproduzidas pela Alesp.
A vítima guardou segredo até
2013, quando contou o que viveu ao marido, já que “acordava chorando”. Agora,
resolveu denunciar o fato à CPI. “Soube que o que aconteceu não foi só comigo.
É verdadeiro”, afirmou. “Fico impressionada ao ouvir os relatos, as histórias
se repetem”, comentou em seguida a outra vítima, esta abusada sexualmente na
FMUSP em 2011.
Ela viveu duas situações de
estupro. Uma quando um diretor da Atlética – conhecido por assediar calouras –
tentou abaixar as calças dela. Acabou sendo caluniada pelo mesmo homem dentro
da universidade. De acordo com ela, essas situações “misóginas, machistas e
perversas são recorrentes”, com veteranos chamando calouras de putas e agindo
como se fossem “donos” das estudantes.
Essa mesma vítima ainda sofreu
uma segunda violência sexual em 2011 na festa dos Carecas, no Bosque da Cidade
Universitária. Depois de tomar duas tequilas, acordou no hospital, junto com os
diretores da Atlética. Havia a suspeita de estupro e ela foi medicada com
retrovirais. O abuso foi confirmado pouco depois pelos próprios diretores, e
teria sido praticado por um funcionário da USP. Eles se negaram a ajudá-la a
denunciar. Acabou conhecida nos corredores como “a estudante que transou com um
segurança”.
Como outras estudantes da FMUSP,
ela criticou a omissão da instituição. Apesar de existir pelo menos oito casos
nas mãos do Ministério Público e pelo menos outros três denunciados, a
Congregação da faculdade só reconhece três casos, os quais estariam sendo
apurados ainda. A vítima diz “não ter medo algum”, graças ao apoio que recebeu.
“Tenho uma rede de apoio institucional. Sozinha não teria conseguido”.
Estupro coletivo contra aluna da Esalq em 2002
Acompanhada pelos pais, uma
estudante da Esalq que foi vítima de oito colegas na república Senzala, em
Piracicaba, interior de São Paulo, compareceu à CPI para revelar a sua triste
história. A vítima relembrou a dificuldade em se enturmar, não fosse envolvendo
trotes, festas e álcool. Em outubro de 2002, foi até a república, convidada
para um grupo de estudos. Era a única mulher em meio a oito rapazes de outras
repúblicas.
De acordo com ela, havia muita
cerveja no local. “Depois de um determinado momento, apaguei”. Acordei toda
molhada, a porta estava aberta… saí, já era madrugada, fui andando para a
república onde morava”, relembrou. Ela se ausentou no dia seguinte para ir a um
velório e, quando voltou a Piracicaba, começou o inferno pessoal.
“Falavam que eu havia transado
com oito meninos. As meninas com quem eu morava fizeram uma reunião e pediram
para eu sair da casa, sob a alegação de que me chamavam de vagabunda. Na Esalq,
comentava-se o caso, inclusive os professores. As pessoas olhavam, davam
risadinhas. Um e-mail passou a circular, contando detalhes”, disse a vítima.
Chegou a frequentar um psicólogo indicado pela direção, mas o que lá era dito
acabava vazando.
Os pais dela não têm dúvidas de
que a filha foi dopada com alguma droga. Um manuscrito com os apelidos dos
supostos agressores foi entregue ao presidente da CPI, deputado Adriano Diogo
(PT). A foto de dois deles foi mostrada para a estudante, que reconheceu ambos
como participantes do estupro coletivo.
Quanto maior a aceitação ao trote, maior o preconceito
Na Esalq, a vítima descreveu
ainda alguns trotes que lá ocorrem, como o ritual em que o aluno se apresenta
ajoelhado a um veterano e é humilhado, atribuindo nomes pejorativos a si mesmo.
Em outro, os meninos precisam fazer flexões nus, com o nariz no ânus do colega
da frente, enquanto têm de tomar o “reforço”, uma mistura de vômito e comida
estragada. Eles ainda são abandonados, nus e bêbados, em um canavial. A
‘tortura’ só termina no dia 13 de maio, quando se comemora a libertação dos
escravos.
Para o pesquisador e sociólogo
Antonio Ribeiro Almeida Jr., docente da Esalq e que destrincha o tema trote
universitário desde 2002, os abusos foram deturpados por alguns veteranos das
universidades paulistas, que, a pretexto de aplicar trotes, impõem
superioridade com sadismo e malevolência. Ainda segundo o sociólogo, há dois
tipos de instituições no Estado: aquelas em que o trote acontece de maneira
eventual, com provocações, ferimentos e humilhações; e aquelas em que o trote
torna-se recorrente e violento, virando tradição.
Almeida Jr. explicou ainda que,
em instituições trotistas, para se tornar parte do círculo universitário, as
pessoas têm de ser testadas, humilhadas e violentadas e mesmo assim permanecer
em silêncio. “Os que aceitam as práticas trotistas são os mais preconceituosos;
essa correlação é bastante forte”, comentou. Ele ainda relembrou o suicídio de
um aluno, em 1997, que não aguentou o sofrimento ocasionado pelos trotes.
“O trote leve funciona como uma
cortina de fumaça para os mais violentos”, explicou.
Na próxima semana, os deputados
esperam ouvir mais depoimentos a respeito de abusos na FMUSP, nas faculdades de
Veterinária da USP, na de Medicina da PUC de Sorocaba, e na Faculdade de
Medicina de São José do Rio Preto (Famerp). A CPI tem prazo até março para
concluir os seus trabalhos e, até lá, deve convocar diretores de instituições
citadas para prestarem esclarecimentos.
Fonte: Geledes
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