Uma pessoa escolhe se prostituir? A prostituição é uma opção
livre? A resposta a esta pergunta é passível de opiniões diversas e até mesmo
condenações podem nascer a partir dela. A prostituição atravessa a história
sendo uma realidade controversa em todos os campos.
Em tempos de Copa de Mundo e com os olhos abertos para o
turismo e a exploração sexual, a Pastoral da Mulher Marginalizada (PMM)
Nacional se manifestou publicamente por ocasião do Dia da Prostituta, 02 de
junho. A data foi estabelecida após uma manifestação em Lyon, na França, em
1975.
"150 prostitutas francesas ocuparam a igreja de
Saint-Nizier, em Lyon. Elas protestavam contra as multas e detenções que
sofriam e pelas mortes de colegas que não eram investigadas. Esse gesto foi uma
‘guerra contra o rufianismo’ atividade de quem tira proveito da prostituição
alheia. Obtiveram apoio da população e foram reprimidas fortemente pela
polícia, mas entraram para a história”, recorda Sueli Aparecida da Silva,
socióloga e coordenadora Nacional da PMM.
"Nós queremos chamar atenção para este dia, não como um
dia de celebração, de glamorização da prostituição, de confirmação da profissão
de prostituta. Compreendemos que a prostituição é mais uma forma cruel de
violência contra a mulher”, continua Sueli.
A partir da experiência cotidiana com mulheres em situação
de prostituição, a PMM afirma que a grande maioria delas não o faz por opção.
"A prostituição foi, de alguma forma, a única saída para um problema do
momento. Envolve muitos fatores psicossociais e não pode ser considerada uma
escolha livre”, diz a socióloga. Sueli afirma ainda que uma vez tendo
conseguido deixar a prostituição, as mulheres fazem de tudo para não voltar a
esse espaço.
Até que ponto a prostituição deve ser uma profissão
regularizada é outra discussão na qual a PMM está inserida. O Projeto de Lei Nº
4.211, de 2012, de autoria do deputado federal Jean Wyllys, busca a
regulamentação da prostituição, mas este não é o primeiro, outros já estiveram
em tramitação, segundo a Pastoral.
"Sempre defendemos que a profissionalização não traz
benefícios para a grande maioria das mulheres. Não é um trabalho como outro
qualquer. A prostituição é resultado de um fenômeno social maior, não podendo
ser caracterizada como um trabalho que dá dignidade ao ser humano”, assinala
Sueli.
No Brasil, a prostituição não é crime, mas a indústria do
sexo sim, ou seja, as casas de exploração não regulamentadas. "Ter um
salário e a carteira assinada não garante que a mulher seja livre. Poderá ela
ser obrigada a ser uma escrava sexual, tendo que cumprir com uma carga horária
exaustiva ou ter um número de programas que vai além da condição física dela”,
explica a socióloga.
Outras dificuldades foram apontadas, como a contratação da
mulher, depois que ela resolver deixar a prostituição, o moralismo social e o
desrespeito. "A maioria das mulheres evita que suas famílias e seus amigos
saibam como estão vivendo”, continua a coordenadora da Pastoral, que trabalha
em três frentes principais: com as mulheres que situação de prostituição; com o
enfrentamento ao abuso e a exploração sexual ou comercial de crianças e
adolescentes; e contra o tráfico de mulheres, crianças e adolescentes para fins
de exploração sexual.
Assim, a chamada profissionalização da prostituição não
iguala socialmente o papel das pessoas que estão se prostituindo ao dos
trabalhadores de outras áreas. Sueli destaca que "usar da sexualidade para
angariar recursos é uma forma de ferir a conduta de bons comportamentos sociais
e isso põe as mulheres em condições exclusas socialmente. Na prostituição, a
mulher não tem direito de ser pessoa, ela é sempre vista como a "puta”, a
"prostituta”, a "sem vergonha”, a de "vida fácil” ou,
religiosamente falando, "a pecadora”, mas nunca como mulher”.
Direto com elas
A PMM atua diretamente com as mulheres que estão em situação
de prostituição, realiza contatos semanais, visitas em praças, ruas, boates,
hotéis e outros lugares em que elas se encontram. Promove ainda a acolhida nas
sedes das equipes base da PMM. A orientação e encaminhamento das mulheres para
a profissionalização por meio de capacitação pessoal e profissional tendo como
base a economia solidária e geração de renda também é uma frente de atuação da
Pastoral. Indiretamente, a Pastoral trabalha a sensibilização social sobre a realidade
da mulher na prostituição, no enfrentamento ao tráfico de pessoas para fins de
exploração sexual e contra ao abuso e exploração de crianças e adolescentes.
Depoimentos
"Fui violentada por meu tio para ter o que comer. Eu
morava na casa dele, quando minha tia saía, ele me obrigava a fazer sexo com
ele. Eu tinha nove anos. Depois vim pra rua. Tinha 16 anos, um cliente me levou
para casa dele, chamou seis homens e disse que podiam fazer o que eles
quisessem, porque eu era p... mesmo. Eles fizeram tudo comigo. Eu estava
grávida e perdi o bebê, até hoje dói muito lembrar.” (Raquel, 29 anos)
"Fui parar na Luz e, naquele tempo, tinha um plano de
higienização. Os policiais me levaram várias vezes para o xadrez, com acusação
de "vadiagem”. Lá, colocavam a gente para varrer, limpar. De vez em
quando, um policial engraçadinho abusava da gente, às vezes, soltava a gente
depois disso. Mas ele sempre chegava dizendo que era p... mesmo. Um dia, um
policial me violentou com um cassetete. Quase morri de dor.” (Celiane,
ex-prostituta)
"Eu morei num bordel em que a dona era muito ruim. Ela
só queria o dinheiro da gente. Não podíamos parar com os programas nem quando
estávamos menstruadas. Quando eu estava menstruada, ela me dava um rolo de
algodão. Tinha uma menina que morava nessa casa e ela bebia muito. Quando
estava bêbada, a cafetina colocava dois clientes no quarto com ela. Recebia o
dinheiro e não dava nada para a menina.” (Cris, 26 anos)
"Eu nunca me apresentei como prostituta. Fiquei seis
anos na Luz. Minha família nunca soube, pode ser que desconfiava, mas se me
perguntarem, vou negar até a morte. Nunca sofri violência. Estar na
prostituição já é violência. Entregar a intimidade por dinheiro é muito
violento. Nunca vesti roupa curta, ia trabalhar com camiseta e calça jeans. Mas
todo mundo associa a prostituição com a falta de vergonha e caráter.” (Carina,
37 anos)
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