Tem como educar SIM sem violência. É mais complexo, eu sei e
como sei. É necessário uma dose gigante de tolerância, aprender a ir contra
tudo que aprendemos desde a infância e conversar, conversar, conversar até
perder a fala. Porque a criança se tornará um adulto pleno, que aprendeu pelo
amor e não pela dor. E buscará dar continuidade a isso.
Texto de Adriana Torres Ferreira.
Vez ou outra me deparo com alguém bradando contra o Projeto
de Lei 7.672/2010, mais conhecido como Lei da Palmada ou Lei Menino Bernardo,
que foi aprovado na última semana pelo Senado Federal.
Apesar do nome, o texto do projeto não fala em palmada, nem
em tapinha. Ele diz que as crianças e adolescentes têm o direito de serem
educados sem castigo físico que provoque dor ou lesão, nem tratamento cruel ou
degradante, que ocorre quando alguém ameaça ou humilha o filho.
Usualmente, o argumento é sempre o mesmo: eu apanhei quando
criança e sou uma “pessoa de bem”, apanhei porque foi merecido mesmo. E que se
hoje o país está assim é por falta de palmadas. É tanta ingenuidade nessa
afirmação que me sinto na obrigação de falar a respeito.
Veja bem, até pouco tempo atrás eu concordaria com essas
pessoas, SE e somente SE não estivesse hoje envolvida até o último fio de
cabelo com indicadores sociais e direitos humanos. Justamente por estudar tanto
estatísticas, exemplos de outros países, e números da violência no Brasil é que
sei o quanto isso não somente é um pensamento errado, mas extremamente
perigoso.
Eu apanhei quando criança. Não foram muitas vezes, mas teve
uma que nunca esqueci. Esqueci o motivo (e aí já vejo que não serviu para
corrigir, porque nem lembro o que fiz de errado) mas, lembro que minha mãe
estava muito brava e pegou o cinto que ela guardava no armário para essas horas
e deu várias cintadas no meu corpo. Lembro de ter segurado as lágrimas,
levantado o nariz e dito várias vezes: “não está doendo”. Como uma forma de
resguardar o que restava do meu amor próprio e ela, ficando cada vez mais
nervosa com meu atrevimento, perdia a força de tanto que a raiva crescia. Mais
do que tudo, foi muito humilhante. A sensação de impotência é algo monstruoso e
gera enormes problemas nas crianças que são assim humilhadas pelos pais.
As pessoas sabem o quanto amei e amo minha mãe. Minha diva.
Minha ídola. Mas ela errou, sabe? E todo mundo erra, faz parte. Não estou
negando meu amor por ela ao admitir que ela errou. E ninguém precisa deixar de
amar ou admirar seu pai ou sua mãe por isso, porque eles foram criados assim,
aprenderam que era assim o certo. Eu a entendo, eu a amo, mas eu sei que ela
errou. Ponto.
Infelizmente as pessoas se agarram a “tradições” e também ao
próprio umbigo, sem refletir sobre o que pensam, fazem… eu continuarei domando
minha tigresa interna e, a cada revolução própria, compartilharei meus
pensamentos e aprendizados com os outros, porque também acho que isso é muito
amor.
O objetivo dessa lei é dar mais clareza ao Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA), que apesar de condenar maus tratos, não
especificava se os mesmos seriam físicos e/ou morais. Isso quer dizer que, se
um dia você tiver um filho, poderá sim dar suas palmadinhas de leve nele (em
que pese eu ser completamente contrária a qualquer nível de violência, até
palmadinha), mas não deixá-lo com olho roxo, hematomas, etc. O objetivo dessa
lei é, também, conscientizar pais que existem formas mais modernas de se educar
uma criança — e que já saímos da idade das pedras faz tempo, quando isso era
aceitável (educar pela violência).
Importante destacar que nenhum pai ou mãe será preso por
conta dessa lei, pois o objetivo também é educar. Ou seja, os pais serão
encaminhados para programas de proteção à família ou tratamentos necessários.
Claro, se houver dano físico/moral em certa dimensão tem ai o Código Penal que
irá sim criminalizar o agressor/agressora.
Um outro destaque importante é que isso é uma grande
evolução da mentalidade brasileira, já que em outros trinta países no mundo
existem leis semelhantes ou até mais severas, entre eles a Suécia que, por
acaso, foi o primeiro país no mundo a aprovar uma lei dessas, nos anos 70.
Aliás, é interessante ver que, usualmente, onde temos uma
criação com apego e sem o uso da coerção física, é também onde se tem níveis
mais baixos de violência de uma maneira geral.
É só dar uma olhadinha no Mapa da Violência no Brasil e
compará-lo com os indicadores dos países que já tem essa lei há mais tempo.
Claro que esse não é o único motivo, o Brasil tem diversos problemas, mas não
se engane, a violência nasce da violência e não do amor, do cuidado, do
carinho.
Pais e mães brasileiros, em sua maioria, não abrem mão das
palmadas, das surras e é assim que formamos cidadãos violentos que matam
pessoas por conta de uma briga no trânsito ou no bar, policiais que usam de
força para calar os que estão protestando e por aí vai… Quem é criado a base de
violência se torna violento, com raras exceções. E quando falo violência também
me refiro a violência verbal, pois quem percebe que não tem força física para
bater utiliza da violência verbal ou algo semelhante. Quem é criado com amor,
com apego, com cuidado, refletirá isso. É lei de ação e reação.
Tem como educar SIM sem violência. É mais complexo, eu sei e
como sei. É necessário uma dose gigante de tolerância, aprender a ir contra
tudo que aprendemos desde a infância e conversar, conversar, conversar até
perder a fala. Porque a criança se tornará um adulto pleno, que aprendeu pelo
amor e não pela dor. E buscará dar continuidade a isso.
Repito sempre: Eu quero um mundo sem violência. Você não?
Autora
Adriana Torres é uma mineira nada tímida, feminista, bisca,
ativista dos direitos humanos e não humanos. Trabalha (voluntaria e
profissionalmente) com a comunicação e articulação do terceiro setor. É tutora
de cinco cães, duas gatas e ainda mãe tardia aprendiz de um filhote humano.
Adora reunir as amigas para festejar a vida e, ao mesmo tempo, se esconder de
vez em quando em seu mundinho rouge. Você pode acompanhá-la pelo Twitter
(@Adriana_Torres) ou quando seu blog voltar da UTI onde está desde que o
filhote nasceu.
Fonte: Blogueiras feministas
2 comentários:
Sim resolvem pq diz a bíblia o q retem a vara odeia seu filho
Sim resolvem pq diz a bíblia o q retem a vara odeia seu filho
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