A Operação Delivery identificou uma rede de prostituição e exploração de menores na capital do Acre.
Em entrevista, uma jovem revela parte do submundo da prostituição em Rio Branco envolvendo pessoas influentes, garotas pobres e também das classes média e alta.
O juiz Romário Divino, titular 2ª Vara da Infância e
Juventude de Rio Branco (AC), que cuida dos crimes cometidos por maiores contra
menores de idade, dentre os quais os crimes sexuais, dará início na próxima
semana às audiências de instrução da ação penal penal decorrente da Operação
Delivery, que identificou uma rede de prostituição e exploração de menores na
capital do Acre.
Serão ouvidos os que foram denunciados pelo Ministério
Público do Estado (MPE) do Acre, tanto do grupo de aliciadores quanto de
clientes. Também serão ouvidas testemunhas arroladas pela acusação e defesa.
Entre os clientes estão pessoas influentes do Acre, como empresários,
fazendeiros, comerciantes, políticos, integrantes do governo estadual,
incluindo pais e filhos.
A denúncia do MPE, formalizada em dezembro, é assinada pelos
promotores de Justiça Mariano Jeorge de Sousa Melo, Danilo Lovisaro do
Nascimento e Marcela Cristina Ozório, além de membros do Grupo de Atuação
Especial contra o Crime Organizado, que requisitaram a investigação inicial e
acompanharam todas as fases do trabalho policial.
A rede de prostituição, além de contar com sete aliciadores
identificados e denunciados, tinha como integrantes, na condição de garotas de
programas, pelo menos 25 adolescentes menores de 18 anos e 104 mulheres maiores
de idade.
Foram identificados pela Operação Delivery 104 clientes,
sendo que 22 pessoas foram denunciadas pelo MPE à Justiça. O MPE não descarta
que o número possa ser ainda maior do que efetivamente foi apurado durante as
investigações policiais.
Também estão envolvidas no processo pessoas que possuem
"foro de prerrogativa de função", contra quem o MPE fez o devido
encaminhamento para a apuração dos fatos noticiados junto aos órgãos com
atribuição para a investigação. Os nomes não foram revelados oficialmente e a
ação penal contra todos os envolvidos tramita em segredo de justiça.
Os usuários da rede de prostituição denunciados pelo MPE são
aqueles que o inquérito policial reuniu provas suficientes, pois contratavam
garotas para a realização de programas sexuais, sendo estas menores de 18 anos
e maiores de 14 anos.
De acordo com o MPE, os usuários, tendo conhecimento ou pelo
menos razões para saber que as menores estavam sendo submetidas, induzidas ou
atraídas à prostituição ou à exploração sexual, mesmo assim, mantiveram com
elas "conjunção carnal ou praticaram outros atos libidinosos, fato este
que constitui crime".
Dada a amplitude da rede de prostituição e exploração
sexual, com envolvimento de adolescentes, o MPE afirma que as consequências das
condutas dos denunciados agenciadores e usuários com as menores "foram
extremamente nefastas para a sociedade, levando diversas jovens a ingressar na
prostituição, corrompendo-as moralmente e expondo a saúde das vítimas a graves
riscos".
Por causa da Operação Delivery, o ruralista Assuero Doca
Veronez foi preso no ano passado e atualmente é foragido da Justiça. Ele era o
vice-presidente da Confederação Nacional de Agricultura, mas ainda é o
presidente da Federação de Agricultura do Acre.
Outro fazendeiro, Adálio Cordeiro, 80, que recebeu um das
maiores comendas do governo do Estado em janeiro passado, também foi preso,
depois ficou foragido, mas na semana passada foi recapturado pela Polícia
Federal em Ji-Paraná (RO).
O Blog da Amazônia entrevistou com exclusividade a
"Garota Delivery", uma universitária de 22 anos, noiva. A jovem
revela parte do submundo da prostituição em Rio Branco envolvendo pessoas
influentes, garotas pobres e também das classes média e alta.
Como foi a sua infância?
Foi difícil, mas nunca passei fome. Meu pai é arquiteto,
ganhava muito dinheiro, mas sempre gostou muito de cheirar cocaína e jogar
baralho. Com isso, começou a acabar o que tínhamos. Minha mãe fez concurso, se
tornou professora e começou a se reerguer de novo. Ele conseguiu fazer uma loja
e me pai, aos trancos e barrancos, conseguiu se tornar fazendeiro. Hoje ele
vive super bem também. Eu tinha de tudo: carro, faculdade paga, as melhores
roupas, frequentava as melhores boates até os 18 ou 19 anos. Eu tinha vida de
princesa mesmo. Briguei com meu pai por causa da separação de minha mãe. Ele a
prejudicou muito. Ela era dona de duas lojas no Acre. Meu pai começou a namorar
com a gerente de uma das lojas e conseguiu a falência do estabelecimento.
Gastava, curtia, se drogava. Grávida, minha mãe entrou em depressão profunda.
Fiquei muito chateada, discutíamos muito, e chegou ao ponto em que ele veio me
bater e eu bati nele, que parou de me dar dinheiro para pagar a faculdade.
E quando começou a fazer programas?
Conhecia muitas amigas que faziam programa e uma delas me
apresentou ao Nei [Franciney de Oliveira Contreira], aquele cafetão que foi
preso na operação Delivery. No mesmo dia, quando fui apresentada e entrei no
carro dele, já fui levada para um cliente. Foi horrível porque não havia
intimidade nenhuma. Estava acostumada a transar por amor, por atração física,
mas fiquei com um cara que parecia meu pai. Fiquei porque estava precisando de
dinheiro. Passei três horas com esse cara, que ficou tentando trabalhar a minha
cabeça, pois eu havia desistido e pedido para ele me levar para casa. Ele pagou
R$ 150.
Você ficou com os R$ 150 todo?
Todo. O cara deu R$ 50 pro cafetão. Fui pra casa me sentindo
um lixo, pois estava acostumada com mais dinheiro. Falei com o cafetão. Ele
disse: "É isso o que pagam, bicha. Não tem ninguém que pague mais que
isso". No mesmo dia o cafetão me apresentou a outro homem, que pagou R$
100 pelo programa e disse que já havia dado R$ 100 pro Nei. Naquele dia fiquei
muito puta e pensei: "Caralho, já comecei sendo enrolada". No dia
seguinte, passei o dia inteiro andando com o cafetão e foi quando conheci o fazendeiro
Adálio Cordeiro e outros velhinhos da cidade. Mas eu já era maior de idade.
Quando cheguei na casa, o Adálio pediu minha identidade porque, segundo ele, eu
tinha cara de menina nova demais. A casa dele tinha segurança de primeiro
mundo.
Ele pagava a sua faculdade?
Quando precisava ele pagava. Pagou duas vezes para mim. Mas
ele não estava me explorando, pois ele não transava comigo nem com nenhuma de
minhas amigas.
Então você nunca viu a prótese. O que ele fazia então?
Juro. Nem sei se ele usa prótese peniana. Ele gostava de
ficar passando a mão no corpo da gente, de ver as meninas tomando banho na
piscina. Ele gostava de ver a casa cheia de mulheres. Ele é um velho muito
sozinho. Ele mora só, entendeu? Para ele aquilo era legal. Era tanta falsidade.
Pense. Puta é bicha falsa demais. Mas ele se achava amado. Eu via ele como um
vovô. Ele é super carinhoso, super educado, não explora e não bate em ninguém.
Para mim, ele é um dos caras que estão presos pegando "bucha". Na
primeira vez que estive na casa dele, junto com duas amigas, ninguém transou. O
máximo que ele fez foi passar as mãos nos seios. Eram todas maiores de idade.
Ele deu R$ 100 pro cafetão e mais R$ 100 pra cada uma de nós. Na casa dele
tinha churrasco, bebida, podia fumar, fazer o que quisesse. Ele queria amizade,
entendeu? Outra vez estive lá com o cafetão Jardel [de lima Nogueira], outro
preso pela operação Delivery. Fui porque o Jardel não tinha carro e me pediu
para dar carona para ele e umas amigas dele. Uma delas era menor de idade. Quando
cheguei lá, o Adálio me chamou. Aliás, ele só me chamava por nomes estranhos,
nunca me reconhecia. Ele gostava de mim, mas cada vez que me encontrava me
chamava por nomes diferentes, como Cristina (risos). O bichinho é broco mesmo,
já está caduquinho. Aí ele perguntou se a menina era menor de idade. Respondi
que não sabia. Eu não sabia mesmo. Aí ele disse: "Não quero essa menina na
minha casa. Diz pro Jardel tirar ela daqui". Falei com o Jardel e
confirmei que realmente a menina era menor de idade. Jardel ficou muito
irritado. Acho que, se o Adálio alguma vez ficou com alguma menor, foi enganado
pelos cafetões.
Na sua faculdade ninguém nunca desconfiou que você é garota
de programa?
Siiimmmmm [risos], todo mundo desconfia que faço alguma
coisa de errada. Já disseram até que sou traficante, pois não trabalho, minha
faculdade é cara, dou meu jeito de pagar e ando bem vestida no meu carro. As
pessoas fazem muita especulação.
A operação Delivery pode ter gerado, digamos, uma crise
entre as garotas que se prostituem em Rio Branco, agora com dificuldade para
comprar roupas e sapatos de marcas, pagar carro e faculdades?
Você tem tem razão. A crise ficou séria. Tenho uma amiga,
mãe de uma criança, que se viu obrigada a fazer um empréstimo porque estava sem
nenhum real. Mas a prostituição não vai acabar, não tem como acabar. É uma
coisa que acontece há muitos e muitos anos. Estão só aproveitando a moda da
novela [risos] para querer se mostrarem. Dizem que é a profissão mais antiga do
mundo, né? Até os policiais envolvidos nas investigações saem com meninas. Não
tem como acabar com a prostituição. Teve uma cara lá da delegacia que, dois
dias depois de um depoimento, ligou pra minha querendo sair com ela. Eles têm
os números das meninas e ligam. Não vai acabar, não temo acabar.
Como foi seu depoimento à polícia?
No dia que fui prestar depoimento, fique sem saber se aquele
delegado tem algum problema pessoal ou é muito estressado e frustrado. Que
gente irritante. Eles só cansaram depois que comecei a chorar, pois eu não
tinha mais o que falar. Eles interrompiam a gravação dos depoimentos. Uma amiga
disse que ficou preocupada porque disse ter concordado com coisas que nem sabia
se era verdade.
Além de políticos, secretários do governo, fazendeiros,
empresários e comerciantes que outros clientes você já atendeu?
Um cara (risos) que vendia verduras nas ruas. Ele empurrava
um carrinho [risos] e vendia couve, coentro, chicória. Naquele dia eu ri tanto,
mas tanto mesmo. Tadinho. Ele me pagou tudo em notas de R$ 5 e R$ 2. Mas me deu
R$ 150 certinho. Ele juntou aquele dinheiro para sair comigo. A gente vê de
tudo: borracheiro, gari, o escambau. Tem gente que gosta, mas nunca saí com
gari. O meu cliente mais bizarro foi o vendedor de verduras.
Mas também saiu com gente influente?
Claro, muitos e muitos, além de empresários e médicos. Os
médicos são os mais safados. Eles gostam de organizar festas. Junta-se, por
exemplo, um grupo de dez médicos, contratam
a gente e vamos todos pro motel.
Você tem alguma explicação para considerar os médicos os
mais safados?
Não sei qual é a deles, mas é estranho demais. São eles os
que mais tomam aquelas piulinhas azuis. Acho que eles são os que mais gostam de
putaria. Um deles uma vez me chamou para sair com ele e quando chegamos no
motel tivemos que fazer troca de casais. Eu que fui a ativa, entendeu? Tem
gente quem tem desejo loucos.
Que outras pessoas já foram seus clientes?
Juiz, desembargador e policiais da PM, da PF e da Civil.
Desses, os policiais civis são os mais safados porque nem usam farda. Uma vez,
por exemplo, fui para Brasileia com dois policiais civis no carro da Secretaria
de Segurança Pública. Não era carro particular. Passamos um final de semana
naquela pousada que existe na entrada de Brasileia. Já tirei até uma foto com a
arma de um policial. Também aparecem muito policiais, comerciantes e médicos
bolivianos à procura de meninas do Acre. Eles também pedem que os cafetões
levem meninas pra eles, em Cobija. Nunca fui porque não trabalho mais para
cafetão, mas eles fazem muito isso. Faço programas sem intermediários e foi uma
decisão muito acertada.
Por que?
Cafetões são pessoas muito cruéis, exploradoras. Eles se
acham donos das mulheres, exigem obediência, servidão total. Para você ter uma
ideia: no ano passado, a garota de programa mais riquinha de Rio Branco, filha
de um empresário, estava no motel com um cliente e o cafetão dela telefonou.
Ela não atendeu e acabaram se desentendendo por causa disso. Dias depois, um
empresário telefonou pro cafetão e disse que queria a mulher mais bonita que
ele tivesse. O cafetão disse: "Passa aqui em casa que vou te apresentar
uma verdadeira miss, a mais gostosa". O empresário foi e o cafetão indicou
o endereço. Chegou numa rua, na frente de uma casa e falou: "É aqui, pode
ir lá e bater". O empresário falou: "Mas aqui é a casa da minha
filha". O cafetão respondeu: "Tua filha? Mas ela faz programa e é a
preferida da hora". O empresário pegou o cafetão e meu a porrada, entrou
na casa da filha e fez o mesmo com ela.
Algo semelhante nunca aconteceu com você?
Mais ou menos. Outro dia fiquei chocada ao receber uma
mensagem no celular, assim: "Está feliz agora por ter desfeito um
lar?". Era de um telefone da mulher de um grande comerciante de Rio Branco
com quem fiz algumas programas no começo. Aí fui conferir na minha agenda o
telefone dele. Aliás, não uso agenda do celular. Todos os que foram ou ainda
são meus clientes, anoto nome e telefone num caderno. Claro que alguns usam
codinomes. Pois bem, fui na minha "agenda" e liguei pro comerciante.
Então ele explicou que havia se separado, mas que a ex-mulher estava fazendo a
mesma coisa com outras mulheres. Mas aquela mensagem me perturbou muito porque
eu não tenho nada a ver com a separação deles.
Você disse que nunca foi fazer programa na Bolívia. Conhece
alguma amiga sua já fez ou faz?
Uma amiga foi pra Cobija, na Bolívia, e acabou sendo
extorquida pelo cafetão. Passou uma semana com ele num hotel de quinta
categoria. Ao sair do hotel, ainda teve que transar com os funcionários para
não pagar as diárias. Veio embora com mais de R$ 1 mil na carteira. O cafetão
pegou o dinheiro dela e nunca mais devolveu.
Gostaria de saber mais sobre o seu depoimento à polícia.
Conforme falei antes, os delegados, os que estavam colhendo
os depoimentos, paravam as gravações para induzir as pessoas a falar o que eles
queriam ouvir. Eles não queriam ouvir um depoimento claro e limpo. Eles queriam
ouvir só acusações.
Em breve, a Justiça vai começar a ouvir os denunciados e as
testemunhas da operação Delivery. Conhece alguém que esteja sob ameaça?
Conheço. Uma amiga foi chamada para depor, mas não quer ir
depois de ter falado com um dos caras que estão presos. Eles telefonam. Até
para mim já telefonaram, para saber como estão as coisas.
Telefonam de dentro do presídio?
Sim, de dentro do presídio. Eles têm até celular para
acessar internet. Telefonaram para minha amiga e disseram que não queriam nem
ver a cara dela no dia da audiência. Disseram que, se vissem a cara dela,
poderiam passar até 100 anos na cadeia, mas quando saíssem ela ia morrer. Por
causa disso ela não quer ir. Pior é que na intimação tem que o não
comparecimento pode resultar em multa e prisão. Outra coisa: ela não foi
avisada que seria testemunha. Foi chamada para depor, como eu e muitas meninas
foram, mas acho que deveriam ter perguntando se ela queria ser testemunha. Ser
testemunha é um dever, claro, mas depois que você aceita ser testemunha.
Por que aceitou a entrevista?
Porque você me garantiu que a entrevista seria publicada,
mas que eu não iria me queimar, que minha imagem seria preservada. Minha amiga,
por exemplo, disse que se for para ela falar sem que os cafetões ouçam o
depoimento, ela está disposta a comparecer. E ela tem razão: cafetão não tem
nada a perder. A maioria daqueles cafetões não têm sequer o ensino médio. São
pessoas sem perspectiva de vida melhor da que levam. No dia que saírem da
prisão vão voltar a ser cafetões.
Por falar nisso, você está prestes a concluir o curso de
enfermagem. Você acha que vai conseguir parar de fazer programas ou isso já se
tornou, digamos, um costume ou vício?
Não vou mentir. Não pretendo parar. Pretendo parar de
conhecer pessoas. Pretendo sair apenas com as pessoas que já conheço, mas nada
de novos clientes, nem que sejam indicados pelos amigos do presidente da
República. É um dinheirinho a mais que entra. Sexo é bom. Melhor ainda se você
pode fazer sexo e ainda receber dinheiro por isso. Eu penso assim. É algo que
não me prejudica. Não me sinto menos humana em relação a ninguém. Consigo
sentar com um monte de mulheres da alta sociedade e me sinto igual a elas.
Mesmo fazendo programa é assim que me sinto. Muita gente que aponta ou critica
as garotas de programa fazem coisas piores. Existem homens que chamam as
meninas apenas para que fiquem olhando eles se drogarem. Um cliente, gente do
primeiro escalão do governo do Acre, não quis sexo; ele quis minha companhia e
passou umas três horas no motel cheirando cocaína. Acho isso bem pior. Tem
gente que rouba, tem gente que mata. Não acho que estou vendendo o meu corpo.
Estou recebendo o pagamento por algo que proporcionou prazer a mim e ao
parceiro ou cliente. Não vejo isso como crime. Aliciamento de menor acho
nojento. Meninas de 14 ou 15 anos são persuadidas quando começam a fazer
programas. Existem meninas nessa idade que dizem que querem e fazem, mas se
fazem isso é porque foram persuadidas por alguém que falou que é legal, que
rende dinheiro etc. Isso é persuasão. Não conheço menores que tenham feito
isso. De todos os envolvidos na operação Delivery, acho que apenas dois ou três
mereciam realmente estar presos. O resto é tudo pegando bucha mesmo.
Do seu convívio social, alguém sabe que você faz programa?
A maioria não sabe. Meus pais não sabem. Eles apenas
suspeitam. Para minha mãe digo que saio com um cara que me ajuda
financeiramente. Se eu falasse a verdade, acho que seria magoá-la demais. Tenho
certeza de que minha mãe, caso eu chegasse a contasse tudo, iria entender a
minha situação. O problema é que a sociedade discrimina. Ao discriminar, o que
faço é visto como a coisa mais abominável do mundo.
Boa parte das garotas de programa se apresentam como modelos
e possuem páginas em redes sociais. A internet facilita o trabalho de vocês?
Bastante. Acho que a grande contribuição das redes sociais é
livrar as garotas dos intermediários, dos cafetões. Muitas mulheres já
perceberam isso e usam a internet para contatos e visibilidade. Antigamente,
programa só rolava se tivesse cafetão no meio. Agora, não. Você cria um perfil,
por exemplo, no Facebook e vai estabelecendo contatos, expondo fotos etc. No
Acre, temos a vantagem de não ser um lugar perigoso para fazer programa. Rio
Branco é pequena, quase todo mundo se conhece. Eu já fui pra Brasília (risos)
com uma amiga fazer programa. Passamos duas semanas e achei muito perigoso. A
gente nem saia de dentro da boate. Lá, para transar na boate, o cara tinha que
pagar R$ 200 pra menina e R$ 100 para o dono da boate. Tinha os quartos para
transar lá mesmo, mas sempre aparecia algum homem oferecendo R$ 300 pra gente ir
pra motel. Lá é muito arriscado: matam, surram, deixam mulheres abandonadas nas
ruas ou praças. No Acre não acho perigoso ir para um motel mesmo sem conhecer o
homem.
Você falou um pouco de como foi o seu convívio com o
fazendeiro Adálio Cordeiro. E o outro fazendeiro, o Assuero Veronez?
Ele é um amor de pessoa. Ele é um senhor de idade, como todo
mundo sabe, super educado e que não gosta de sair com várias meninas. A gente
saiu durante quase dois anos, quase toda semana. Eu já vi cafetão adular. Cafetão
é bicho que adula. Pense. Liga dizendo pro cliente: "Estou com uma miss,
universitária, linda, loira, por favor saia com ela, é maior de idade".
Fica ligando oferecendo, perturbando. O Assuero dizia para mim: "Eu não
gosto de atender esses cafetões, não quero conhecer ninguém". Ele saía com
muitas garotas de programa, conforme ele mesmo falou, há mais de 10 anos. Mas
sempre foi assim: saia com uma, duas, três; gostava de uma, ficava saindo só
com aquela que havia gostado mais. Entendeu? Ele não era explorador. Também nem
gostava muito de transar. Gostava mais de conversar, de ter uma companhia.
Gostava mais de conversar?
Sim. As pessoas não entendem ou entendem e se fazem de
bobas. Eu, que tenho 22 anos, já sei que o casamento é uma coisa enjoativa. Às
vezes um homem quer conversar alguma coisa, mas não quer conversar sobre aquilo
com a mulher dele, mas com alguém que não vai ficar perturbando, julgando etc.
Mulher gosta de dar opinião, de se meter. Ele trabalhava num negócio dos
pecuaristas, não é?
Sim. Ele era vice-presidente da Confederação Nacional de
Agricultura e ainda é presidente da Federação de Agriculta do Acre.
Isso mesmo. Ele sempre viajava, quando voltava a gente saía
e ele ficavam conversando sobre o trabalho dele. Lembro que ele falava muito
sobre o novo Código Florestal Brasileiro, sobre ocupação da Amazônia, terras,
meio ambiente. Ele falava dessa coisas, mas não que eu estivesse ali para
emitir alguma opinião. Não. Ele queria apenas a minha companhia para desabafar,
para ser ouvido por alguém que não era do cotidiano dele.
Você falou demais de um casamento alheio, mas agora é hora
de falar do seu noivado.
Estou noiva, sim.
Mas o seu noivo sabe que você é garota de programa?
Não sabe e nem vai saber, se Deus quiser. Quem fala mais,
acredite, é (risos) a minha vizinha. A minha vizinha fala para ele que entro
num monte de carros diferentes. Aí digo que é mentira e explico que são amigas
que pedem ou me dão carona. Não quero magoar ele. Pretendo ter minha família.
No começo da conversa você disse que pretende continuar
fazendo programa mesmo depois de concluir a faculdade de enfermagem. Agora fala
que pretende constituir família. Vai ou não continuar?
Vou "mermo". Conheço um monte de mulheres casadas
que também fazem programas em Rio Branco. Existem mulheres casadas com homens
que saem com meninas do babado, mas elas também fazem programa e eles não sabem.
Entendeu? Tem como conciliar as coisas. Mas eu devo uma explicação: pretendo me
estabilizar financeiramente, pois todo mundo conclui faculdade e fica
desempregado. Terei concluído o curso de enfermagem, mas serei mais uma
desempregada no Brasil. Nos índices, vou constar como mais uma desempregada. No
dia que eu me estabilizar, quero ter filhos, casamento estável. Quando chegar a
esse ponto, claro, não vou mais fazer programa. Vou me dedicar à minha família
e ao meu trabalho. Enquanto eu não alcançar estabilidade financeira e
necessitar de dinheiro, vou continuar fazendo programa.
Você já chegou a fazer quantos programas por dia?
Já fiz até sete programas durante o dia. Eu não trabalho à
noite, que ao meu noivo. Cheguei a fazer sete programas por dia quando comprei
o carro e precisava pagar as mensalidades dele e da faculdade.
Como foi esse período?
Horííííível. (risos) Deus me livre, ó. Foi triste. No final
do dia eu estava morta de cansada. Teve um dia que eu estava no motel transando
com um cliente. Quando terminamos, fui tomar banho e o telefone tocou. Era
outro cliente querendo sair comigo. Eu falei: "Vem pro motel tal, que
estou chegando aqui". O cara nem percebeu nada. Eu só troquei de carro
(risos). Verdade.
Ia pra faculdade, chegava em casa e ia transar com o namorado?
Que nada. Eu não aguentava mais. Eu preferi terminar com o
meu namorado. Passamos três meses sem nem nos ver. Eu não dava conta de ficar
com ele. A minha jornada de trabalho para pagar as prestações do carro e da
faculdade era muito pesada. Não quero mais aquilo. Eu não tinha tempo. Eu
estudava à tarde, começava a fazer programa às 8 horas da manhã. Dava um jeito
de agendar dois ou três programas pela manhã. À tarde, as vezes eu gazetava
aula pra fazer mais programas, às vezes até saía na hora do intervalo, passava
uma ou duas horas ausente, e voltava pra sala com a maior descaramento. De
noite, quando eu saída da aula, sempre já havia alguém me esperando no
estacionamento da faculdade. Às vezes eu já estava em casa, cansada,
cochilando, mas quando me ligavam, por volta das 23 horas, me arrumava,
escovava os dentes e saía de novo. Viu como não dá para ter um namorado desse
jeito? Então terminei com ele, depois voltamos e hoje estamos noivos. Uma
pessoa que quer viver de fazer programa não pode ter sua vida.
Do alto dos seus 22 anos, que conselho dá a alguma jovem que
pensa ou já pensou em se tornar garota de programa?
Estudar de verdade para não se atrasar. Terminar o ensino
médio com 16 ou 17 anos, quando a gente ainda é novinha, ingressar na
faculdade, estudar pra valer, arranjar um namoradinho, ficar noiva, casar, ter
filho e jamais fazer programa. Uma coisa eu digo: programa vicia. Eu comecei
dizendo que ia fazer só para pagar minhas contas. Entendeu? Não dá porque
sempre aparecem mais contas. Um dia você acorda e pensa: "Ah! Queria
dinheiro para tal coisa". E não tem o dinheiro e diz: "Vou fazer programa".
Então isso já faz parte de minha vida. Outra coisa: conversar com os pais ajuda
muito. Boa parte das meninas que conheço fazem programas por culpa dos pais
delas, por falta de diálogo, de entendimento. Uma garota diz que quer dinheiro
e os pais pedem que parem de perturbá-los, coisas assim. Não procuram ouvir,
saber para que a filha quer o dinheiro, simplesmente negam de maneira
autoritária. Os pais não conhecem os filhos, não sabem do que eles são capazes.
O meu conselho é que as garotas não aceitem fazer programa, não aceitem
presentes de homens, pois isso é um jeito também de se prostituir.
Isso explica o fato de a gente ver tantas mulheres de origem
humilde desfilando com roupas e sapatos de marcas nas festas da cidade?
Você tocou num assunto que conversei com um cara com quem
saí recentemente. Ele é empresário e recebeu para entrevista uma jovem que
pretendia um emprego. O currículo dela era tão pobre que só constava que tinha
o ensino médio completo. Ele disse que ela tinha 25 anos, mas estava toda na
Romanel, cheirando a perfume importado. Ele perguntou se ela morava com os pais
e ela respondeu que morava sozinha. Então ele desconfiou, não por preconceito,
que aquela era uma garota de programa. Ele não contratou porque entendeu que
ela não teria responsabilidade, que seria capaz de sair para fazer programa em
horário de expediente porque, sinceramente, ganharia muito mais fazendo
programa. Em um dia dá para tirar um salário mínimo.
Quanto você ganha por mês?
Quanto é que dá R$ 150 vezes 25? Eu não faço programa nos
finais de semana. Prefiro ficar com o meu noivo.
Dá R$ 3.750. É o que você fatura por mês?
Estou jogando por baixo. Esse valor é caso eu saia apenas um
vez por dia. Mas tem um problema: não vejo esse dinheiro (risos).
Como assim?
Eu só consigo juntar mesmo para pagar a faculdade e a
prestação do carro. Eu saio e já gasto, o dinheiro vai indo embora. Sempre tem
alguma coisa para gastar: R$ 50 de gasolina,
arrumar cabelo, fazer unha etc. Ainda tem gente que acha que entra fácil
(risos), mas vai embora mais rápido.
Então você tem de correr, estudar, conquistar um emprego e
constituir família porque não vai permanecer bonita e atraente fisicamente para
sempre.
Isso mesmo. É o que sempre digo para minha amigas: gente,
quando estivermos com 30 anos, nenhum homem mais vai querer sair com a gente.
Estaremos coroas, velhas, barangas, com o sexo engelhado (risos). Mas não é?
Fonte : Terra
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