Apenas 15% das mulheres vítimas de estupro e agressão sexual
na Inglaterra e no País de Gales denunciam o crime à polícia. Grande parte das
vítimas diz optar por não ir à polícia por ser "constrangedor" ou
pelo fato de elas considerarem o ataque "demasiado trivial" ou algo
"que não vale a pena reportar".
Algumas ainda não denunciam porque "não acreditam que a polícia pode fazer muito para ajudar", de acordo com novos dados oficiais divulgados na semana passada.
Algumas ainda não denunciam porque "não acreditam que a polícia pode fazer muito para ajudar", de acordo com novos dados oficiais divulgados na semana passada.
A reportagem é de Amelia Gentleman e publicada no jornal
Herald Tribune, 16-01-2013.
As estatísticas aparecem no documento "Uma Visão Geral
sobre os Crimes Sexuais", a primeira publicação do tipo feita pelo
Ministério da Justiça e pelo Ministério do Interior britânicos. Os dados também
revelaram que uma em cada cinco mulheres foi vítima de um crime sexual desde
seus 16 anos de idade, e que há cerca de 400 mil mulheres adultas vítimas de
crimes sexuais todos os anos no Reino Unido, incluindo 69 mil vítimas de
estupro ou tentativa de estupro.
A divulgação desses números alarmantes foi seguida, um dia
depois, por um relatório da polícia contendo a descrição completa dos crimes
sexuais cometidos pelo falecido apresentador da BBC, Jimmy Savile --documento
que contabilizou 34 estupros entre 450 queixas individuais contra Savile e
revelou que a grande maioria das vítimas que conseguiu superar o
constrangimento e denunciar as agressões enquanto o apresentador ainda estava
vivo foram desacreditadas.
A informação provocou uma onda de reflexão sobre as atitudes
adotadas em relação ao estupro no Reino Unido – e forçou uma mudança abrupta e
estridente de foco geográfico.
Durante o mês passado, os jornais e canais de notícias do
Reino Unido vinham dedicando atenção considerável aos detalhes revelados após o
estupro coletivo e assassinato de uma estudante de fisioterapia em Nova Déli,
na Índia – com comentaristas fazendo fila para discutir como a Índia é um país
que tem lutado contra uma profunda misoginia e para condenar a relutância
oficial em enfrentar seriamente a questão da violência contra as mulheres.
Criticar despreocupadamente as falhas das atitudes em
relação às mulheres a milhares de quilômetros de distância é fácil. Focar no
motivo pelo qual tão poucas mulheres têm denunciado crimes no Reino Unido vem
se mostrando mais difícil.
Na última sexta-feira (11), o diretor da promotoria pública,
Keir Starmer, pediu desculpas às vítimas de Savile – e solicitou às vítimas de
qualquer tipo de abuso sexual que tenham sentido que suas queixas não foram
levadas a sério para contatar a polícia novamente e fazer com que seus casos
sejam revistos por novos painéis que serão criados em todo o país.
Este será um "divisor de águas" em relação à
maneira como as vítimas de agressão sexual serão tratadas, prometeu Starmer,
ressaltando que é importante que se acredite na palavra das vítimas.
Grupos de ativistas também esperam que este seja um momento
crucial para o início da mudança.
"Temos que mudar a cultura e as atitudes que permitem
que o comportamento abusivo não seja reprimido", afirmou uma declaração da
organização End Violence Against Women Coalition (Coalisão pelo Fim da
Violência contra as Mulheres).
"Agora existe uma oportunidade real para transformarmos
o Reino Unido em líder global no modo como lidamos com a violência sexual e com
outros tipos de violência contra mulheres e meninas". Os baixos índices de
condenação por estupro são, provavelmente, parte do motivo pelo qual muitas
mulheres britânicas acreditam que a polícia não pode "fazer muito para
ajudar".
Ativistas já estimaram que apenas 6% das acusações de
estupro relatadas à polícia resultaram em condenação por estupro. Mas esse
total, que tem sido amplamente citado, sempre se mostrou controverso e é contestado
pela polícia – e, cada vez mais, ele é visto como parte do problema, pois gera
nas vítimas uma postura tão cínica em relação ao sistema que elas decidem não
apresentar queixa.
As últimas estatísticas apresentadas pelo relatório
"Uma Visão Geral sobre os Crimes Sexuais" na semana passada sugerem
que os índices de condenação estão melhorando – se olharmos para os casos que
chegam aos tribunais. Dos casos julgados em tribunal, 62,5% terminaram em
condenação.
As diretrizes adotadas pela polícia para que as vítimas de
estupro sejam tratadas com mais delicadeza e tato estão em vigor há algum
tempo. Os membros das equipes que investigam crimes de violência sexual recebem
treinamento para falar de forma adequada com as vítimas que foram estupradas.
Esses entrevistadores sabem que, embora eles possam fazer
perguntas relacionadas à "quando", "onde", "o
quê" e "como" ocorreu o estupro, eles nunca devem perguntar à
vítima "por quê?" e, especialmente, nunca devem inquirir "por
que você fez isso?", pois esse tipo de pergunta coloca em cheque as
decisões tomadas pela mulher e sugere uma transferência de parte da culpa do
criminoso para a vítima.
Uma visita a um dos mais respeitados centros de referência
sobre agressão sexual do Reino Unido (onde as vítimas são tratadas com bastante
tato e passam de modo bem acelerado pelo interrogatório policial e pelo exame
médico para que nenhuma prova seja perdida) mostra que, quando esses centros
estão bem equipados e recebem recursos suficientes, eles oferecem excelentes
serviços.
Mas, embora um trabalho considerável tenha sido feito para
melhorar a atitude da polícia em relação aos casos de estupro, o público em
geral (que compõe os júris que analisam casos de estupro nos tribunais)
continua se mostrando muito crítico. Não se espera que vítimas de roubo provem
que foram assaltadas, pois as pessoas tendem a acreditar nelas. Já as vítimas
de estupro ainda têm que provar que algo aconteceu a elas e necessitam
justificar suas ações.
E é notável a frequência com que atitudes que não ajudam em
nada são adotadas por pessoas que deveriam dar o exemplo. O experiente político
conservador Kenneth Clarke teve problemas no ano passado quando ocupava o cargo
de secretário de justiça e deu uma entrevista na qual que usou o termo "estupro
sério" – sugerindo de forma inadvertida que, para ele, havia categorias de
estupro menos graves.
Em seguida, houve o caso de um editor sênior da BBC que, ao
explicar por que ele optou por não colocar no ar um programa sobre os crimes de
Savile no ano passado, despreocupadamente disse que não havia provas
suficientes no material – e utilizou a frase agora notória que o programa
continha apenas "as mulheres" – ou seja, apenas os testemunhos das
próprias vítimas.
Com atitudes como essas, não é de surpreender que 85% das
vítimas, quando questionadas por que de optaram por não relatar os ataques que
sofreram, afirmaram que o processo todo era muito constrangedor e, no final das
contas, inútil.
Fonte: Ihu
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