O ano de 2012 marca o aniversário dos 80 anos do direito de
voto feminino no Brasil e as eleições de 07 de outubro possibilitaram um
pequeno aumento do número de mulheres eleitas para as Câmaras Municipais e um
aumento um pouco maior para as prefeituras. Mas, no geral, o avanço tem sido
pequeno e o país ainda continua muito longe da paridade (50%/50%) entre homens
e mulheres na política. Os partidos precisam criar mecanismos internos de
inclusão feminina para que se possa superar o déficit democrático de gênero.
O aumento do número de mulheres eleitas em 2012
A tabela 1 mostra que foram eleitas menos de 4 mil vereadoras nos municípios brasileiros em 1992, representando apenas 7,4% do total de vagas nas representações municipais de todo o país. Com a introdução da primeira política de cotas, em 1995, os resultados apareceram nas eleições seguintes. O número de mulheres eleitas passou para 6,5 mil vereadoras, representando 11,1%, em 1996. Foi o maior salto ocorrido entre duas eleições na história brasileira. Nas eleições seguintes, em 2000, o número de mulheres eleitas chegou a 7 mil vereadoras, representando 11,6%. Em 2004, houve uma redução no número geral de vagas de vereadores e o número de mulheres eleitas para as Câmaras Municipais decresceu para 6.555 vereadoras, mas houve um aumento do percentual que foi para 12,7%. Nas eleições de 2008 houve uma pequena redução no número absoluto e no percentual de eleitas, pois 6.504 mulheres conquistaram vagas de vereadoras, representando 12,5% do total. Nas eleições de 2012 o número de mulheres eleitas chegou a 7.648 vereadoras, representando 13,3% do total de vagas. Estes números, embora baixos, são recordes na história brasileira.
Um dos fatores que explicam o aumento do número de vereadoras eleitas foi a mudança da política de cotas. A Lei 12.034, de 29/09/2009, substituiu a palavra reservar por preencher e a nova redação da política de cotas ficou assim redigida:
“Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo”.
A alteração pode parecer pequena, mas a mudança do verbo “reservar” para “preencher” significou uma mudança no sentido de forçar os partidos a darem maiores oportunidades para as mulheres. O ideal é que fosse garantida a paridade de gênero (50% para cada sexo) nas listas de candidaturas. Mas diante do baixo número de mulheres candidatas, a mudança da Lei em vigor já representou um avanço, mesmo que limitado. O primeiro resultado foi visto nos números de candidaturas femininas em 2012, conforme pode ser observado na tabela 2. O número de mulheres candidatas passou de 72,4 mil em 2008, representando 21,9% do total, para 133 mil em 2012 (considerando só as candidaturas aptas), representando 31,5% do número de candidatos.
O aumento do número de mulheres candidatas deveria ser fundamental para aumentar o percentual de mulheres eleitas. Porém, a maioria dos partidos lançaram candidatas “laranjas”, ou seja, lançaram candidatas apenas para compor a lista, mas sem condições efetivas de ganharem eleições. Faltou apoio e investimento na formação política das mulheres. Faltou também apoio financeiro para sustentar as campanhas femininas.
A tabela 3 mostra o número de número de mulheres e homens eleitos para vereadores e o percentual de mulheres eleitas, por Unidades da Federação (UF) e Regiões do Brasil, em 2008 e 2012. Nota-se que o percentual de vereadoras cresceu em todas as regiões, sendo que o Norte e o Nordeste continuam sendo as duas regiões com maior percentual de mulheres eleitas. Em 2008, o estado com maior percentual de mulheres eleitas vereadoras foi o Amapá e, em 2012, o Rio Grande do Norte tomou a dianteira na participação feminina nas Câmaras Municipais.
A região Sul, especialmente o estado de Santa Catarina, apresentou o maior aumento entre as duas eleições. Mas a região Sul ainda continua atrás do Norte e Nordeste. A menor percentagem de vereadoras continua na região Sudeste, com o Rio de Janeiro e Espírito Santo ficando na lanterninha do ranking de participação política.
A tabela 4 mostra que o número de vereadoras era de 6.512 mulheres, representando 12,5% do total de vagas do país e passou para 7.646 mulheres, representando 13,3 do total de vereadores em 2012. O número de prefeitas eleitas em 2008 foi de 504 mulheres, representando 9,1% do total de prefeituras e passou para 670 mulheres eleitas (no primeiro turno) em 2012, representando 12,1 das prefeituras brasileiras.
O número absoluto de vereadoras aumentou 17,4% e o número de prefeitas aumentou 32,9% entre 2008 e 2012. Ou seja, mesmo sem haver uma política de cotas para o executivo municipal o aumento foi maior do que o ocorrido no Legislativo muncipal, que já conta com uma política de ação afirmativa desde 1995. Contudo, o percentual de mulheres prefeitas passou de apenas 9,1% para 12,1%, continuando abaixo do percentual de mulheres vereadoras (13,3%). Apesar do avanço, os percentuais de mulheres nos espaços de poder da política municipal é ainda muito baixo e diferenciado.
2. As mulheres nas Câmaras de Vereadores das capitais brasileirias em 2008 e 2012
Houve um avanço do número de mulheres eleitas também para as Câmaras Muncipais nas eleições de 2012. Mas foi um aumento pequeno que não foi capaz de eliminar o déficit democrático de gênero nas cidades mais destacadas em cada estado. Para o Brasil, como já mostrado, em 2008 foram eleitas 6.504 vereadoras para um total de 51.903 vagas, o que representou 12,5% de mulheres no legislativo municipal. Em 2012, foram eleitas 7.648 mulheres para um total de 57.353 vagas no país, representando 13,3% de participação feminina na representação parlamentar das cidades.
O desempenho feminino nas capitais das Unidades da Federação (UF) não destoou muito do desempenho da média dos demais municípios, conforme mostra a tabela 5. Na verdade, o percentual de vereadoras eleitas nas 26 capitais em 2008 estava em 13%, pouco acima da média do total de municípios que estava em 12,5%. Mas em 2012, o percentual de mulheres eleitas nas 26 capitais foi de 12,9%, pouco abaixo dos 13,3% da média do conjunto das cidades brasileiras.
Em termos absolutos as capitais que elegeram mais vereadoras em 2008 foram Rio de Janeiro (13), Maceió (7), Manaus (6), Salvador (6) e Curitiba (6). Na mesma eleição, os maiores percentuais foram das cidades de Maceió (33,3%), Rio de Janeiro (25,5%), Porto Velho (25%) e Aracaju (21,1%). Nas eleições de 2012, os maiores números absolutos foram alcançados pelas mulheres das cidades do Rio de Janeiro (8), Fortaleza (7), Maceió (6), Recife (6), Teresina (6) e São Paulo (6). As capitais líderes em termos percentuais foram Maceió (28,6%), Rio Branco (23,5%), Macapá (21,7%) e Teresina (20,7%).
A cidade do Rio de Janeiro liderou em número absoluto de vereadoras eleitas nas duas eleições, mas o número de mulheres vitoriosas na disputa caiu de 13 em 2008 para 8 em 2012. A cidade de Maceió liderou em termos relativos nas duas eleições, mas o percentual de mulheres eleitas, em 2012, caiu de 33,3% para 28,6% na capital de Alagoas. Florianópolis foi a única capital que não conseguiu eleger nenhuma mulher para a Câmara Municipal nas duas eleições. Em 2012, teve a companhia de Palmas, capital do Tocantins, com resultado zero.
Diversas capitais tiveram aumento do número absoluto de vereadoras eleitas entre 2008 e 2012: Goiânia (de 3 para 4), Campo Grande (de 4 para 5), Rio Branco (de 1 para 4), Macapá (de 2 para 5), Belém (de 2 para 5), Boa Vista (de 1 para 4), Fortaleza (de 4 para 7), São Luis (de 1 para 4), Teresina (de 2 para 6), Natal (de 2 para 4), Porto Alegre (de 4 para 5) e São Paulo (de 5 para 6).
Dentre as capitais que apresentaram o maior declínio absoluto nas duas eleições, destacam-se: Rio de Janeiro (de 13 para 8), Belo Horizonte (de 5 para 1) e Aracaju (de 4 para 2).
Em termos regionais, o Nordeste tinha elegido 33 mulheres nas 9 capitais da região em 2008, representando 13,6% do total de 243 vagas e passou para 42 mulheres eleitas, representando 14,7% do total no total de 286 vagas da soma das 9 capitais da região. O Norte tinha elegido 18 mulhers nas 7 capitais da região, representando 12,4% do total de vagas e passou para 26 mulheres eleitas, representando 14,7% do total de 177 vagas das capitais da região.
O Sudeste, maior região do Brasil em termos populacionais e econômicos, elegeu 24 mulheres nas 4 capitais em 2008, representando o maior percentual de participação feminina (14,8%). Porém, devido à queda do número de mulheres eleitas nas cidades do Rio de Janeiro e Belo Horizonte, elegeu apenas 16 vereadoras em 2012, representando 10,3% do total das 156 vagas das 4 capitais da região.
O Centro-Oeste elegeu 8 mulheres nas 3 capitais da região (10,7%) em 2008 e 10 mulheres (11,2%) em 2012. A região Sul elegeu 10 mulheres em ambas as eleições e ficou na lanterninha da representação política das vereadoras eleitas nas capitais, obtendo o mesmo percentual de 10,3% do total de vagas da região Sudeste em 2012.
Os dados mostram que as capitais brasileiras não são os locais mais propícios para o avanço da participação feminina nas Câmaras Municipais e nem para as prefeitas. No primeiro turno, somente Boa Vista elegeu uma mulher para o Executivo Municipal, representando 3,8% das 26 capitais do país. No segundo, turno apenas Manaus terá uma mulher disputando a conquista da prefeitura.
No geral, as mulheres tiveram melhor desempenho nas cidades pequenas, onde o nível da competição política é menor. Porém, se o Brasil quiser eliminar o déficit democrático de gênero terá que estabelecer um mapa para se chegar na paridade entre homens e mulheres nos espaços de poder local, começando por promover o empoderamento das mulheres das sedes estaduais de governo, que é, em geral, onde se encontram os maiores capitais econômico, social, cultural e político do país.
- Municípios com maioria de mulheres nas Câmaras de Vereadores em 2008 e 2012
Como já visto, as mulheres brasileiras deram um pequeno passo à frente na representação política municipal nas eleições de 2012. Mas a tabela 6 mostra que este crescimento foi diferenciado, pois um expressivo número de 1.668 municípios (30% do total) não elegeram nenhuma mulher para as Câmaras Municipais, em 2008. Nas eleições seguintes, o número de municípios sem vereadoras diminuiu para 1.325 (23,8% do total).
O numero de municípios com apenas uma mulher vereadora era de 2.079 (37,4%) e caiu para 1.991 (35,8%). Já os municípios que elegeram 2 vereadoras passou de 1.211 (21,8%), em 2008, para 1,427 (25,7%) em 2012. Municípios com 3 vereadoras passaram de 464 (8,3%) para 564 (10,1%). Aqueles com 4 vereadoras passaram de 112 (2%) para 191 (3,4%). Com 5 vereadoras foram somente 20 cidades (0,4%) em 2008, mas este número dobrou em 2012, com 49 cidades (0,9%). Com 7 mulheres eleitas foram apenas 2 municípios em 2008 e 3 municípios em 2012.
Acima deste número, em 2008, foi apenas a cidade do Rio de Janeiro que elegeu 13 vereadoras, recorde absoluto. Mas nas eleições de 2012 o máximo de vereadoras eleitas em duas únicas cidades foi o montante de 8 mulheres, número obtido no município de Barras, no Piaui, e Rio de Janeiro capital do estado do mesmo nome. No geral, cresceram os municípios com 2 ou mais mulheres vereadoras, que passaram de 32,6% para 40,4% do total nacional.
Mas, embora a exclusão feminina na política seja grande na maioria dos municípios brasileiros, existem exceções, pois em um número pequeno de cidades as mulheres são maioria dos vreadores ou dividiam paritariamente as cadeiras da Câmara Municipal. A tabela 7 mostra que, em 2008, as mulheres conseguiram maioria em 17 municípios e conseguiram espaço paritário em outras 3 cidades. No município de Dias D’Ávila, na Bahia, as mulheres conquistaram 70% das vagas da vereança municipal, em 2008. Foi um recorde na desigualdade reversa das relações de gênero no espaço local, pois o sexo feminino elegeu 7 representantes para a Câmara de Vereadores, em um total de 10 vagas. Evidentemente, esta desigualdade reversa é quase nada diante dos 1.668 municípios com 100% de representação masculina. Outro destaque nas eleições de 2008, foi o município de Senador La Rocque, no Maranhão, que elegeu 6 mulheres num total de 9 vagas (66,7%).
Quinze outros municípios, em 2008, elegeram 5 vereadoras e 4 vereadores, apresentando um percentual de 55,6% de participação feminina. Por fim, os municípios de São João Del Rei, em Minas Gerais, Breves, no Pará e Campo Limpo Paulista em São Paulo elegeram o mesmo número de homens e mulheres para o total de 10 vagas para as Câmaras de Vereadores. Das 20 cidades com paridade de gênero ou maioria feminina, 13 estavam localizadas na região Nordeste, 4 na região Sudeste, 3 na região Norte e nenhuma cidade nas regiões Sul e Centro-Oeste.
A tabela 8 mostra que, em 2012, as mulheres conquistaram maioria na Câmara de Vereadores em 23 municípios. Os destaques foram para as cidades de Fronteiras e Barras, ambas no Piaui, que elegeram mulheres em um percentual de 66,7% e 61,5%, respectivamente. Outras 17 cidades elegeram 5 mulheres e 4 homens, perfazendo um total de 55,6% de participação feminina. Ainda outras 4 cidades ficaram com maioria feminina variando de 53,8% a 54,5%, em 2012.
As cidades de Ipaumirim/CE, Senador La Rocque/MA, Sítio Novo/RN e São João do Manhuaçu/MG figuraram nas listas de cidades com maioria feminina em 2008 e 2012. Das 4 cidades, apenas Senador La Rocque diminuiu de 66,7% para 54,5% de mulheres. Em La Rocque, o número de vereadoras continuou o mesmo, mas cresceu o número de homens eleitos devido ao aumento do número de vagas de 9 para 11 na Câmara Municipal.
Em termos regionais, entre 2008 e 2012, o Nordeste continuou com 13 cidades com maioria feminina na Câmara de Vereadores e a região Norte com 3 cidades. A região Sudeste passou para 5 cidades em 2012, sendo 4 em Minas Gerais e uma no Rio de Janeiro. A região Sul que não tinha nehuma em 2008 passou para 3 cidades em 2012, sendo 2 no Rio Grande do Sul e uma em Santa Catarina. Somente a região Centro-Oeste não apresentou cidades com maioria feminina no legislativo municipal.
- À guisa de conclusão
Nas eleições de 2012 houve avanços na representação política das mulheres brasileiras. Mas, no geral, foram avanços pequenos. Contudo, existem locais no Brasil onde as mulheres são maioria no espaço de poder local de representação parlamentar. São poucos municípios com hegemonia feminina, mas o número destes municípios cresceu entre 2008 e 2012. Por enquanto podem ser considerados exceções, mas no futuro devem se tornar uma norma, na medida em que as desigualdades persistentes de gênero na representação política forem deixando de ser uma realidade da sociedade brasileira. Já existe uma lei incentivando ações afirmativas para se atingir um percentual mais equitativo das candidaturas de cada sexo. Falta agora os partidos incorporarem os princípios da equidade de gênero e abrirem espaço para uma divisão paritária das estruturas internas de poder tornando as práticas misóginas coisa do passado. O eleitorado brasileiro já deu demonstração que não discrimina as mulheres, falta as direções partidárias demonstrarem o mesmo.
Os diversos Institutos de Pesquisa do país já mostraram que o eleitorado não só não discrimina as mulheres, como tem uma visão positiva da participação feminina na política. Mas a prova mais cabal que o problema da baixa participação feminina na política não está no eleitorado é que nas eleições de 2010 havia 9 candidatos à Presidência (7 homens e 2 mulheres) e o resultado do primeiro turno mostrou que dois terços (67%) dos votos foram para as duas mulheres (Dilma Rousseff e Marina Silva). Se a população vota em mulher para a Presidência da República, por que não votaria em mulheres candidatas a vereadoras e prefeitas?
Portanto, o problema não está no eleitorado, mas sim nos partidos políticos, pois são os homens que controlam os principais cargos dentro do partido e nos espaços públicos de poder. Controlam também os recursos financeiros e o processo de escolha de candidatos. O funil está na máquina partidária. Não existe nenhum partido no Brasil presidido por mulher. A Marina Silva, depois de obter quase vinte milhões de votos na eleição presidencial, foi praticamente forçada a se retirar do Partido Verde (PV).
Para aumentar a participação feminina na política no Brasil é preciso alterar a participação das mulheres na estrutura de poder dos partidos políticos. No dia 10 de maio de 2011, militantes (de ambos os sexos) dos partidos progressistas e de movimentos sociais estiveram reunidas, em Brasília, no auditório Petrônio Portella, no Senado, no seminário “As mulheres e a reforma política”. Na ocasião definiram, dentre outros pontos, a necessidade de participação paritária de homens e mulhers em todos os cargos de representação partidária, nos níveis nacional, estadual e municipal.
Podemos concluir, portanto, que neste ano de 2012, no momento em que se comemora os 80 anos do direito de voto feminino no Brasil, as mulheres deram um passo à frente na participação política em nível muncipal. Porém, de 1992 a 2012 o avanço foi, em média, de 1% no percentual de eleitas a cada eleição. Neste ritmo, a paridade de gênero nos espaços de poder municipais vai demorar 148 anos no Brasil.
A baixa participação feminina na política não corresponde ao papel que as mulheres desempenham em outros campos de atividade. Elas são maioria da população, maioria do eleitorado, já ultrapassaram os homens em todos os níveis de educação e possuem uma esperança de vida mais elevada. As mulheres compõem a maior parte da População Economicamente Ativa (PEA) com mais de 11 anos de estudo e são maioria dos beneficiários da Previdência Social. Nas duas últimas Olimpíadas (Pequim e Londres) as mulheres brasileiras conquistaram duas das tres medalhas de Ouro. Portanto, a exclusão feminina da política é a última fronteira a ser revertida, sendo que o déficit político de gênero em nível municipal não faz justiça à contribuição que as mulheres dão à sociedade brasileira.
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