"Enquanto aqui no sul, a imagem da santa veio dentro de
uma sacola de lixo, lá, há trezentos anos atrás, a estátua veio de dentro da
água, catada que foi através do arrastão de uma rede de três pobres
pescadores", escreve Antonio Cechin é irmão marista, militante dos
movimentos sociais, autor do livro Empoderamento
Popular. Uma pedagogia de libertação. Porto Alegre: Estef, 2010.
As mulheres catadoras da Ilha Grande dos Marinheiros, dialogando entre elas fizeram a leitura do sinal de hoje: "A mesma mãe Maria, hoje, aqui em nosso Galpão de Reciclagem, apareceu de dentro do lixo a fim de nos ajudar dizendo para nós mulheres pobres, triplamente discriminadas pela sociedade, como negras, pobres e como mulheres".
Eis o artigo.
No Galpão de reciclagem da Ilha Grande dos Marinheiros, em
Porto Alegre, seis mulheres que trabalhavam juntas, ao abrirem uma sacola de
lixo da coleta seletiva realizada pela Prefeitura, deram com uma imagem
quebrada, cabeça separada do corpo, em meio a todo tipo de sujeira malcheirosa.
Ficaram escandalizadas.
Como é que pode?!... exclamou uma delas. Então esse pessoal da cidade não
respeita nem uma imagem de santo?... Santo não pode ser coisa de se jogar fora,
em meio a tudo que é lixaredo?!...
Despertara dentro delas o senso do
sagrado.
Buscaram um pouco de cola e juntaram a cabeça ao corpo. Era
uma imagem de uma santa conhecida: Nossa Senhora, a Mãe de Jesus. Em seguida
foram buscar um coto de vela, também abundantes em meio aos descartes. Fixaram
a pequena estátua de madeira junto a uma coluna do prédio e juntas rezaram uma
Ave Maria em voz alta.
Na reunião semanal de avaliação e planejamento na beira do Guaíba,
face ao fato da Aparição acontecida que os polarizara nos comentários sobre a
semana, foi-lhes contada a história de outra aparição, acontecida em São Paulo
no ano de 1717, em plena época do Brasil colônia de Portugal, em tempos de
escravidão dos negros. Aqui se tratara também de aparição de uma santa, em tudo
semelhante à que aconteceu nos dias de hoje na cidade de Porto Alegre, bairro
arquipélago.
Enquanto aqui no sul, a imagem da santa veio dentro de uma
sacola de lixo, lá, há trezentos anos atrás, a estátua veio de dentro da água,
catada que foi através do arrastão de uma rede de três pobres pescadores. Do
mesmo jeito que aqui: uma estátua quebrada, em dois pedaços, cabeça separada do
corpo, esculpida em madeira e negra de rosto. Depois de um primeiro arrastão em
que viera o corpo, seguiu-se um segundo lançar de rede em que veio a cabeça que
faltava. A surpresa transformou-se em
admiração pela coincidência de a cabeça encaixar com perfeição no corpo. Tão
pequenina a cabeça e tão lépida em saltar para dentro de uma rede arrastada a
esmo.
Tamanha façanha dos pedaços em dois lances sucessivos, fez
com que os três rústicos pescadores descressem de diante de simples acaso. Um
presságio de algo maior os invadiu. Como as seis mulheres de hoje no Galpão de
Reciclagem de Porto Alegre, os três sentiram o senso do sagrado lhes saltar à
flor da pele. Sob forte impulsão espontâneo, lançaram a rede pela terceira vez
e... o milagre aconteceu: a rede voltou cheia de peixes.
Para almas simples de gente pobre, de profunda
religiosidade, estavam diante de uma intervenção do céu: daí um milagre porque
vindo do céu, totalmente incontrolável por leis da terra, mas algo vindo do além, ainda mais que haviam
varado a noite, lançando a rede dezenas de vezes sem colher coisa alguma. O
terceiro arrastão se impusera como gesto automático.
A rede voltou tão cheia de pescado, que só poderia mesmo ser
fruto da intervenção sobrenatural da santa aparição. Ele era mesmo milagrosa. Havia dado a
primeira demonstração do seu poder junto a Deus, o Pai dos pobres. Com sumo
respeito e admiração levaram a preciosa estátua, para a casa do mais velho dos
três. O acontecido se espalhou entre os vizinhos que fizeram questão de
contemplar a Santa com os próprios olhos, sobre o altarzinho improvisado de
Felipe Pedroso. Começaram a acender-lhe velas e a juntos rezar o terço do
rosário. Hoje, a Mãe Aparecida é a padroeira do Brasil. Todos os anos arrasta
multidões para o seu santuário na cidade de Aparecida do Norte.
Ouvida a história da aparição em São Paulo da Mãe Aparecida
das Águas, em plena época da escravidão negra no Brasil, fizeram todos os
catadores do Galpão da Ilha Grande em Porto Alegre a leitura do sinal dado pelo céu a eles, em meio a seus trabalhos de catação: A imagem de Maria, a Mãe do Homem Deus Jesus de Nazaré, não aguentara ser lixo jogado fora, no rio, porque lugar de
lixaredo não é
dentro da água que significa a origem e a
continuidade da vida da natureza, mas a fonte principal da poluição pior na
natureza. Viera com rosto e mãos negras, como resultado da poluição do rio
Paraíba, para o qual a população despejava, além dos esgotos, tudo o que
descartava como inútil.
Saltando para fora, toda enegrecida de tanto permanecer
dentro da água, em plena época de escravidão negra, ela a
Madrinha dos que não tem Madrinha na linguagem moderna do Negrinho do Pastoreio, vem nos
alertar que os queridos filhos negros, desrespeitados e feitos escravos, são
pessoas dignas como qualquer outra pessoa. Devem ser respeitados em sua cor,
sua cultura riquíssima e devem ser tratados como seres feitos
à imagem e semelhança
de Deus conforme ensina a Bíblia.
Bastou essa explicação e as mulheres catadoras da Ilha
Grande dos Marinheiros, dialogando entre elas fizeram a leitura do sinal de
hoje: A mesma mãe
Maria, hoje, aqui em nosso Galpão de
Reciclagem, apareceu de dentro do lixo a fim de nos ajudar dizendo para nós mulheres pobres, triplamente discriminadas pela sociedade,
como negras, pobres e como mulheres.
Maria, a Mãe e Madrinha dos catadores, quer que nos unamos
umas às outras como recicladoras. Ela mesma quis ser catada e reciclada porque
agora, retornada ao seu lugar de direito que é um altar, aqui mesmo dentro do
recinto em que trabalhamos. Nos revela também, na era em que o planeta terra
está doente pelo excesso de lixo descartado dentro dos cursos de água, que nós
somos os profetas da Ecologia e os médicas do planeta pelo fato de sermos
recicladores de resíduos sólidos que serão impedidos de aumentar a carga de
poluição dos mananciais.
Foi o que fizemos, no seguimento dos pescadores lá em São
Paulo que 1º cataram dois pedaços de resíduos sólidos de dentro do rio, com
isto aliviaram a carga poluente das águas, diminuindo a quantidade de
descartes; 2º reutilizaram os dois pedaços daquilo que foi considerado lixo e
jogado fora, porque com a cola uniram os dois pedaços em um novo objeto e 3º
porque reciclaram a totalidade da madeira achada, fazendo dela uma estátua
nova, que foi colocada sobre um altar e
serviu de convite à oração e ao cuidado com a natureza por parte de todas as
pessoas de fé cristã.
Os grandes meios de comunicação social, hoje dia 13 de
outubro, noticiam a multidão de peregrinos
mais de 300 mil que foram em romaria ontem, festa da Aparecida do Norte, no
estado de São Paulo. Nenhum deles noticiou a
Romaria das Águas que aconteceu aqui no Gasômetro, ponto culminante da Procissão Fluvial, bem como da
Romaria da Santa pelas cidades do Rio Grande do Sul, durante os dois últimos
meses. Qual a diferença entre o Profetismo da Mãe Maria, há trezentos anos no
longínquo São Paulo e o realizado aqui, em nossa cidade, que podemos apelidar
de Aparecida do Norte, pelo menos no dia 12 de outubro de cada ano.
Acrescente-se o fato verdadeiro atentado que está na
iminência de acontecer nesta nossa cidade em que os despoluidores do Guaíba
estão sob uma verdadeira espada de Dâmocles, prestes a cortar-lhes a profissão
de verdadeiros Profetas da Ecologia e Médicos do planeta, vítimas que serão em
breve da malsinada Lei das Carroças que lhes vai impedir de coletar resíduos
sólidos com suas carroças e carrinhos coletores de resíduos sólidos.
Fonte: Ihu
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