Para Margit Eckholt, é importante que as mulheres se façam
visíveis nos vários níveis da vida eclesial e que essa visibilidade venha do
reconhecimento dos serviços e cargos que elas assumem dentro da Igreja. A Igreja deve abrir espaços justamente para mulheres jovens, nos quais elas possam viver a sua fé segundo as suas próprias experiências. As formas vividas da fé, a linguagem da liturgia e da confissão devem reconquistar a fascinação de grande amor e amizade para as pessoas hoje, para que elas ‘deixem’ tudo e se coloquem no caminho de Jesus de Nazaré”.
Ao refletir sobre a contribuição das mulheres para a vida da
Igreja desde a época do Concílio Vaticano II até os dias de hoje, a teóloga
alemã Margit Eckholt destaca que “as imagens de mulheres ‘fora’ – na sociedade
e na cultura – e ‘dentro’ da Igreja se distanciaram tanto que é muito difícil
nos países europeus motivá-las para uma colaboração na Igreja. A Igreja perdeu
os seus trabalhadores durante o século XIX e no início do século XX; no século
XXI ela corre o risco de perder as mulheres”. Por isso, explica ela, na
entrevista que concedeu por e-mail para a IHU On-Line, a “questão das mulheres
é hoje ainda mais importante do que durante os tempos do Concílio. Trata-se de
um dos mais decisivos ‘sinais dos tempos’. A Igreja deve abrir espaços
justamente para mulheres jovens, nos quais elas possam viver a sua fé segundo
as suas próprias experiências. As formas vividas da fé, a linguagem da liturgia
e da confissão devem reconquistar a fascinação de grande amor e amizade para as
pessoas hoje, para que elas ‘deixem’ tudo e se coloquem no caminho de Jesus de
Nazaré”.
Margit Eckholt é professora de Teologia Dogmática e
Fundamental na Universidade de Osnabrück, Alemanha. Estudou teologia católica,
línguas românicas e filosofia na Universidade de Tübingen. Ela estará na
Unisinos participando como painelista do Congresso Continental de Teologia,
abordando o tema “O Concílio Vaticano II e as mulheres”. Saiba mais em
http://bit.ly/q7kwpT.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como foi o envolvimento das mulheres no percurso
do Concílio Vaticano II?
Margit Eckholt – Pela primeira vez num concílio da era
moderna participaram mulheres como convidadas e auditoras presentes. Paulo VI
nominou no dia 20 de setembro de 1964, para o terceiro período das reuniões do
Concílio, oito religiosas e sete mulheres presidentes de organizações
católicas – solteiras e enviuvadas – como “auditoras”. Durante o terceiro
período das reuniões se juntaram mais três mulheres, entre elas Marie Vendrik,
da Holanda, presidenta da associação mundial católica de mulheres jovens e
meninas, e durante o quarto período de reuniões mais cinco mulheres, entre elas
uma religiosa da Índia, uma segunda auditora alemã, a presidenta da associação
feminina católica alemã, Dra. Gertrud Ehrle, e agora também uma mulher casada,
a mexicana Luz-Marie Alvarez-Icaza, que foi nominada junto com o seu esposo.
Além disso, mais duas mulheres latino-americanas foram convocadas como
auditoras, a argentina Margarita Moyano Llerena, e a uruguaia Gladys
Parentelli. Dos relatórios das mulheres se destaca que as auditoras foram
tratadas como peritas e foram participantes superativas no acontecimento do
Concílio. Elas se encontraram em grupos de trabalho, se consultaram de maneira
engajada com os bispos e participaram em subco¬missões individuais, sobretudo
nas consultas do decreto sobre o apostolado dos leigos e da Constituição
Pastoral sobre a Igreja no mundo de hoje. A maioria das mulheres assumiu
tarefas de liderança nas organizações da Ação Católica, em associações católicas
de mulheres e congregações femininas; elas informaram intensivamente sobre os
desen¬volvi¬men¬tos do Concílio nas suas terras maternas; as duas associações
femininas católicas alemãs mantiveram informes regulares nas revistas das suas
associações sobre o Concílio.
IHU On-Line – Em sua análise, que perspectivas se abriram
para as mulheres a partir do Concílio?
Margit Eckholt – Na Igreja local da Alemanha – como também
na maioria das outras Igrejas da Europa e dos Estados Unidos – as mulheres
podiam se estabelecer em novas profissões como agentes comunitárias e
pastorais, ou assumir responsabilidades nas associações do catolicismo leigo. A
comunidade feminina católica e a associação feminina católica alemã convocaram
mulheres para a posição da conselheira espiritual. Na Suíça, mulheres formadas
como teólogas puderam assumir a liderança das comunidades. Assim também outras
mulheres pegaram tarefas de liderança em grêmios no nível diocesano, podendo
lidar no tribunal eclesial e nos escritórios pastorais. Os estudos da Teologia
e igualmente a carreira científica – o doutorado, o catedrático – estão abertos
às mulheres, que foram convocadas às cadeiras teológicas dentro das faculdades
ou aos institutos e academias.
IHU On-Line – Após 50 anos de abertura do Concílio, o que
ainda continua problemático para as mulheres em relação à Igreja? Por que elas
continuam excluídas dos espaços centrais de decisão na Igreja? Quais as
perspectivas?
Margit Eckholt – As imagens de mulheres “fora” – na
sociedade e na cultura – e “dentro” da Igreja se distanciaram tanto que é muito
difícil nos países europeus motivá-las para uma colaboração na Igreja. A Igreja
perdeu os seus trabalhadores durante o século XIX e no início do século XX; no
século XXI ela corre o risco de perder as mulheres. Por isso a “questão das
mulheres” é hoje ainda mais importante do que durante os tempos do Concílio.
Trata-se de um dos mais decisivos “sinais dos tempos”. A Igreja deve abrir
espaços justamente para mulheres jovens, nos quais elas possam viver a sua fé
segundo as suas próprias experiências. As formas vividas da fé, a linguagem da
liturgia e da confissão devem reconquistar a fascinação de grande amor e
amizade para as pessoas, hoje, a fim de que elas “deixem” tudo e se coloquem no
caminho de Jesus de Nazaré. Mulheres em papéis de liderança e coordenação na
Igreja são uma prova de sua autenticidade, independentemente se elas possam
imaginar um papel assim para si mesmas.
IHU On-Line – No atual contexto, como a Igreja pode superar
a visão de que as mulheres são apenas “ajudantes dos padres”? Como buscar, na
Igreja, uma participação igualitária e fraterna das mulheres?
Margit Eckholt – É importante que as mulheres se façam
“visíveis” nos vários níveis da vida eclesial – seja nas comunidades, nas
associações ou em nível administrativo diocesano, como catequistas ou
professoras. A visibilidade vem do reconhecimento dos serviços e cargos que as
mulheres assumem dentro da Igreja, e dos encargos oficiais dentro do contexto
das celebrações litúrgicas e comunitárias. Acima de tudo, inclui também a
promoção das mulheres nos papéis de liderança dentro da Igreja. Este é um
tema-chave no processo de diálogo na Igreja local na Alemanha, onde as mulheres
são gerentes de Caritas, juízas nos tribunais eclesiais e líderes dos centros
pastorais. A imagem de mulher como “ajudante” modifica-se a partir do momento
em que elas começam a lidar com grêmios importantes ou com grupos de trabalho.
IHU On-Line – Olhando para o âmbito da reflexão teológica,
como avalia a importância da teologia feminista ou de gênero, sobretudo nos
últimos 50 anos?
Margit Eckholt – A teologia feminista nasceu nos anos 1960 e
a partir dela desenvolveu-se uma hermenêutica crítica e libertadora como
expressão de protestos. Protestos estes que vão contra a não percepção das
vozes das mulheres dentro da Igreja e que negam os pontos antropológicos que
trazem uma hierarquia de gêneros, contradizendo, assim, a dignidade igualitária
de todos os seres humanos, base da nossa semelhança a Deus. Nas várias
disciplinas teológicas, na exegese, na história eclesial ou na teologia
sistemática, foram redescobertas as já esquecidas e marginalizadas tradições de
mulheres e, portanto, novas e libertadoras tradições de fé foram elaboradas.
Nos últimos anos, a teologia feminista recebeu novos impulsos a partir da
perspectiva de teoria diferenciada e de gênero; a nova categoria
científico-teórica da diversidade e os “estudos pós-coloniais” somam a teologia
feminista a outros pontos científicos interdisciplinares. A determinação do que
é “diferença”, ou seja, o que se entende por gênero é ligada ao pertencimento a
uma etnia específica, a uma posição social específica, a posições econômicas,
aos níveis de educação, etc.
IHU On-Line – Como a teologia feminista pode ajudar a Igreja
a avançar nas questões que envolvem a presença da mulher na Igreja?
Margit Eckholt – A teologia feminista pode ajudar tanto na
elaboração de uma nova reflexão sobre os temas “clássicos” da antropologia
teológica como na inclusão destes nas discussões sobre a igualdade entre os
gêneros e suas relações. O homem e a mulher foram criados por Deus, à Sua
imagem e semelhança (Gn 1,27). Sob a perspectiva bíblica e cristã é justamente
neste posicionamento em direção a Deus – à Sua imagem – que contém o critério
decisivo para o ser humano e assim tornar o homem e a mulher sujeitos. A
diferença e a igualdade têm as suas raízes aqui: se, por um lado, o homem e a
mulher na comunidade são marcados através desta tensão fertilizante de
diferença, por outro lado, encontra-se a crítica das estruturas que tem como
ponto de partida a igualdade e dignidade também igualitária frente à semelhança
a Deus. Parceria, participação e comunidade podem ser desenvolvidas através de
uma recepção da teologia feminista pelos homens.
Fonte: Ihu (Por: Graziela Wolfart e Luis Carlos Dalla Rosa | Tradução de Regina Reinart)
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