quinta-feira, 18 de outubro de 2012

A liderança de mulheres na Igreja: uma prova de sua autenticidade



Para Margit Eckholt, é importante que as mulheres se façam visíveis nos vários níveis da vida eclesial e que essa visibilidade venha do reconhecimento dos serviços e cargos que elas assumem dentro da Igreja. A Igreja deve abrir espaços justamente para mulheres jovens, nos quais elas possam viver a sua fé segundo as suas próprias experiências. As formas vividas da fé, a linguagem da liturgia e da confissão devem reconquistar a fascinação de grande amor e amizade para as pessoas hoje, para que elas ‘deixem’ tudo e se coloquem no caminho de Jesus de Nazaré”.

Ao refletir sobre a contribuição das mulheres para a vida da Igreja desde a época do Concílio Vaticano II até os dias de hoje, a teóloga alemã Margit Eckholt destaca que “as imagens de mulheres ‘fora’ – na sociedade e na cultura – e ‘dentro’ da Igreja se distanciaram tanto que é muito difícil nos países europeus motivá-las para uma colaboração na Igreja. A Igreja perdeu os seus trabalhadores durante o século XIX e no início do século XX; no século XXI ela corre o risco de perder as mulheres”. Por isso, explica ela, na entrevista que concedeu por e-mail para a IHU On-Line, a “questão das mulheres é hoje ainda mais importante do que durante os tempos do Concílio. Trata-se de um dos mais decisivos ‘sinais dos tempos’. A Igreja deve abrir espaços justamente para mulheres jovens, nos quais elas possam viver a sua fé segundo as suas próprias experiências. As formas vividas da fé, a linguagem da liturgia e da confissão devem reconquistar a fascinação de grande amor e amizade para as pessoas hoje, para que elas ‘deixem’ tudo e se coloquem no caminho de Jesus de Nazaré”.
 
Margit Eckholt é professora de Teologia Dogmática e Fundamental na Universidade de Osnabrück, Alemanha. Estudou teologia católica, línguas românicas e filosofia na Universidade de Tübingen. Ela estará na Unisinos participando como painelista do Congresso Continental de Teologia, abordando o tema “O Concílio Vaticano II e as mulheres”. Saiba mais em http://bit.ly/q7kwpT.
 
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como foi o envolvimento das mulheres no percurso do Concílio Vaticano II?
Margit Eckholt – Pela primeira vez num concílio da era moderna participaram mulheres como convidadas e auditoras presentes. Paulo VI nominou no dia 20 de setembro de 1964, para o terceiro período das reuniões do Concílio, oito religiosas e sete mulheres presidentes de organizações católicas – solteiras e enviuvadas – como “auditoras”. Durante o terceiro período das reuniões se juntaram mais três mulheres, entre elas Marie Vendrik, da Holanda, presidenta da associação mundial católica de mulheres jovens e meninas, e durante o quarto período de reuniões mais cinco mulheres, entre elas uma religiosa da Índia, uma segunda auditora alemã, a presidenta da associação feminina católica alemã, Dra. Gertrud Ehrle, e agora também uma mulher casada, a mexicana Luz-Marie Alvarez-Icaza, que foi nominada junto com o seu esposo. Além disso, mais duas mulheres latino-americanas foram convocadas como auditoras, a argentina Margarita Moyano Llerena, e a uruguaia Gladys Parentelli. Dos relatórios das mulheres se destaca que as auditoras foram tratadas como peritas e foram participantes superativas no acontecimento do Concílio. Elas se encontraram em grupos de trabalho, se consultaram de maneira engajada com os bispos e participaram em subco¬missões individuais, sobretudo nas consultas do decreto sobre o apostolado dos leigos e da Constituição Pastoral sobre a Igreja no mundo de hoje. A maioria das mulheres assumiu tarefas de liderança nas organizações da Ação Católica, em associações católicas de mulheres e congregações femininas; elas informaram intensivamente sobre os desen¬volvi¬men¬tos do Concílio nas suas terras maternas; as duas associações femininas católicas alemãs mantiveram informes regulares nas revistas das suas associações sobre o Concílio.
 
IHU On-Line – Em sua análise, que perspectivas se abriram para as mulheres a partir do Concílio?
 Margit Eckholt – Na Igreja local da Alemanha – como também na maioria das outras Igrejas da Europa e dos Estados Unidos – as mulheres podiam se estabelecer em novas profissões como agentes comunitárias e pastorais, ou assumir responsabilidades nas associações do catolicismo leigo. A comunidade feminina católica e a associação feminina católica alemã convocaram mulheres para a posição da conselheira espiritual. Na Suíça, mulheres formadas como teólogas puderam assumir a liderança das comunidades. Assim também outras mulheres pegaram tarefas de liderança em grêmios no nível diocesano, podendo lidar no tribunal eclesial e nos escritórios pastorais. Os estudos da Teologia e igualmente a carreira científica – o doutorado, o catedrático – estão abertos às mulheres, que foram convocadas às cadeiras teológicas dentro das faculdades ou aos institutos e academias.
 
IHU On-Line – Após 50 anos de abertura do Concílio, o que ainda continua problemático para as mulheres em relação à Igreja? Por que elas continuam excluídas dos espaços centrais de decisão na Igreja? Quais as perspectivas?
Margit Eckholt – As imagens de mulheres “fora” – na sociedade e na cultura – e “dentro” da Igreja se distanciaram tanto que é muito difícil nos países europeus motivá-las para uma colaboração na Igreja. A Igreja perdeu os seus trabalhadores durante o século XIX e no início do século XX; no século XXI ela corre o risco de perder as mulheres. Por isso a “questão das mulheres” é hoje ainda mais importante do que durante os tempos do Concílio. Trata-se de um dos mais decisivos “sinais dos tempos”. A Igreja deve abrir espaços justamente para mulheres jovens, nos quais elas possam viver a sua fé segundo as suas próprias experiências. As formas vividas da fé, a linguagem da liturgia e da confissão devem reconquistar a fascinação de grande amor e amizade para as pessoas, hoje, a fim de que elas “deixem” tudo e se coloquem no caminho de Jesus de Nazaré. Mulheres em papéis de liderança e coordenação na Igreja são uma prova de sua autenticidade, independentemente se elas possam imaginar um papel assim para si mesmas.
 
IHU On-Line – No atual contexto, como a Igreja pode superar a visão de que as mulheres são apenas “ajudantes dos padres”? Como buscar, na Igreja, uma participação igualitária e fraterna das mulheres?
Margit Eckholt – É importante que as mulheres se façam “visíveis” nos vários níveis da vida eclesial – seja nas comunidades, nas associações ou em nível administrativo diocesano, como catequistas ou professoras. A visibilidade vem do reconhecimento dos serviços e cargos que as mulheres assumem dentro da Igreja, e dos encargos oficiais dentro do contexto das celebrações litúrgicas e comunitárias. Acima de tudo, inclui também a promoção das mulheres nos papéis de liderança dentro da Igreja. Este é um tema-chave no processo de diálogo na Igreja local na Alemanha, onde as mulheres são gerentes de Caritas, juízas nos tribunais eclesiais e líderes dos centros pastorais. A imagem de mulher como “ajudante” modifica-se a partir do momento em que elas começam a lidar com grêmios importantes ou com grupos de trabalho.
 
IHU On-Line – Olhando para o âmbito da reflexão teológica, como avalia a importância da teologia feminista ou de gênero, sobretudo nos últimos 50 anos?
 Margit Eckholt – A teologia feminista nasceu nos anos 1960 e a partir dela desenvolveu-se uma hermenêutica crítica e libertadora como expressão de protestos. Protestos estes que vão contra a não percepção das vozes das mulheres dentro da Igreja e que negam os pontos antropológicos que trazem uma hierarquia de gêneros, contradizendo, assim, a dignidade igualitária de todos os seres humanos, base da nossa semelhança a Deus. Nas várias disciplinas teológicas, na exegese, na história eclesial ou na teologia sistemática, foram redescobertas as já esquecidas e marginalizadas tradições de mulheres e, portanto, novas e libertadoras tradições de fé foram elaboradas. Nos últimos anos, a teologia feminista recebeu novos impulsos a partir da perspectiva de teoria diferenciada e de gênero; a nova categoria científico-teórica da diversidade e os “estudos pós-coloniais” somam a teologia feminista a outros pontos científicos interdisciplinares. A determinação do que é “diferença”, ou seja, o que se entende por gênero é ligada ao pertencimento a uma etnia específica, a uma posição social específica, a posições econômicas, aos níveis de educação, etc.
 
IHU On-Line – Como a teologia feminista pode ajudar a Igreja a avançar nas questões que envolvem a presença da mulher na Igreja?
Margit Eckholt – A teologia feminista pode ajudar tanto na elaboração de uma nova reflexão sobre os temas “clássicos” da antropologia teológica como na inclusão destes nas discussões sobre a igualdade entre os gêneros e suas relações. O homem e a mulher foram criados por Deus, à Sua imagem e semelhança (Gn 1,27). Sob a perspectiva bíblica e cristã é justamente neste posicionamento em direção a Deus – à Sua imagem – que contém o critério decisivo para o ser humano e assim tornar o homem e a mulher sujeitos. A diferença e a igualdade têm as suas raízes aqui: se, por um lado, o homem e a mulher na comunidade são marcados através desta tensão fertilizante de diferença, por outro lado, encontra-se a crítica das estruturas que tem como ponto de partida a igualdade e dignidade também igualitária frente à semelhança a Deus. Parceria, participação e comunidade podem ser desenvolvidas através de uma recepção da teologia feminista pelos homens.

Fonte: Ihu  (Por: Graziela Wolfart e Luis Carlos Dalla Rosa | Tradução de Regina Reinart)

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