Muito se discute, atualmente,
sobre o papel feminino na sociedade. As mulheres têm conquistado cada vez mais
espaços e as relações estão se tornando mais complexas, para não dizer
conflituosas. A mulher quer respeito, mas a sociedade em geral ainda não consegue
atender a esse pedido por não reconhecer como assédio a cantada, ou o “elogio”
que homens fazem a mulheres sobre partes do seu corpo.
Por Andreia Nobre,
Historicamente, a mulher foi
relegada a papeis secundários por razões ainda não muito bem estabelecidas. É
muito fácil perceber que seus direitos fundamentais são totalmente
desrespeitados em sociedades conservadoras. Conservadoras porque os homens
querem conservar privilégios? É uma maneira de ver a situação.
A cantada é um privilégio
masculino. Por que? Ela não é ensinada às mulheres. As mulheres, convenhamos,
não são exatamente ensinadas à ir para um bar à noite com as amigas para
“caçar”. Não são ensinadas a ficar paradas na porta de um café, por exemplo,
olhando os homens que passam, e dizendo para eles como esta ou aquela parte do
corpo deles é linda. Não é que os homens tenham “aula” de cantada. Mas eles
aprendem e são incentivados a reproduzir esse comportamento observando quem já
faz. E muitos homens dão cantadas em todos os tipos de situação e lugar.
Muitos homens, mas muitos mesmo,
têm muita dificuldade em entender como pode um “elogio” ser considerado
assédio. Eles consideram que não há nada demais em dizer a uma mulher que ela é
linda. Na verdade, eles ficam ofendidos se a gente não aceita ser, segundo
eles, “elogiada”.
Essa concepção pode ser mais
facilmente compreendida quando a gente transfere esses “elogios” tão comuns a
determinadas situações, onde vemos o quanto ofensivos eles podem ser. Para quem
não conseguiu ainda perceber como funciona, faça o teste mental das “pernas”.
Pernas não são “órgãos sexuais”, correto? Então, a princípio, não tem nada
demais “elogiar” as pernas de alguém. Perfeito. Agora, saia de onde estiver,
chegue perto da primeira pessoa que vir (não precisa nem ser só homem não, as
mulheres podem fazer também) e diga: que pernas bonitas você tem!
Ficou estranho ou não? Pois bem,
não precisa ser para um desconhecido. Faça com um amigo ou amiga. Também não
soou legal? Tá. Agora tenta com um irmão, irmã, mãe, pai… Ficou pior? Ok. Faça
com o namorado, companheiro, marido. Aí não teve olhares estranhos,
desconforto? Não deu muito problema? Pois é. É porque a cantada, ou um elogio a
partes do corpo de alguém, pressupõe imediatamente uma atração sexual.
Agora, tente compreender como uma
mulher se sente quando ela olha ou aborda um homem, querendo uma relação não
sexual, como estar falando com um vendedor que a atende enquanto ela escolhe
algo, um professor numa pergunta em sala de aula, um policial a quem pede
orientação, ou simplesmente está saindo de casa, olhando para o relógio, e do
nada um homem chega perto e diz: que pernas lindas!
A cantada ou elogio a partes do
corpo deve ser consensual. Nenhum homem deve assumir, e devemos passar a
ensinar isso aos nossos filhos também, que todas as mulheres têm como único
objetivo na vida a aprovação do seu corpo pelos homens. Porque muitos assumem
isso. O fato que me levou a escrever esse artigo hoje foi o caso de uma pessoa
com quem tenho contato virtual. Ela é mãe de uma menininha de 4 anos. Elas
estavam à espera do sinal de trânsito abrir para atravessar uma rua e um
senhor, que é seu vizinho, a abordou para dizer: (referindo-se à menina) “ela
tem pernas lindas para a idade dela. Eu estava observando ela andar”.
Muitas pessoas vieram dizer que
esse senhor não disse nada demais. Ele estava apenas fazendo um “elogio” à
menina e não deve ser punido ou repreendido. Discordo veementemente. Esse
senhor praticou assédio. Ele assediou uma menina de 4 anos de idade. Ela não tem
nenhuma necessidade de ser sexualizada agora. A crítica principal é à falsa
noção de que meninas crescem mais rápido do que os meninos. Perpetua-se esse
mito para que se possa justificar pedofilia. Na dúvida, remeta aos inúmeros
casos de assédio sexual de menores onde os abusadores acusam crianças de 5 ou 6
anos de os terem provocado, ou de terem pedido sexo.
Em resumo, cantadas e elogios a
partes do corpo, mesmo que não sexuais, que não forem solicitados ou
consensuais, são assédio sexual porque causam constrangimento. Principalmente
pelo fato de que as mulheres não são apenas corpo. Nós também temos outras
capacidades fantásticas. Abordem-nos com respeito e perguntem. Perguntem sobre
nossas habilidades, falem das suas, vamos dialogar de forma saudável. Vocês vão
se surpreender de como somos capazes. E não. As mulheres que estão se exibindo
na praia também têm o direito de se exibir e até mesmo de se jogar em cima dos
homens, pedir sexo e depois desistir do ato no meio da parada.
Também não assuma que você tenha
o direito de falar de sexo com ninguém só porque vocês tiveram sexo antes e ela
te disse oi novamente numa rede social. E muito menos que você tem esse direito
porque ela está vendendo algo na net. Em outro caso, um homem revelou que criou
um perfil falso para vender jogos como se fosse uma mulher. Ele contou que
todos os homens que o procuraram mandaram cantadas não solicitadas e ele se
sentiu muito ofendido por alguém estar deturpando a relação estabelecida em
moldes não sexuais.
Elogie capacidades, habilidades,
feitos de forma não solicitada e à revelia, por favor. Mas não elogie partes do
corpo de quem você não sabe que está disposta a aceitar esse tipo de
intimidade. Os homens têm que compreender que todas as mulheres merecem
respeito e que você tem que perguntar antes se ela está interessada em ter
intimidade com você. Não dá para assumir mais que todas as mulheres gostam de
ser elogiadas por partes do seu corpo a todo o momento e em todas as situações.
Vamos atualizar isso aí.
*”A importunação ofensiva ao
pudor é uma contravenção penal passível de multa conforme artigo 61 da Lei
3.688/41. A conduta de dizer coisas desagradáveis e/ou invasivas (as famosas
“cantadas”) ou fazer ameaças também são formas de agressão e devem ser coibidas
e denunciadas.”
*Retirado da página “Assistência
Jurídica das Minas”
Fonte: HuffPost Brasil
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