segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Assédio no trabalho é pesadelo para 36% das brasileiras

No passado, Gabriela foi constantemente minada em sua autoestima por uma chefe, mas não denunciou; ela acredita que hoje agiria de outra forma
Medo de se expor, de perder o emprego e a dificuldade de recolher provas contundentes são as principais causas do silêncio em relação às agressões de cunho sexual. No país, apenas 10% das mulheres teriam coragem de denunciar.

Piadas aparentemente inofensivas, comentários desagradáveis, pedidos que vão além da função para o cargo, acúmulo de afazeres. Cantadas ou insinuações constantes, de cunho sensual ou sexual, sem que a vítima as deseje, realizadas de forma explícita ou sutil. Todas essas ações acontecem frequentemente em ambientes de trabalho com vítimas que são, na maioria dos casos, mulheres.

No passado, acreditava-se que a mulher tinha nascido para servir ao sexo oposto e a ele se submeter. As diferenças de gênero no plano social, marcadas por costumes herdados de civilizações antigas, continuam presentes na atualidade. Com a entrada da mulher no mercado de trabalho, vários aspectos dessa discriminação ainda se manifestam, e de forma cruel: não bastassem os menores salários recebidos pelas mulheres, não é incomum o ato de sofrer qualquer tipo de assédio nesse ambiente.

Recentemente, a Ipsos – terceira maior empresa de pesquisa e de inteligência de mercado do mundo –, realizou um levantamento global sobre os problemas enfrentados pelas mulheres no ambiente do trabalho. Foram ouvidas cerca de 500 delas nos países integrantes do G-20 (as 19 economias mais desenvolvidas do mundo e a União Europeia), todas inseridas no mercado de trabalho. Os dados divulgados mostraram que, no Brasil, 36% já sofreram assédio. Nesse universo, apenas 10% afirmaram que teriam coragem de relatar o caso e denunciar os agressores.

Denúncia x provas. Apesar da facilidade de realizar uma denúncia, 90% das mulheres não têm coragem de relatar o caso, de acordo com a Ipsos. Isso acontece devido à dificuldade de recolher provas relacionadas aos abusos – em sua maioria comentários e propostas feitos informalmente, como conversas “de corredor” –, ao medo de se expor e, claro, de perder o emprego.

É o caso da bancária Mariana de Albuquerque. Ela conta que trabalhava em uma agência pequena e que era a única funcionária mulher. O gerente de negócios da unidade, cotidianamente, dirigia a ela palavras grosseiras relacionadas a sexo.

“Esse comportamento foi minando minha autoestima. Fui me deprimindo e acabei sendo afastada do trabalho por 120 dias. O gerente espalhou na agência que eu queria ter relações sexuais com ele, mas, como ele não me quis, eu acabei ficando deprimida”, relata. Na ocasião, ela não procurou a Polícia Civil para denunciar o caso – entretanto, o sindicato da categoria foi acionado, e o gerente foi transferido para outra agência.

O artigo 216 do Código Penal define que assédio é “constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico”. Mas o presidente da Comissão de Assuntos Penitenciários da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG), Anderson Marques, explica que, para denunciar, é preciso ter provas que certifiquem a veracidade do depoimento da vítima. “É preciso que a mulher conte com testemunhas, por exemplo. É importante recolher e-mails, mensagens de celular, gravação telefônica ou qualquer outro registro”.

Ele explica que, para denunciar, é preciso procurar a Polícia Civil . Em seguida, o delegado envia o caso ao Ministério Público, que segue com o processo. “A vítima tem até seis meses para fazer a denúncia. É a melhor maneira para acabar com esse tipo de conduta. As mulheres tendem a ficar caladas por medo, mas isso precisa mudar”, defende.

Dano moral: outro problema recorrente em ambientes corporativos

De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o assédio moral acontece quando há a exposição dos trabalhadores a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho e no exercício das suas funções.

O presidente da Comissão de Assuntos Penitenciários da OAB-MG, Anderson Marques, explica que tanto homens quanto mulheres estão suscetíveis a sofrer assédio moral, mas que esse tipo de perseguição acontece mais com as mulheres. “A sociedade a vê como subordinada. É mais comum que elas sofram com esse tipo de assédio”, revela.

Foi o que aconteceu com a estudante Gabriela Silva (nome fictício). Aos 16 anos, ela estava contratada como “pequena aprendiz” em uma empresa terceirizada que prestava serviços a um órgão público do Estado. Na época, era obrigada a realizar atividades que iam além das suas funções e que eram recorrentes, como fazer café, pagar contas pessoais da chefia, levar óculos e outros objetos para fora da empresa e comprar lanches, entre outras coisas. Como essas atividades acabavam tomando o tempo da estudante, ela começou a receber críticas por não realizar o seu trabalho da melhor maneira possível.

Depois de uma série de abusos, Gabriela foi responsabilizada pelo sumiço de um documento importante. Ao tentar se defender das acusações, foi dito à garota que ela estava com “problemas psicológicos comuns aos adolescentes”.

“O que me indignava era o fato de que nunca havia feito nada para receber tal tratamento, tanto que em meu setor todos ficavam chocados com essas atitudes”, lamenta. Gabriela diz que desistiu de denunciar os abusos por se sentir impotente diante da situação. “Cheguei a falar dos abusos com a pessoa que era hierarquicamente superior à minha chefe, mas nada foi feito”.


Fonte: O Tempo

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