quinta-feira, 5 de novembro de 2015

As adolescentes são minhas novas heroínas

"Hoje me inspiro em quem chegou depois: em jovens mulheres, meninas e adolescentes"
A consciência e coragem das garotas de hoje são uma inspiração na luta das mulheres por mais espaço na sociedade.

por Aline Valek

Geralmente são as pessoas mais velhas que servem de inspiração às mais novas; são uma referência, alguém para copiar e seguir. Eu olho para trás e vejo mulheres incríveis que lutaram, criaram e empreenderam, sem as quais minha própria história teria sido diferente. Suas histórias me inspiram a avançar mais uma casa nesse grande jogo de tabuleiro que é a vida.

Mas hoje também é correto dizer que me inspiro em quem chegou depois: em jovens mulheres, meninas e adolescentes. Vocês podem ser novas, podem nem ter saído do colégio ainda, ter um gosto musical do qual vão se arrepender alguns anos no futuro (eu sei, já passei por isso), mas vocês já me inspiram.

Sou mais velha que vocês uns dez anos, ou até mais, o que só me deixa surpresa e admirada ao observar o que vocês fazem e como vocês pensam. Não surpresa do tipo que chega à conclusão “essa geração está perdida!” – porque as pessoas envelhecem e de repente começam a enxergar através de lentes que superestimam o passado –, mas surpresa do tipo “nessa idade eu não era tão consciente assim!”.

Minha mãe, que é professora do Ensino Fundamental numa escola pública, esses dias me contou que levou a turma para um passeio no museu do TCU, em Brasília, onde os alunos aprenderam sobre a história do lugar e também sobre os principais acontecimentos da história do Brasil. Ao final do passeio, o monitor abriu espaço para as perguntas das crianças e a primeira a levantar a mão foi uma garota.

“Por que não tem mulheres na história do museu?”, ela perguntou. A menina tinha 9 anos. Imagina se eu teria essa percepção e essa coragem de questionar a ausência de mulheres com essa idade? 9 anos, sabe.

Estudantes durante o Enem, realizado nos dias 24 e 25 de outubro (foto: Wiki Commons)

A pergunta acabou suscitando uma discussão sobre machismo que envolveu toda a turma. Os meninos até tentaram rebaixar as colegas, ao dizer que “mulher era tudo folgada”, mas elas não deixaram barato e argumentaram, respondendo que “folgado” era homem que não dividia as tarefas domésticas. Sério, como não amar?
As alunas da minha mãe ainda são muito novas, mas tenho certeza que elas teriam muito a dizer no tema da redação do ENEM deste ano: a persistência da violência contra as mulheres no Brasil.

Na época em que eu fiz o ENEM pela primeira vez, eu não teria repertório e clareza o suficiente para dissertar sobre o tema, enquanto imagino que muitas de vocês sambaram & lacraram na prova, porque falar sobre a questão não é nenhuma novidade para vocês. Vocês têm amplo acesso à informação sobre o tema, discutem sobre isso na internet e até escrevem textões em seus blogs e perfis do FB, com a eloquência de quem tem domínio sobre o assunto.

Tenho leitoras de 15 anos que já se consideram feministas, enquanto nessa idade o máximo que eu podia me dizer era fã de Backstreet Boys.

Se vocês aprenderam depressa e são muito mais adiantadas em relação à adolescente que eu fui, não é por causa daquele velho papo de “mulheres amadurecem mais rápido”, que vocês até devem saber que é um discurso que mascara o fato de que meninas recebem mais responsabilidades desde muito cedo e precisam conviver desde muito novas com o abuso e a violência – sabiam que, em média, meninas sofrem seu primeiro assédio com 9 anos de idade? – , mas sim porque vocês têm muito mais acesso à informação do que eu tive. Informação para dizer “não”. Informação para pisotear em cima de velhos discursos. Informação para começar a mudar o jogo.

Vocês devem conhecer a Katniss, certo? Heroína de Jogos Vorazes, ela é uma jovem que inicia uma revolução – e que me faz lembrar de vocês quando ouço todas essas histórias de garotas reais questionando, buscando informação, mobilizando as amigas, a escola, organizando atos, debatendo, escrevendo textos e cartazes, se recusando a serem diminuídas e caladas. E ainda tem gente que duvida de histórias protagonizadas por adolescentes, que não acredita que uma Katniss pudesse realmente ser o símbolo de uma revolução; tá faltando olhar um pouco mais para a realidade, né?


A heroína Katniss, da série Jogos Vorazes, inicia uma revolução

Porque na nossa realidade as heroínas têm a internet como super-poder: é a ferramenta que vocês usam para se conectar e se informar, para compartilhar empoderamento, para terem voz.

É preciso muita coragem para se posicionar nesse mundo onde a violência também está a um clique ou a uma caixa de comentários de distância. Mesmo assim, vocês se posicionam, vocês questionam e passam adiante o que aprendem, numa iniciativa poderosa de fazer outras meninas despertarem para essas questões e para as próprias qualidades, negadas por um mundo autoritário e machista.

Vocês têm essa coragem dentro de si e me inspiram a também tê-la. Vocês me inspiram não por terem as respostas prontas, mas pela coragem de fazer as perguntas.

Acho que o mundo precisa ficar de olho em vocês; não só porque vocês têm todo esse potencial, não só porque esse entusiasmo e senso crítico são inspiradores, mas porque, acima de tudo, olhar para vocês é olhar para a frente, para o futuro. E é por esse futuro com mais oportunidades para meninas como vocês que a gente precisa lutar. Vamos juntas?


Fonte: Carta Capital

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