sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Trabalhadoras sexuais na Costa Rica: ‘tenho direito a ser feliz, seja o que eu for’

A discriminação e estigmatização, além da violência e dos riscos à saúde, são parte da dura realidade que enfrentam as mulheres dedicadas à atividade sexual, hostilidade que vem da sociedade, em geral e em particular dos homens, e, em alguns casos, das famílias das próprias trabalhadoras.


Enfrentando a forma historicamente preconceituosa como são vistas pela sociedade, as mulheres trabalhadoras sexuais da Costa Rica querem fazer-se visíveis na legislação do país. Para isso, líderes do setor decidiram apresentar à Assembleia Legislativa – Parlamento unicameral de 57 integrantes – um projeto de lei que reconhece seus direitos como trabalhadoras regulares.

A ideia é que tenham acesso à seguridade social como trabalhadoras sexuais e que o Estado pague pela seguridade social nos casos de colegas idosas em pobreza extrema, com o objetivo de proporcionar às mulheres dedicadas a essa atividade o acesso aos necessários serviços de saúde, levando em conta que seu trabalho é um dos de maior risco.

O projeto – que atualmente está sendo redigido – é inovador, mas o processo legislativo poderá ser uma batalha difícil, considerando a resistência dos deputados mais conservadores, um bloco que inclui legisladores dos diversos partidos cristãos, tal como apontaram as lideranças da Associação de Trabalhadoras e Ex-Trabalhadoras do Sexo "La Sala” às Notícias Aliadas.

O grupo – cujo lema é "trabalhadoras e ex-trabalhadoras sexuais lutando por nossos direitos” – também está focado em promover a saúde preventiva entre essas trabalhadoras, assim como entre seus clientes, e inclui o diálogo e a distribuição de preservativos tanto para homens quanto para as mulheres.

A campanha de prevenção do HIV é dirigida, principalmente, mas não exclusivamente, para integrantes de La Sala, e teve êxito em conseguir que a Aids desaparecesse de seus registros. Dentro da organização, "não há trabalhadoras sexuais com HIV”, assegurou a coordenadora geral Nubia Ordóñez.


A ideia é ampliar a iniciativa a outras populações com maior risco de contraírem o HIV e chegar à comunidades tão diversas como as mulheres transgêneros ou trans, e homens que fazem sexo com outros homens.

Apoio solidário

Uma grande prioridade para La Sala é apoiar as colegas em situação de carência socioeconômica, em particular mulheres de 40 anos ou mais, tal como indicou Ordóñez e a porta-voz da organização, Grettel Quirós.

A discriminação e estigmatização, além da violência e dos riscos à saúde, são parte da dura realidade que enfrentam as mulheres dedicadas à atividade sexual, hostilidade que vem da sociedade, em geral e em particular dos homens, e, em alguns casos, das famílias das próprias trabalhadoras.

Quirós revelou que algumas decidem ocultar sua atividade de suas famílias, incluindo pais, mães e filhos, disfarçando-se, enquanto outras são abertas, como informou Yamilith Galeano e Ordóñez, respectivamente.

Em relação ao primeiro grupo, Ordóñez disse que Galeano preferiu dissimular pelo "medo do estigma e da discriminação que ela tinha de sua família”, acrescentando que "não há nada pior que viver escondida”.

"Eu sou trabalhadora sexual, mas, no meu caso, nunca se deram conta de que eu era trabalhadora sexual na família e, agora, eu penso: Se sabem, se fazem de tolos, pois nunca se deram conta”, expressou Galeano às Notícias Aliadas.

"Mas eu sempre saí para trabalhar para que meus filhos me respeitassem, então, dizia que trabalhava em um hotel, de seis às oito da tarde, e me vestia, digamos, com uma blusa branca e uma saia preta”, acrescentou. "No entanto, não sabiam”.

"O que acontece é que, na minha casa, há muito preconceito, talvez, sejam um bando de santos. Tenho um irmão que é pastor, o único que tenho”, explicou Galeano. "Mas sinto que foi um erro que eu cometi. Eu, agora, vejo minhas companheiras, e as invejo – é inveja da boa – porque eu digo: ‘puta, por que não fiz o mesmo que elas fizeram?’ Ou seja, se destampou a panela, se descobriu, e vão rotular, pois que rotulem de uma vez”.

"Mas, nesse meu caso, seria pior. Porque observe você: Se se dão conta, agora, imagine, me poriam no olho da rua e, talvez, até me queimariam”, disse.

Na sombra


Trabalhar na clandestinidade "é uma coisa que vai te acompanhar sempre. E se se dão conta? E se alguém me viu e disse à minha filha? Então, essas são coisas que irá carregar para sempre”, destacou.

A respeito da possibilidade de ser sincera com seus filhos, Galeano disse que acredita que era muito tarde, embora, "com o trabalho sexual, lhes deu estudos, graças a Deus”. Acrescentou que sua filha "já está muito velha, tem 36 anos. Ela sabe que eu trabalho aqui, com as trabalhadoras sexuais. O que não sabe é que eu sou uma também”.

Quirós, que se expressa de maneira direta, colorida e com humor, assegura que "sou pública”. "Eu tive cinco filhos. Desde pequenos sabiam o que fazia para poder dar-lhes de comer”.

Dias antes da entrevista às Notícias Aliadas, "um filho meu me chamou e disse: ‘Mamãe, estou muito orgulhoso de você”.

"Minha filha foi a primeira presidenta [de La Sala]”, durante cinco meses, afirmou Quirós. "Ela foi trabalhadora, mas saiu do trabalho sexual e, agora, conserta motos e carros”.

Assim como Galeano, Quirós mencionou o sofrimento "porque eu via minhas amigas ou as conhecidas, com seu esposo e sua família perfeita, e eu dizia: Mas como eu não posso ter isso? Por que eu tive que criá-los sozinha? Onde está o pai? Por que eu não tenho essa familia tão bonita? Eu deixei o pai. Tive cinco filhos e lhe disse: ‘basta’ e me voltei para o trabalho sexual”. Sua decisão resultou em alcoolismo e outras coisas. "Foi terrível”.

"Quando eu chego aqui [em La Sala], me salvam a vida e me dizem que eu tenho direito a ser feliz, seja como eu for”, complementou.

A moral de sua história, em suas palavras, é que "esses casais que eu invejava, todos se divorciaram. Ou seja, eu sou a sortuda porque cheguei a casar com um cliente”.


Fonte: Adital

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