Érica, que teve parto normal, e o filho. / VICTOR MORIYAMA
Estado e sociedade fazem muito
para desestimular as mulheres que desejam ter filhos.
O Brasil costumava ser o país do
futebol e também das grandes famílias, mas, ao que tudo indica, não será por
muito mais tempo. A bola rolava para nós melhor no passado, assim como era
maior a vontade das nossas mulheres de se reproduzir e ter filhos. Maior
escolaridade e novos modelos de família (e de como ser mulher) explicam parte
da queda, mas o Dia das Mães merece reflexão ampla sobre os motivos pelos quais
a maternidade está deixando de ser atraente, como indica a atual taxa de
fecundidade do país: 1,9 filhos por mulher, segundo dados do último censo,
realizado em 2010 (contra 2,4 no censo anterior, em 2000, e abaixo da taxa de
reposição, que é de 2,1). Por que tanto pessimismo?
Na verdade, poderíamos dizer que
as brasileiras estão apenas sendo realistas. Do começo ao fim do projeto de se
ter um filho, o país responde mal às necessidades e aos desafios da
maternidade. E, quando acena positivamente com leis equilibradas e condições
adequadas para o amparo de um filho, elas são mal aplicadas ou é a sociedade
quem demonstra não simpatizar com as crianças e suas mães. Vide os constantes
abusos da publicidade infantil, empresas que não oferecem a menor condição das
mães estarem um tempo em casa para assumir a educação de seus filhos e outras
incongruências mais. No Brasil, a maternidade e a infância simplesmente não são
prioridade, ainda que digam respeito ao ser humano.
O problema começa no parto, em
que somos campeões mundiais de cesáreas, com 84% dos nascimentos por via
cirúrgica na rede privada (na rede pública, a taxa é de 40%). O recomendado
pela Organização Mundial de Saúde é 15%, e, diante da cruel discrepância, o
Ministério da Saúde fala em “epidemia”, analisando os porquês da desvalorização
do parto normal por aqui. É provável que já tenham escutado que muitos médicos
indicam a cesárea, pensando não naqueles casos em que a cirurgia é de fato
necessária, mas nos baixos valores pagos pelos convênios para que eles gastem
horas de suas agendas esperando a evolução natural das contrações de uma
parturiente – e sem ponderar os inconvenientes. Sem falar na chamada violência
obstétrica, da qual mulheres são vítimas diariamente em consultórios e
hospitais das redes pública e privada de saúde. Segundo dados da uma pesquisa
realizada pela Fundação Perseu Abramo em 2010, estima-se que uma em cada quatro
mulheres sofra algum tipo de violência durante o parto.
Mas digamos que a etapa do
nascimento seja facilmente superada. Então logo vem as decisões relacionadas à
nova rotina familiar, envolvendo creches públicas (com carência de vagas e,
frequentemente, falta de recursos) ou escolinhas particulares (com mensalidades
estratosféricas, sobretudo nas grandes cidades). A mulher se vê obrigada a
escolher uma saída dentro um espectro de soluções inadequadas, porque assim, ao
decidir tirar o filho de casa e ir trabalhar, ao menos defende seu lugar no
mercado de trabalho. Para ganhar menos que os homens, é verdade, caso ela não
prefira desistir logo da carreira. Segundo dados do IBGE, no primeiro trimestre
de 2015, a taxa de desemprego entre as mulheres foi de 9,6%, maior do que a
total no período, que foi de 7,9%. Entre os homens, a taxa foi de 6,6%, ainda
que, segundo o estudo divulgado no último dia 7 de maio, há mais mulheres do
que homens com idade para trabalhar.
Dizem, de qualquer modo, que as
brasileiras são guerreiras e não se furtam à luta. Com seus salários em
patamares inferiores do que os masculinos, mesmo que ocupam a mesma posição dentro
de um organograma, elas têm então que comprar comida – de preferência,
alimentos orgânicos, para evitar que seus filhos ingiram uma média de cinco
litros de veneno por ano – e tomar as decisões de consumo dentro de casa. Seja
porque elas têm US$ 28 trilhões nas mãos, segundo dados globais do Boston
Consulting Group e de publicações como a Harvard Business Review, ou porque os
maridos saíram de casa e as deixaram criando as crianças sozinhas.
Para manter seus filhos dentro de
parâmetros de sanidade não só física como mental, elas devem também lutar
contra o excesso de tecnologia e os exageros da publicidade infantil, que acena
de todos os lugares "com cores e sons para crianças sem capacidade de
julgamento formada”, ainda que isso seja ilegal, como bem colocou Mariana Sá,
cofundadora do Movimento Infância Livre do Consumismo (Milc) e membro da Rede
Brasileira Infância e Consumo (Rebrinc).
A opção cada vez mais presente
entre os brasileiros de não ter filhos não só indica uma ameaça ao equilíbrio
da economia do Brasil, mas também um cenário cada vez mais sombrio para a
maternidade. Na opinião de Raquel Marques, presidente da Artemis, organização
que representa os direitos das mulheres, “não é vantajoso ter filhos hoje”. “A
maternidade está restrita à vida privada, e isso torna tudo muito oneroso, em
vários sentidos. Já não existe o apoio de antes da família, e o homem não tem
as mesmas chances de se afastar do trabalho para ajudar a cuidar de uma criança.
As licenças são curtas, as escolas são caras, e há preconceito no mercado de
trabalho contra a mulher, para o qual uma mãe é um problema”, opina.
As esperanças parecem ser poucas,
especialmente quando em pleno 2015 o melhor que pode ocorrer à mente de um
publicitário que – provavelmente, depois de muito ter estudado – assina a
campanha de uma famosa marca nacional de sapatos com a seguinte frase: “Mãe, eu
te amo = bolsa + sapato”. Ele e outros se esquecem de que um dia das mães feliz
será aquele em que nossas crianças não nasçam por puro otimismo ou então falta
total de opções, e sim porque o mundo reconhece que elas são necessárias,
bem-vindas e dignas de cuidado e amor. Neste dia das mães, esqueçam as flores
(e os sapatos). As brasileiras preferem sua parte em direitos.
Fonte: El Pais
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