A ex-vice-presidenta
sul-africana, Phumzile Mlambo-Ngcucka (foto), e atual diretora executiva da ONU
Mulheres chamou a atenção para a ameaça que a organização extremista Boko Haram
representa para as mulheres africanas. E pediu que os países apliquem as leis
sobre violência de gênero.
Apesar dos esforços das organizações
humanitárias para acabar com a desigualdade entre homens e mulheres e a
violência de gênero, há sociedades que menosprezam e atacam as mulheres de
forma sistemática. “Existe uma grande quantidade de legislações que contemplam
a violência doméstica, violações e assédio sexual, mas não são implementadas
corretamente. Parece-me importante defender a aplicação destas leis e treinar
os juízes, policiais e a população masculina em geral”, disse a nova diretora
executiva da ONU Mulheres, a sul-africana Phumzile Mlambo-Ngcucka, que visitou
Buenos Aires por ocasião da Conferência Internacional “As mulheres e a inclusão
social: de Beijing ao Pós-2015”. Em conversa com o jornal Página/12,
Mlambo-Ngcucka falou sobre a urgente necessidade das mulheres ganharem terreno
no espectro da organização terrorista Boko Haram e sobre o legado do
ex-presidente sul-africano Nelson Mandela na forma de fazer política em seu
país.
A ex-vice-presidenta sul-africana
disse que antes de elaborar novas políticas de gênero, é necessário respeitar e
implementar aquelas que os membros da ONU Mulheres já aprovaram. “Se as
mulheres pudessem trabalhar e ter suas próprias rendas, ou seja, não
precisassem depender unicamente dos homens, poderiam tomar melhores decisões.
Em muitos países, as mulheres ainda trabalham desprotegidas e, além disso,
desde muito pequenas são responsáveis por suas famílias e não recebem nenhuma
proteção ou pensão por isso”, expressou. “Desse modo, as mulheres só ‘dão, dão
e dão’, enquanto que os homens estão amparados pela legislação. Por isso,
parece-nos necessário equilibrar a situação”, disse.
A diretora executiva da ONU
Mulheres considerou “positiva” a realização de conferências internacionais, já
que nelas se “compartilham as melhoras experiências”. Entre estas destacou a
moratória previdenciária da Argentina, que ampliou a inclusão de quem não
contribuiu. “Uma grande quantidade de pessoas são beneficiadas por pensões para
as quais não contribuíram. É muito importante que os países sigam este tipo de
exemplo, porque podem mudar a vida de muita gente”, afirmou a licenciada em
Ciências Sociais e da Educação da Universidade de Lesoto.
Mlambo-Ngcucka explicou que há 20
anos apenas 11% do total dos Parlamentos do mundo eram compostos por mulheres,
ao passo que atualmente essa porcentagem subiu para apenas 22%. “Neste ritmo
vamos levar mais 50 anos para alcançar a igualdade de gênero nesse terreno”,
lamentou a sul-africana. Ela destacou os esforços da ONU Mulheres para
incentivar os governos a tomarem medidas especiais para que as mulheres
aumentem a sua representação. “Essa tarefa também cabe aos partidos políticos,
já que se eles apóiam a integração, será mais fácil que cheguem ao poder”,
destacou.
No entanto, Mlambo-Ngcucka
expressou que a violência de gênero é “a principal barreira para a
independência da mulher e seu avanço na questão dos direitos e da participação
política”, e ocorre tanto nos países pobres como nos países ricos.
A ex-vice-presidenta assinalou
que a violência contra as mulheres, como aquela exercida pela organização
jihadista Boko Haram, anda de mãos dadas com falhas no nível político e social
em todo o mundo. “Há algo que está mal e temos que corrigi-lo. Evidentemente,
isso não dá o direito a ninguém de matar pessoas, mas tanto os governos como as
sociedades têm que se perguntar o que está acontecendo”, afirmou
Mlambo-Ngcucka, que repudiou o tratamento e o lugar que o Boko Haram concede às
mulheres. “Semeiam a ‘mentalidade do patriarcado’ em seus integrantes desde
pequenos. Socializam-se vendo como os adultos faltam com o respeito para com a
mulher, como é agredida e violada sem que ninguém reaja”, disse.
Não obstante, assinalou que a
violência não se limita aos sequestros e violações. “Que as mulheres sejam
consideradas como um botim de guerra é algo espantoso e repudiável. Mas a
‘mentalidade do patriarcado’ pode situar-se em diferentes níveis.
Evidentemente, nada se compara à brutalidade de um golpe ou uma violação, mas
há similitudes entre o que os terroristas fazem com as mulheres e aquele empresário
que dirige uma companhia em Londres e explora os seus trabalhadores”, disse
Mlambo-Ngcucka, que disse que cada estereótipo e hábito que vai contra os
direitos da mulher deve ser erradicado “porque aquilo que se aprende em casa se
reproduz no dia a dia”.
A licenciada também disse que
para combater o Boko Haram, a Nigéria precisa do compromisso dos países
vizinhos. “É por isso que a ONU apóia e ajuda os governos do oeste africano
para que colaborem com Abuya na implementação de uma força multinacional.
Estamos começando a ver os primeiros resultados, como as 200 meninas resgatadas
nos últimos dias, apesar de que ainda restem mais 2.000 pessoas desaparecidas”,
disse.
Por outro lado, a chefa da ONU
Mulheres considerou que ainda falta muito a se fazer para colocar em prática o
legado de Mandela. “Algumas coisas que são feitas no meu país definitivamente
fariam com que Nelson balançasse a sua cabeça em sinal de discordância, mas
também creio que há muitas outras que são feitas com as quais estaria muito orgulhoso”,
refletiu. Mlambo-Ngcucka recordou que o ex-presidente sul-africano “era um
apaixonado pela educação” e que durante o período em que ela foi
vice-presidenta foram realizados grandes esforços para “apoiar as crianças que
passam pelas escolas”.
A diretora executiva da ONU
Mulheres também evocou que Mandela foi um presidente muito comprometido com o
avanço da mulher na política e contra a violência de gênero. “De fato, ele
costumava dizer que quando os homens não davam a palavra às mulheres, estavam
conspirando contra elas. Por isso, interessa-nos mobilizar os homens para que
ampliem a participação das mulheres, mas de qualquer modo não é suficiente.
Parece-me que hoje não se continua ao pé da letra o legado de Nelson, mas
trabalhar naquelas coisas que importavam a ele me parece uma boa maneira de
render-lhe tributo”, disse.
Fonte: Ihu
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