A contribuição que as mulheres estão dando para a reflexão
teológica em âmbito católico se torna cada vez mais relevante.
A pergunta dirigida ao papa é clara: "Você não acredita que chegou a hora de a Igreja abrir os braços para as mulheres em um gesto de amor, que, finalmente, se liberte do medo e seja testemunha na escola de Jesus?
A análise é do teólogo italiano Carlo Molari, sacerdote e
ex-professor das universidades Urbaniana e Gregoriana de Roma, em artigo
publicado na revista Rocca, 15-07-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto. Eis o texto.
A contribuição que as mulheres estão dando para a reflexão
teológica em âmbito católico se torna cada vez mais relevante na Itália. Sinal
particular disso foi o Congresso Teológico Internacional organizado em Roma
pela Coordenação de Teólogas Italianas no 50º aniversário do início do Concílio
Vaticano II, de 4 a 6 de outubro de 2012 sobre o tema "Teólogas releem o
Vaticano II: assumir uma história, preparar o futuro".
Participaram dele 225 teólogas de 23 países diferentes.
Agora foram publicados os anais pelas edições Paoline (Avendo qualcosa da dire,
Milão, 2014, organizado por Marinella Perroni e Hervé Legrand, com a
contribuição de várias teólogas, incluindo Cettina Melitello, que examinou La
teologia delle donne: quale incidenza ecclesiale? [A teologia das mulheres:
qual incidência eclesial?, p. 48-60).
Nesses dias, foram publicados outros livros de teólogas
italianas sobre os quais será preciso falar pela riqueza e profundidade que os
caracterizam, como Le ribelli di Dio. Donne e Bibbia tra mito e storia [As
rebeldes de Deus. Mulheres e Bíblia, entre mito e história], de Adriana Valerio
(Feltrinelli, 2014); e os dois livros de Benedetta Selene Zorzi: Antropologia e
teologia spirituale. Per una teologia dell'io [Antropologia e teologia espiritual.
Por uma teologia do eu] (Ed. San Paolo, Cinisello Balsamo, 2014); Al di là del
gênio femminile. Donne e genere nella storia della teologia cristiana [Além do
gênio feminino. Mulheres e gênero na história da teologia cristã] (Ed. Carocci,
Roma, 2014).
Porém, o impulso à reflexão que eu pretendo propor, vem de
uma iniciativa menor, mas rica em significado. É uma expressão do entusiasmo
despertado pelos gestos e pelas palavras do Papa Francisco, que estimularam
esperanças de renovações e abriram um fluxo de pedidos na Igreja.
O livro Caro Francesco. Venticinque donne scrivono al Papa
[Caro Francisco. Vinte e cinco mulheres escrevem ao papa] (Ed. Il Pozzo di
Giacobbe, Trapani, 2014) reúne 25 cartas redigidas em estilo confidencial por
25 mulheres. Os temas são resumidos em uma única palavra que, em ordem
alfabética, desenvolvem reflexões muito variadas de A, de ambiente, a V, de
vida religiosa.
A única intervenção masculina é a introdução pedida ao bispo
emérito de Caserta, Raffaele Nogaro, pela sua sensibilidade social e pelo apoio
oferecido a escolhas pastorais inovadoras feitas em Caserta pelas religiosas
ursulinas, que parecem estar na origem da iniciativa.
A variedade de pertencimento e de profissão reúne as
escritoras na busca de novas formas de solidariedade e de justiça. A grande
diversidade de formação e de origem evidencia as modalidades diversas com que a
feminilidade pode ser vivida em formas convergentes.
Há também o eco da escolha dolorosa de 17 religiosas que
foram expulsas da sua congregação em 2010 e que continuam vivendo "no
exílio e com toda a sua relativa precariedade, graças a um reforçado vínculo
fraterno e com a ajuda do Alto e do Baixo, a dinâmica fidelidade da 'primeira
hora'... Com todo o 'vivo' de dor e de alegria que isso comporta" (Maria
Stella Fabbri, Vita religiosa, p. 150).
O termo que retorna muitas vezes nessas páginas é
"medo", "medo das mulheres". Daniela Esposito, no vocábulo
"Libertação", lamenta que, no documento preparatório do Sínodo sobre
a família, haja um total silêncio sobre a "violência de gênero, seja
física, sexual, econômica (...) dentro da família. Essa escandalosa cegueira
(...) preocupa porque o massacre de mulheres, minuto a minuto, é testemunhado
pelas estatísticas e só reforça a ideia de que o 'escondimento' do feminino
deriva do medo que o homem tem dele. Acredito que foi esse medo, constitutivo
do masculino, que, com o tempo, se tornou responsável, não conscientemente, de
todas as coisas. É necessário e prioritário, portanto, libertar o mundo e a Igreja
do medo das mulheres" (Liberazione, ibid., p. 74).
A pergunta dirigida ao papa é clara: "Você não acredita
que chegou a hora de a Igreja abrir os braços para as mulheres em um gesto de
amor, que, finalmente, se liberte do medo e seja testemunha na escola de
Jesus?" (ibid., p. 75).
Por isso, outras pedem que "o clero também [seja]
formado e educado. Os seminaristas terão medo da mulher se virem nela uma
possível Eva tentadora, que corre o risco de afastá-los do seu caminho de
celibato; se a sexualidade é libertada de opressões legalistas, pode-se ajudar
os aspirantes ao presbiterado a apreciar a alteridade e a diversidade da mulher
como valor a se reconhecer e a se acolher...".
"Caro Papa Francisco, a Igreja não deve ter medo das
mulheres; ajude-a nesse caminho, continuando nas suas decisões corajosas e,
acima de tudo, dando confiança às mulheres" (Donna, Adriana Valerio,
ibid., p. 44). É precisamente o medo que leva à exclusão ou à marginalização.
Além disso, quando a mulher é prófuga ou abandonada,
torna-se uma pessoa da qual se deve ter medo, que se deve temer (p. 122). As
páginas dedicadas ao tráfico de mulheres para a prostituição expressam muito
bem a paixão e o entusiasmo com que algumas religiosas "tentaram dar
respostas concretas às muitíssimas mulheres vítimas de tráfico de seres
humanos, especialmente para exploração sexual" (Eugenia Bonetti,
Schiavitù, p. 129).
O dado que emerge mais frequentemente das cartas é o lamento
pela falta de poder dentro da Igreja. Isto é, o fato de que as decisões
relativas às mulheres são tomadas por homens, e as mulheres não têm nenhuma
possibilidade de decisão.
Com uma fórmula incisiva, eco de uma citação de Sartre (A
náusea, 1938), Anna Carfora retoma "o paradoxo de uma religião como coisa
de mulher gerida por homens padres" (Clero, p. 27).
Essa fórmula é ainda mais significativa porque foi escrita
por uma educadora de futuros padres como professora de História da Igreja na
Faculdade Teológica da Itália Meridional, seção de S. Luigi, de Nápoles.
Carfora retoma particularmente a denúncia da "insidiosa
e sutil tentação da carreira". "Ainda resiste, de fato, o binômio
clero-poder. O clero confiou a si mesmo a gestão e a responsabilidade da
doutrina e da ortodoxia, da liturgia e da organização eclesiástica, do direito
e do governo" (p. 27).
O papa falou de "autoridade das mulheres na Igreja: uma
autoridade, portanto, que não passa pelo ser padre". Ela se pergunta se
foi entendido até o fim "o porte dessa afirmação, o golpe decisivo no
coração do clericalismo que isso implica" (Clero, p. 27).
Um agradecimento espontâneo ao Papa Francisco pelo caminho
empreendido: o caminho da inclusividade, "capacidade de entrar em relação
simplesmente de seres humanos com outros seres humanos", e a
"superação do medo de se desfazer como o fermento na massa. O fermento
desaparece, não é reconhecido, mas a massa se torna, graças ao fermento,
melhor" (p. 28).
As mulheres pedem para ser ouvidas, pedindo que sejam
criados na Igreja "espaços para uma presença não decorativa e consultiva,
mas falante e decisional em todos os organismos em que se implementa o
protagonismo fiel do povo de Deus" (Adriana Valerio, Donna, p. 43 ).
"Os tradicionais modelos eclesiológicos, portanto,
deveriam ser revistos segundo os princípios da comunhão e da
corresponsabilidade apostólica" (ibid., p. 43).
Marinella Perrone, partindo da homilia do Papa Francisco do
dia 13 de dezembro passado, retomou a contraposição entre clericalismo e
profecia. O profeta tem "os olhos penetrantes" (Profezia, p. 116),
mas não se trata "de um dom, mas de uma habilidade que se adquire graças à
escuta da Palavra de Deus. Não uma qualidade reservada a alguns, mas vocação de
todos os batizados, a profecia nasce da disciplina da escuta" (p. 116).
"É a Igreja no seu conjunto que deve reencontrar a
força profética: cada fiel deve ser chamado ao seu compromisso de testemunha,
cada teólogo deve reencontrar a coragem de pensar a fé e de pronunciar palavras
de encorajamento e de estímulo, cada bispo deve assumir a responsabilidade de
construir e de guardar a comunhão do povo de Deus" (p. 117).
É significativa a verificação sugerida pelo papa na sua
homilia: "Quando no povo de Deus não há profecia, o vazio que deixa é
ocupado pelo clericalismo" (citado na p. 118.). Perrone comenta: "O
clericalismo, isto é, aquela mistura letal entre sagrado e poder, tornou-se uma
verdadeira praga. El distorce a mentalidade, aflige os comportamentos (...) É
duro, mas é assim, e todos vimos isso nesses anos: o clericalismo cresceu de
modo proporcional ao decrescimento da profecia. Por aí, e só por aí, passa a
verdadeira reforma da Igreja" (ibid., p. 118).
Citando ainda o papa, segundo o qual "quem caiu na
mundanidade (…) olha do alto e de longe, rejeita a profecia dos irmãos,
desqualifica quem lhe faz perguntas, faz ressaltar continuamente os erros dos
outros e é obcecada pela aparência" (Evangeli gaudium 97), Marinella
Perrone observa que, "na Europa, houve dois sínodos ecumênicos das
mulheres (...) Mas tudo isso (...) é olhado de cima por aqueles que sentem
deter as chaves da legalidade. Olhar para esta nossa Igreja com 'olho
penetrante' significa, então, para mim, hoje, acreditar que finalmente é
possível que se dê atenção, além da profecia dos irmãos, também à profecia das
irmãs".
É essa esperança que ela, em nome de todas as mulheres,
confia ao Papa "com grande gratidão" (ibid., p. 119).
Fonte: Ihu
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