Nas cidades que receberão jogos da Copa do Mundo, muitos
trabalhadores já se preparam para receber a horda de turistas sedentos por
diversão e possuidora de carteiras recheadas de dólares e euros, entre eles os
profissionais do sexo da Rua Guaicurus, no Centro de Belo Horizonte.
A
Associação de Prostitutas de Minas Gerais (Aprosmig), por exemplo, se organiza
para oferecer cursos de inglês e de francês para suas associadas a partir de
fevereiro. “A demanda vai aumentar muito na Copa, por isso vários profissionais
do sexo de outros estados virão para cá. Temos que fazer uma Copa consciente e
aproveitar o momento para fazer um debate sobre os direitos das prostitutas”,
afirma a presidente da entidade, Cida Vieira. Ela acredita que a oportunidade
será muito importante para jogar luz sobre a questão da prostituição no país e
promete muita mobilização até o apito inicial da competição por parte da
Aprosmig e da Rede Brasileira de Prostitutas.
Conhecido pela defesa dos direitos dos homossexuais e por
ter vencido uma edição do programa Big Brother Brasil, o deputado federal Jean
Wyllys (PSOL-RJ) apresentou, em julho de 2012, o Projeto de Lei 4.211/12, que
pretende legalizar a prostituição no país. A proposta polêmica vem no escopo do
debate propiciado pela Copa do Mundo, assim como ocorreu com os últimos países
que receberam a competição. A África do Sul, que sediou o Campeonato Mundial em
2010, debateu com vigor o tema nos últimos anos da década de 2010, levando em
conta principalmente o risco de disseminação da Aids no país, mas as propostas
de legalização não foram aprovadas.
Na Alemanha, que realizou o Mundial em 2006, a legislação
que trata do tema foi alterada poucos anos antes, aumentando os direitos das
prostitutas e tornando a atividade legal. “O projeto pretende dar direitos
trabalhistas aos profissionais do sexo e também combater a exploração sexual de
crianças e adolescentes e o tráfico de mulheres”, afirma o deputado. Há ainda
uma proposta tramitando no Senado no projeto do novo Código Penal que pretende
descriminalizar as casas de prostituição.
SEM CONSENSO Em outubro, um relatório da Organização das
Nações Unidas (ONU), escrito pelo advogado australiano John Godwin, recomendou
aos países da Ásia que legalizassem a prostituição, mas a proposta de tornar
legal a atividade não é consensual nem entre os movimentos feministas.
Saiba mais...
Moradores da Pampulha ainda esperam por obras para reduzir
impacto dos jogos da CopaLíderes comunitários pedem reforço no policiamento em
dias de jogos no MineirãoMilitante da causa e membro da direção executiva
nacional da Marcha Mundial de Mulheres, Renata Moreno argumenta que a
regulamentação pode legitimar e naturalizar um modelo de sexualidade opressor e
que deve ser mais discutido. “Somos críticas a essa visão de que é preciso
regulamentar a prostituição. Precisamos fazer um debate amplo sobre o que isso
significa, e a Copa é um momento oportuno para isso. Mas precisamos discutir a
prostituição não só no âmbito das cidades que vão receber a competição, mas
também a prostituição nas rodovias, nas construções de hidrelétricas e nos
rincões do país”, afirma.
Deputado estadual e pastor, Carlos Henrique (PRB) se diz
contrário ao projeto de lei, não pela questão religiosa, mas pela questão
sociológica, ele diz, pensando na condição de vida das prostitutas. “Esse é o
caminho mais fácil para mostrar a incompetência de um governo. Agora querem
liberar tudo. O Fernando Henrique Cardoso quer liberar as drogas. Acho que
seria temerário legalizar uma profissão como esta, ligada ao submundo do
tráfico de drogas e de mulheres. O Estado precisa de fato dar algum amparo e
algum acompanhamento. Essas pessoas não devem ser marginalizadas e abandonadas
pelo Estado. Mas não acredito que a legalização seja a saída”, afirma.
Ele defende que seja feito um amplo debate sobre o assunto e
propõe até que seja feito um plebiscito para que a população opine sobre a
questão. Segundo Carlos Henrique, do ponto de vista religioso, as prostitutas
não devem ser condenadas. “Jesus defendeu a mulher adúltera, que seria
apedrejada. Ele não permitiu que ela fosse mais agredida, mas quis dar a ela
uma nova vida. ‘Aquele que não tiver pecado que atire a primeira pedra’, foi o
que ele disse”, conta.
Debates e ato político
Doutoranda pela Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC) e mestre pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a psicóloga
Letícia Cardoso Barreto, de 31 anos, autora da tese Prostituição, gênero e
sexualidade: hierarquias sociais e enfrentamentos no contexto de Belo
Horizonte, acredita que o que mais aflige as prostitutas atualmente é a falta de
direitos. “A violência é uma questão muito menos relevante para elas do que a
questão dos direitos. Muitos grupos tendem a falar que existe muita violência
contra as prostitutas, mas elas reclamam mais da questão de não poder se
aposentar, por exemplo. De qualquer jeito, a violência é fato. Uma prostituta
foi assassinada em um hotel aqui em Belo Horizonte em 2012”, afirma.
Cida Vieira confirma a constatação da acadêmica: “Fora do
trabalho, temos todas as leis que nos amparam. Dentro, não há qualquer lei que
nos proteja. Se o cara não me pagar, não posso acionar a Justiça. Se ele me
bater, não posso fazer nada, porque chego lá na delegacia e o delegado está de
pés e mãos amarrados”. Ela promete para o segundo semestre uma grande
mobilização defendendo o projeto de lei do deputado Jean Wyllys. “Será um dia
internacional pelos direitos dos profissionais do sexo. Vamos trazer cantores
famosos e fazer debates e um ato político”, propagandeia.
Segundo Jean Wyllys, a regulamentação pode ajudar a combater
a exploração sexual de menores e o tráfico de mulheres. Ele defende que seu
projeto tornaria mais dignas as condições de trabalho de uma prostituta. “Eu,
você e toda a torcida do Flamengo já sabemos que existem casas de prostituição.
A prostituição não é crime no Brasil, mas possuir uma casa de prostituição é.
Isso abre brecha para a corrupção policial, tem ainda a ligação com o tráfico
de drogas e o tráfico de mulheres. O projeto combate isso”, arremata.
Fonte: Estado de Minas
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