A autora israelense-americana Hanna Rosin, 42, cujo livro
"The End of Men" ("O fim dos homens", em tradução livre)
deve ser publicado na Alemanha neste mês, discute a atual crise de identidade
do sexo masculino nos EUA. Os homens, segundo ela, são os maiores perdedores na
crise econômica porque são rígidos e inflexíveis demais.
Senhora Rosin, o título do seu livro parece uma declaração de guerra:
"O fim dos homens". O que a senhora quer dizer com este título?
Ironicamente, foi um homem, meu editor na "The
Atlantic", que escolheu esse título para minha matéria de capa para a
revista em 2010. A frase colou e tornou-se uma abreviação para todo o debate.
São três palavras pequenas, provocativas e memoráveis. Pensei em mudá-lo quando
escrevi o livro, mas nada me parecia encaixar-se tão bem. É como se eu tivesse
plantado uma placa dizendo "pare", e agora o mundo todo está
debatendo a respeito. Algumas pessoas reagem com raiva, algumas com
curiosidade, mas a frase sempre evoca uma resposta emotiva.
A senhora certamente conseguiu ser provocativa – sua tese gerou um
debate acalorado nos EUA. Ainda assim, os homens dominam a política e as
finanças, dirigem pelo menos 95% das corporações mais ricas do mundo, detêm 82%
dos assentos no Congresso norte-americano e recebem salários significativamente
melhores que as mulheres para fazer o mesmo trabalho. Não é um pouco prematuro
declarar seu fim?
Sim, é claro. Mas o que eu percebi é que há uma enorme
mudança ocorrendo em nossa sociedade. Subitamente, há tantas jovens mulheres
mais bem formadas e ganhando mais que os homens da mesma idade. Quando os
casais hoje decidem se casar, eles têm expectativas muito diferentes um do
outro do que seus pais tinham. E houve até uma mudança no topo das carreiras.
As pessoas tendem a subestimar isso.
É difícil dizer isso na maior parte das grandes companhias.
Nos EUA, nos últimos anos, cerca de um terço de todas as
vagas abertas para nível de gerência foram para mulheres. Minha pesquisa nos
últimos três anos mostrou que a tendência é a mesma em todos os níveis. E por
falar nisso, não é necessariamente que as mulheres estejam causando o fim dos
homens – é mais o oposto. Um número crescente de homens está falhando durante
sua escolaridade, perdendo seus empregos e não consegue voltar a andar com as
próprias pernas, então as mulheres entram. A força motora aqui não é a
convicção feminista, é a necessidade econômica. Ainda bem que Jacob não está
aqui…
… Seu filho de nove anos, a quem a senhora dedica o livro…
… Sim. Ele explicaria longamente como esse livro que escrevi
é horrível, tenebroso e o quanto ele o odeia!
Vamos colocar a pergunta de outra maneira: Como a senhora explicaria o
título de seu livro para uma menina no Paquistão que está sendo impedida de
frequentar a escola?
Minha pesquisa se concentrou nos EUA, mas alguns processos
que eu descrevo também podem ser observados em países árabes e asiáticos. A
educação está tendo um papel crescente no Oriente Médio. E quando as mulheres
conseguem acesso à educação superior e subitamente começam a se sair melhor do
que os homens, isso realmente pode desequilibrar a ordem social prevalecente.
Isso é exatamente o que aconteceu na Coreia do Sul, que é uma sociedade
altamente patriarcal. Eles começaram a ensinar as mulheres e depois elas
deixaram de ser as mulheres que a sociedade queria que fossem. Isso causou uma
verdadeira crise cultural.
Por outro lado, na Alemanha, considerada um país
progressivo, as mulheres também ainda têm que lutar por salários e
oportunidades iguais. Em um país que ainda está discutindo quotas para mulheres
em posições de gerência e benefícios do governo para mães que ficam em casa,
propor o "fim dos homens" parece algo bem removido do mundo real.
Estranhamente, houve enorme interesse em meu livro na
Alemanha. Os acadêmicos alemães me disseram que os homens na Alemanha estão
passando por uma extrema crise de identidade, mesmo que o equilíbrio de poder
ainda não tenha mudado tanto. Então a pergunta é: por que os homens na Alemanha
se sentem ameaçados quando, objetivamente, não estão?
Nos EUA, porém, parece que realmente estão. A senhora observou um
colapso muito real na classe média americana, em algumas partes do país,
causado pela ampla perda de empregos para outros países. O que a senhora chama
de fim do homem não seria mais bem descrito como o declínio dos EUA como
economia baseada na manufatura?
Não, não é. Os homens hoje também são minoria entre os que
entram para outras áreas tradicionalmente dominadas pelos homens, tais como
direito e medicina. Finanças e política ainda estão firmemente nas mãos dos
homens, mas em muitas outras áreas parece que as proporções estão mudando em
favor das mulheres. Os meninos estão se saindo pior na escola e na
universidade. É lógico que esse desequilíbrio, que pode ser observado na maior
parte dos países industrializados, vai mudar as condições no mercado de
trabalho.
O fenômeno que a senhora está se referindo é o que intriga os
especialistas. A sua pesquisa lançou alguma luz em por que tantos jovens estão
tendo problemas na escola e na faculdade e parando de estudar?
Acho absurda a sugestão comum que isso se deve ao maior
número mulheres professoras. As pessoas vêm reclamando sobre a feminilização de
escolas desde a virada do último século, muito antes dos meninos começarem a
ter esses problemas. Minha impressão é que estamos lidando com um fenômeno cultural.
Considera-se pouco legal e feminino os meninos prestarem atenção na escola,
fazerem dever de casa, estudar. Depois, há um dilúvio de distrações, como jogos
de computador, que tendem a agradar mais os meninos do que às meninas. Mas o
ponto decisivo é que, no passado, os homens com baixa escolaridade tinham muito
mais oportunidades do que têm hoje.
Para fazer sua pesquisa, a senhora viajou para antigas cidades
manufatureiras em regiões dos EUA que ainda são muito tradicionais e concluiu
que muitos dos homens sumiram do mercado de trabalho integralmente.
Sim, as mudanças são dramáticas, especialmente porque o
sistema patriarcal ainda é muito pronunciado nesses lugares. O chefe de uma
grande fábrica fica no topo da hierarquia, seguido por seus gerentes e depois
as mulheres lá em baixo. Ninguém questiona esse arranjo, porque é justificado
pela Bíblia: o homem é o chefe de família, deve liderar e pregar. Depois,
subitamente, a realidade econômica muda. As fábricas fecham, e os homens não
têm mais empregos. Seu trabalho definia sua masculinidade e, de um momento para
o outro, tudo desmorona. Os homens parecem paralisados.
Que mudanças isso provoca?
A geração mais velha tenta de alguma forma reconciliar a
realidade econômica com sua visão tradicional de mundo, por exemplo,
desconectado o papel de provedor do papel do chefe de família. Mesmo que, em
muitos casos, seja a mulher a provedora da família, trabalhando como
enfermeira, por exemplo, o homem desempregado continua sendo o chefe de
família. Ela ganha o dinheiro, mas ele toma s decisões, com sua autoridade
agora inteiramente fundada em espiritualidade. A geração mais jovem, porém,
está reagindo diferentemente. Para ela, tudo está desmoronando.
O que isso significa, exatamente?
O que os jovens aprendem na igreja não mais se reconcilia
com a realidade de suas vidas. Ainda assim, homens e mulheres estão achando
imensamente difícil aceitar seus novos papéis. É por isso que os casamentos
estão fracassando, e as mulheres estão criando seus filhos sozinhas. Muitas
preferem continuar solteiras a se casarem com um homem que não pode contribuir
com nada para a renda da família.
A senhora escreve que os recentes desdobramentos na economia
norte-americana atingiram os homens mais fortemente do que as mulheres, porque
as mulheres reagiram com mais flexibilidade às novas demandas do mercado de
trabalho. A senhora pode embasar melhor essa teoria?
É um fato que, no espaço de poucas décadas, as mulheres
alcançaram uma mudança enorme no papel que desempenham – na forma como agem em
público e como conquistaram áreas de trabalho que até recentemente eram
consideradas domínio dos homens. Em comparação, pouco mudou sobre a forma que
os homens agem. A crise financeira causou a perda de milhões de empregos na
manufatura nos EUA – mas ainda assim os homens não estão entrando em setores
tradicionalmente femininos como saúde ou educação, mesmo quando são os únicos
empregos disponíveis. Isso gera as tensões na sociedade que acabo de descrever:
homens que são chefes de família, mas desempregados, e mulheres que são as
provedoras, mas não por escolha.
Os críticos do seu livro dizem que oferece apenas um retrato e que, se
a crise financeira se expandisse para incluir áreas dominadas pelas mulheres,
como escolas e o setor público, então as mulheres nesses campos perderiam seus
empregos no mesmo grau que os homens perderam em outros setores.
Esse não é um argumento convincente. Os empregos do setor
público são cíclicos. Professores são despedidos quando o dinheiro está curto,
depois recontratados quando as coisas melhoram. Os empregos na manufatura, por
outro lado, não estão voltando. Eles são relíquias de uma era passada.
Ouvindo a senhora falar, pode-se ter a impressão que a senhora acha os
homens obsoletos.
Em certas partes da sociedade americana, de fato estão, mas
eu acho horrível. Entre a classe trabalhadora, mais da metade das crianças de
mães com menos de 30 anos hoje são nascidas de mulheres solteiras. A maior
parte dessas crianças cresce sem pai. Sabemos que este é um fenômeno da
comunidade pobre, negra, mas está se espalhando para outras partes da
sociedade, até para a classe média. Os homens não conseguem mais encontrar
empregos, estão se retirando da sociedade, essencialmente criando um
matriarcado. Para as classes mais altas, o casamento ainda é um modelo de
sucesso, mas para os mais pobres, não.
Então o casamento é de fato um "playground particular dos que já são
abençoados com abundância", como diz o sociólogo Brad Wilcox?
É, as estatísticas provam isso. Pessoas com terceiro grau
têm menor chance de se divorciarem hoje do que há algumas décadas, e maior
chance de descreverem seus casamentos como felizes. Essa descoberta realmente
me surpreendeu. Parece que os que têm ensino superior tiveram maior sucesso em
desmantelar papéis estritamente tradicionais e, ao fazê-lo, ganhar mais
liberdade. Chamo de casamento de gangorra, no qual tanto o homem quanto a mulher
se revezam no papel de provedores, tornado possível para cada um vivenciar
avanços na carreira ou pausas em momentos diferentes.
Isso parece muito otimista. Mas em seu livro, a senhora descreve casais
para quem o fato de a mulher subitamente estar ganhando mais do que o homem
causou tensão considerável.
É verdade. Esses arranjos são tão novos que tanto o homem
quanto a mulher muitas vezes têm sentimentos conflitantes a respeito, e você
não tem que ir muito fundo para encontrar esses sentimentos. Acho que um jovem
do Canadá explicitou isso muito bem quando me falou que, teoricamente e
politicamente ele acha a ideia de um "homem de casa" 100% - ele só
não quer ser um.
Fonte: Portal Uol
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