Uma legislação penal mais rigorosa para o crime de tráfico
humano foi defendida na última quinta, por magistrados e especialistas que
participam do 2º Simpósio Internacional sobre o Combate ao Tráfico de Pessoas,
que começou ontem na capital paulista.
Para Rinaldo Aparecido Bastos, juiz em
Goiás, a forma como o crime atualmente é previsto no Código Penal dificulta a
aplicação de penas.
“Hoje, no Brasil, só há previsão de tráfico de pessoas no
Código Penal para fins de exploração sexual, os artigos 231 e 231-A”, explicou.
Porém, na avaliação do magistrado, o tráfico humano vai além da questão sexual,
pois existe também o tráfico para exploração de mão de obra, remoção de órgãos,
casamento servil e adoção internacional ilegal.
Para tentar tornar a lei mais abrangente, segundo o
magistrado, representantes de diversas instituições, entre elas a Polícia
Federal, Defensoria Pública da União e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ),
elaboraram uma proposta de modificação da lei durante cinco workshops
promovidos este ano pelo Ministério da Justiça.
Bastos informou que um documento com o resultado das discussões
foi entregue em julho à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Tráfico de
Pessoas da Câmara dos Deputados. “Se não houver prosseguimento da CPI, o
próprio Conselho Nacional de Justiça vai fazer um movimento nacional para a
modificação”, disse.
Segundo o juiz, a proposta defende o confisco de bens dos
que cometem esse tipo de crime “para atacar economicamente as quadrilhas”. Na
opinião do magistrado, “o que está acontecendo no Brasil, hoje, é a impunidade.
Essas pessoas são condenadas a um máximo de oito anos de prisão, ficam em um
regime semiaberto e continuam no crime”, ressaltou. Bastos considera que o
ideal seria, além de confiscar os bens, criar um mecanismo de proteção e
indenização às vítimas e suas famílias.
O magistrado também apontou outro problema que dificulta a
prisão de quem comete o crime de tráfico de pessoas. Segundo ele, “as pessoas
abusadas costumam temer denunciar seus criminosos e, em muitos casos, nem mesmo
se consideram vítimas”.
A causa disso, na opinião do desembargador Ney José de
Freitas, conselheiro do CNJ, é a forma como esse aliciamento ocorre. “Elas não
se reconhecem como vítimas, têm dificuldade em se aceitar. Não é como outra
pessoa que se sente injustiçada. Elas não denunciam, têm dificuldade em se
expor, porque, afinal de contas, [a viagem] foi por livre a espontânea vontade,
não foi forçada”, disse.
De acordo com o desembargador, como resultado do simpósio
será feita uma cartilha esclarecendo a população sobre o tráfico humano,
detalhando como o crime ocorre, como a pessoa deve resistir a ele e quais as
suas consequências. “Queremos massificar essa informação”, declarou. Segundo
Freitas, quando a cartilha estiver pronta ela será disponibilizada no site do
CNJ.
Desde a melhor preparação dos magistrados a um aumento no
contingente de defensores, são muitos os pontos que precisam evoluir para uma
melhor prevenção e combate à exploração sexual no país. Isso é o que defende a
Coordenadora do Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas do Estado de São
Paulo, Juliana Armede. Segundo ela, por exemplo, muitos processos judiciais
relacionados ao tema ficam praticamente parados no Poder Judiciário por causa
de discussões meramente formais.
A coordenadora afirma que já presenciou situações em que a
exploração sexual de menores ocorreu dentro de hotéis. Nestes casos, os processos
judiciais envolvem questões administrativas, cíveis e relativas ao direito da
criança e adolescente. Assim, é frequente que juízes aleguem que o julgamento
não é de sua competência. "Não podemos dar força à forma em detrimento do
valor humano", afirma Juliana.
Para ela, os defensores deveriam pedir a condenação do
Estado nos processos envolvendo pessoas que são levadas para fora do país para
serem exploradas sexualmente. Juliana afirma que o Estado deveria pagar
indenizações por ter permitido que essas pessoas fossem aliciadas e deixassem o
país.
A Gerente de Projetos da Subsecretaria de Enfrentamento à
Violência Contra a Mulher, Ana Tereza Iamarino, afirma que muitas vezes as
vítimas de exploração sexual, em sua maioria mulheres, não denunciam sua
condição à Justiça por não se reconhecerem como vítimas dessa prática. Existem
ainda casos em que as mulheres são ameaçadas para não abrirem sua situação.
"Não basta uma atuação brilhante apenas de segurança pública ou apenas do
judiciário" finaliza Ana Tereza sobre o tema.
Fonte: opovo.com.br
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