Estou muito chocada com certos comentários que vi sobre o caso do abuso sexual que aconteceu no BBB. O resumo: rolou uma festa com muito álcool no programa. A participante Monique bebeu muito e foi dormir. De acordo com um vídeo amplamente divulgado na internet ontem, o participante Daniel aparece ao lado de Monique na cama, os dois estão cobertos por um edredon. Daniel faz movimentos que para qualquer pessoa representam sexo, Monique não se mexe. Em outra cena, Monique aparece dormindo de barriga para cima, com as pernas visivelmente afastadas, vemos sob o edredon movimentos do braço de Daniel sobre seu corpo. Pode não ter ocorrido penetração, mas está muito claro que Daniel aproveitou-se do momento e Monique sofreu abuso sexual.
Daniel e Monique, participantes do BBB 12. Foto: Frederico Rozário/Folhapress
No dia anterior, a participante Mayara já havia reclamado de ter sido bolinada por Daniel. Diante de sua reclamação os outros participantes colocaram panos quentes na questão.
No programa de domingo ficou claro que a Rede Globo vai ignorar o assunto, e pior, tratá-lo como um caso de amor: Mr. Edição transforma dúvida sobre estupro em caso de amor. Leia também: Me sentindo estuprada e Bial, o Cínico.
O diretor do programa alega que conversou com Monique: “Ela não confirmou que teve sexo e disse que tudo o que aconteceu foi consensual”. Porém o jornalista nos conta que: após passar pelo confessionário, Monique demonstrou estar confusa. A Analice, ela até se questionou: “Será que eu fiz [sexo]?”. O mínimo que deveria ser feito é mostrar o vídeo para Monique, fornecer atendimento médico/psicólogico e expulsar Daniel do programa. Mesmo assim, há todo estigma de assumir ser vítima de violência sexual em rede nacional. De acordo com o artigo 217-A do Código Penal:
Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos:
Pena – reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.
§ 1o Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.
Não houve violência, constrangimento, nem grave ameaça. Houve aproveitamento de um momento em que ela não podia oferecer resistência. E sim, independentemente de penetração, é estupro. Basta ler a definição na Lei 12.015/09. E, principalmente, ela pode ter bebido, mas isso não justifica. Só para esclarecer: se ela não pode consentir, é estupro. Ela pode estar bêbada, pode estar desmaiada, pode ter passado mal. Não tem condições de consentir, se a outra pessoa resolver seguir adiante, é estupro. Espero que o Ministério Público tome providências e a que a família de Monique faça alguma coisa.
Acho muito estranha essa necessidade que as pessoas têm de justificar o estupro. A gente vê isso em todo caso que aparece: “Ah, mas ela estava de roupa curta? Ela estava bêbada? Ela estava drogada? Ela foi pra casa dele?”. Muito preocupante. Vamos fazer como no caso da pastora evangélica que foi demitida depois de ter sido estuprada por um fiel da igreja? Por que os chefes dela entenderam que ela foi estuprada porque quis? Por que não lutou e gritou o suficiente?
Parece que as pessoas acham que estupro ocorre somente quando um psicopata armado te aborda na rua e te obriga a fazer sexo com ele. Pois saibam que a maioria dos estupros são cometidos por pessoas conhecidas. Amigos, colegas, namorados, maridos, tios, pais etc.
Se uma pessoa esquece a porta de casa aberta e um ladrão entra e leva tudo, a culpa deixa de ser do ladrão? A pessoa pode ter sido descuidada, idiota, irresponsável, ter dado bobeira ou o que for, mas isso diminui a responsabilidade do ladrão? Não foi o ladrão que tomou a decisão de roubar? Por que a gente dá mais valor à violação do direito à propriedade do que à violação do direito da pessoa de decidir com quem quer fazer sexo?
Falar que tirar a responsabilidade dela por ter bebido é o mesmo que tirar a responsabilidade do motorista que bebeu e causou um acidente (como vi dizerem) é um absurdo tremendo. Ela não cometeu crime algum. Beber, ficar bêbada e ir dormir não é crime. Dirigir bêbado e estuprar são.
E, veja bem, não estou falando apenas do caso do BBB, estou falando de vários casos. Não assisto BBB, nem televisão tenho. Os comentários que ouvi em relação ao programa, já ouvi outras vezes como: “isso é fim de balada, coisa normal, se ela estivesse sóbria, quetinha, nada disso teria acontecido, procurou, achou, na minha opinião”. Muito medo de quem acredita que mulheres procuram alguém para violentá-las. É muito importante que alguma atitude seja tomada, porque há muitas mulheres violentadas no Brasil todos os dias e isso não pode se tornar rotina na televisão.
Portanto, caso você ache que: a mina do BBB bebeu muito, por isso foi estuprada e mereceu mesmo, por favor não chegue perto da nossa caixa de comentários. E vá ler outros posts que podem lhe ajudar a ver o absurdo que você está dizendo como: Isso não é um convite para me estuprar!!! ou Ninguém quer ser estuprada ou Estupro: o que é, como não fazer.
Caso você ache que: a mina do BBB não foi realmente estuprada, que fazer sexo com uma pessoa desacordada não é estupro, que usar esse termo é exagero, favor seguir as instruções acima.
Caso você ache que: o importante mesmo é falar mal do programa e esquecer que um CRIME foi testemunhado em rede nacional e uma mulher sofreu uma das piores violências que um ser humano pode sofrer na vida, favor seguir as instruções acima.
Caso você ache que: a Globo não tem qualquer culpa nisso (apesar de ter bombeiros e paramédicos à disposição na casa!), que a Globo não tinha qualquer obrigação de mandar imediatamente alguém tirar o cara de cima da mulher e chamar a polícia no mesmo minuto (e eles estavam cientes, pois desligaram a câmera logo e não há mais um único vídeo disponível na internet), favor seguir as instruções acima.
Muito obrigada pela colaboração.
Luma Perrete
Fonte: blogueirasfeministas.com
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