quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Violência contra a mulher, até quando vamos ignorar?


Nesse final de semana aconteceu uma coisa horrível e que acontece com frequência. Mas dessa vez foi transmitido ao vivo pela maior emissora de TV do Brasil. E é também por isso que não podemos deixar de falar sobre o caso. Não importa se você odeia a Globo e não suporta BBB.

Talvez você não esteja entendendo. Explico. Na madrugada de sábado para domingo, houve a primeira festa do BBB 2012 e, como sempre, muita bebida. Durante a festa, um dos participantes tentou mais de uma vez beijar uma das bonitonas da casa. Ela não quis, rejeitou o cara. Ficou bêbada e foi deitar – pelos relatos que li, já era de manhã e ela foi deitar sozinha. O tal cara que já tinha tomado um fora da mulher foi e deitou com ela. E abusou dela. Ela dormindo, visivelmente inconsciente, sem se mexer, e o cara fazendo movimentos sexuais – não dá pra saber se era punheta, penetração, se estava bolinando, mas era nítido que se aproveitava do corpo inerte da mulher.
O público que acompanhava ao vivo pelo PPV começou a comentar nas redes sociais e mostrar grande indignação. O vídeo vazou na internet. São aproximadamente sete minutos que me deixaram muito chocada. Não dá pra ter dúvidas de que o cara realmente se aproveitou dela. Na verdade, o nome disso é estupro (estupro não acontece só em beco escuro com um maluco desconhecido te agarrando a força, tá?). E o crime foi transmitido ao vivo. A produção do programa não fez nada. Para mais detalhes da história, recomendo muito esse texto (e outros textos desse mesmo blog que vem em seguida).
 Depois da mobilização nas redes sociais e a hashtag #DanielExpulso chegar em primeiro lugar dos Trending Topics do Twitter, o diretor do BBB, Boninho, chamou a mulher que foi violentada ao confessionário para falar sobre o episódio. A conversa foi privada, o público não tem como saber exatamente o que foi dito. Boninho disse que ela afirmou ter sido consensual. O que ele não disse é que ela não lembra o que aconteceu. Isso ela fala em outros momentos, em diferentes conversas. Inclusive pro próprio Daniel, que mentiu pra ela dizendo que foram dois beijinhos e que “passou a mão”. Não foi só isso.
E a situação ainda conseguiu piorar. Fiz questão de assistir BBB no domingo pra ver se e como abordariam essa história absurda. Mostraram ele xavecando ela na festa. Mostraram ela de saco cheio dar um selinho nele na festa. Mostraram ela dando um fora bem dado nele na festa. E daqueles sete minutos de vídeo, mostraram apenas alguns pouquíssimos segundos que parece que ela se mexe um pouco. Fizeram parecer que era um “amasso”. Mostraram como se fosse uma “troca de carícias”. Mas não é uma troca se só uma pessoa faz e a outra nem sabe, né? Ou seja, não é consensual. E a cereja do bolo: Pedro Bial pergunta ao vivo para a mulher se foi só uma ficada ou se tem algo mais e ainda solta um “o amor é lindo”. (realmente difícil saber o que o Bial entende por amor). Ela, visivelmente muito sem graça, responde “foi só um lance”. Um lance. Afinal, ela não sabe o que aconteceu.
O problema é maior do que isso
E por que falo tanto do BBB? Porque esse programa que tem mil defeitos e que pessoas inteligentes “de verdade” não “podem” assistir é um reflexo do que acontece fora daquela casa e longe das câmeras. Talvez você nem saiba, mas a chance de alguma conhecida sua ter passado por uma situação semelhante é muito grande.
Essa história me deixou mal. Muito mal mesmo. Já vi essa história acontecer mais de uma vez. E não foi pela televisão. Cheguei a tentar escrever sobre isso em outras situações, mas não consegui. Muita gente diz que é “exagero”. Como pode ser exagero alguém se aproveitar do seu corpo enquanto você não tem condições de reagir? E se fosse com você? E se fosse sua mãe/filha/filho? Já imaginou?
Tenho uma amiga que passou por isso. E não foi com um desconhecido na rua. Foi com um conhecido, que até então era considerado um amigo. E foi na casa de uma amiga, um ambiente que costumamos acreditar ser seguro. Foi situação que você imagina que não ofereça grandes riscos. Pois é.
Ela demorou alguns dias pra lembrar e entender o que aconteceu. Mas entendeu, ela foi estuprada. E os(as) amigos(as) o que acharam? O que sempre acham, ela estava bêbada e se arrependeu do que fez. Ela foi vítima, não culpada. Exatamente como essa mulher do BBB. Exatamente como outras inúmeras mulheres.
A Globo está sendo omissa e extremamente irresponsável ao não dar o devido valor ao que aconteceu. No mínimo, deveria levar o caso mais a sério permitir que a participante assistisse ao vídeo, acompanhada de advogado(a) e/ou terapeuta e/ou algum familiar, para ver como agir posteriormente. Ao tentar vender o caso como uma “história de amor” para o público do programa, está estimulando, mais uma vez, o machismo e afirmando que vítima pode ter culpa de alguma coisa. Uma vítima NUNCA será a culpada por ter sofrido violência. Ser omissa numa situação dessas é tomar partido, o partido que acha que violência contra a mulher é um problema “secundário”.
Você pode querer ignorar o BBB e a Globo, mas não ignore a violência que está logo embaixo do seu nariz.
 Natalia Mendes
Fonte: todasnos.wordpress.com

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