Madre Teresa visita a casa de Dom
Romero em julho de 1988 (Foto: Super Martyrio)
Quando Madre Teresa de Calcutá
recebeu o prêmio Nobel da Paz, em 1979, Dom Óscar A. Romero, de El Salvador,
que havia sido indicado para a premiação, naquele mesmo ano, a parabenizou
através do envio de um telegrama, no qual deixa saber que o arcebispo compreendeu
que ambos trabalhavam pelo mesmo objetivo: “Madre Teresa de Calcutá, Índia.
Alegro-me [que o] Prêmio Nobel condecore em você [a] opção preferencial [pelos]
pobres como eficaz caminho para a paz. Aqueles que generosamente me desejaram
semelhante honra, [que] se sintam igualmente satisfeitos [por] ter estimulado
[a] mesma causa. Abençoo-a. O Arcebispo”. [Homilia de 21 de outubro de 1979.)
A reportagem é publicada por
Super Martyrio, 01-09-2016. A tradução é do Cepat.
Santa Teresa e o Beato Romero são
exemplos da famosa dicotomia de Dom Hélder Câmara: “Quando dou comida aos
pobres me chamam de santo. Quando pergunto por que são pobres me chamam de
comunista”. Madre Teresa deu comida aos pobres e será chamada santa. Bdenunciou
por que existem pobres e foi “difamado, caluniado, borrado..., inclusive por
irmãos seus no sacerdócio e no episcopado” (Papa Francisco, Discurso do dia 30
de outubro de 2015).
Na realidade, Romero e Teresa são
duas faces de uma mesma moeda. Ambos compreendem, “a bela e dura verdade” –
como disse Dom Romero – “que a fé cristã não nos separa do mundo, mas nos
mergulha nele”. (Discurso ao receber o “honoris causa” da Universidade de
Lovaina, 2 de fevereiro de 1980).) É necessário, nos disse, sair do templo, do
santuário, à cidade, à “polis”. Esta é a mesma opção pelos pobres de Teresa, em
1948, quando abandona o claustro de seu convento e sai às ruas de Calcutá para
ajudar os anciãos, os moribundos e os leprosos. Participando de sua miséria,
conta como sentia a tentação de retornar ao abrigo e a comodidade de seu
convento, mas teve a intuição que “nosso Senhor quer que eu seja uma freira
livre, coberta com a pobreza da Cruz”.
Tanto Dom Romero como Madre
Teresa tiveram que se cercar e mergulhar em seus âmbitos não religiosos de um
mundo sem Deus. A Romero coube lidar com cadáveres de massacres camponeses, ao
passo que Madre Teresa precisou se instalar em um templo da deusa Kali para
oferecer mortes dignas, com ritos segundo as devoções de cada pessoa
beneficiada, fossem hindus ou muçulmanos, da Índia, Paquistão, Etiópia,
Tanzânia e outros lugares pela Ásia, África, Europa e Estados Unidos, onde suas
missões a levavam. Na imersão total nesta dura realidade de privação, distante
do sacrário e o altar, Madre Teresa sofreu sentimentos de um vazio espiritual,
até o ponto de duvidar da própria existência de Deus.
No entanto, seu propósito e
motivação ao se comprometer na austeridade foi justamente buscar Deus. Apesar
das acusações contra Dom Romero, de que havia traído sua missão religiosa, e os
sentimentos de Madre Teresa de alienação espiritual, ambos encontram Jesus.
“Nesse mundo sem rosto humano” – nos diz Dom Romero –, encontra-se face a face
com o “sacramento atual do Servo Sofredor de Javé”. (Lovaina) E faz eco a Madre
Teresa quando nos disse: “hoje, há tanto sofrimento – e sinto que a paixão de
Cristo está sendo vivida novamente”. (Discurso Prêmio Nobel, 11 de dezembro de
1979.) “Ele se torna o faminto, o nu, o sem lar, o enfermo, o prisioneiro, o
solitário, o não estimado... Faminto de nosso amor, e esta é a fome de nossa
gente pobre”. (Id.)
Ambos valorizam o pobre de uma
maneira que difere das formas antiquadas e paternalistas de entendê-los. Tanto
Dom Romero como Madre Teresa se fixam no pobre, não só como um beneficiário de
nossa generosidade (leia-se: lástima) ou um sujeito que nos permite
experimentar a caridade (leia-se: remorso), mas gente que tem algo a nos
oferecer, e cujo valor intrínseco serve para nos beneficiar. Os pobres nos
ajudam a entender nosso cristianismo: “coloquem-se do lado do pobre e tentando
lhe dar vida saberemos em que consiste a eterna verdade do Evangelho”, disse
Dom Romero. (Lovaina.). Madre Teresa concorda: “Eles podem nos ensinar tantas
coisas belas”, disse, recordando como os pobres em um de seus centros de
atenções lhe confirmaram um aspecto de sua missão. “O outro dia, um deles veio
agradecer e disse: ‘Vocês que fizeram voto de castidade são as melhores para
ensinar planejamento familiar. Porque não é mais que autocontrole e amor de um
ao outro’”. Este tema que era de debate entre especialistas, sociólogos e
teólogos, também era competência de uma pessoa pobre: “E estas são as pessoas
que não têm nada para comer, talvez não tenham um lar onde viver, mas são
grandes pessoas. Os pobres são pessoas maravilhosas”. (Teresa, Discurso Nobel.)
Alguns criticaram a caminhada de
Madre Teresa por ajudar em casos concretos, mas não mudar o sistema que gera desigualdades
e injustiça. Segundo esta crítica, “os ricos e os poderosos a amavam”, porque
ela não lhes exigia nada e a isso se deve seu prêmio Nobel e sua canonização,
ao passo que os teólogos que denunciam os ricos são “removidos ou suprimidos”.
(Sara Flounders, Workers World, 25 de setembro de 1997, traduzido por
Iniciativa Socialista.) No entanto, Dom Romero defende sua postura argumentando
que ter corações convertidos vale mais que ter estruturas reformadas: “não
importa à Igreja que haja apenas uma distribuição mais equitativa das riquezas,
é de seu interesse que haja essa distribuição porque, de fato, existe em todos
os homens uma atitude de querer compartilhar não só os bens, mas a própria
vida”. (Hom. 24 fev. 1980.)
De sua parte, Madre Teresa reconhece
a necessidade de fazer justiça quando denuncia: “Quando um pobre morre de fome,
não é porque Deus não o protegeu. É porque nem você e nem eu quisemos lhe dar o
que necessitava”.
A Santa e o Beato certamente,
hoje, se regozijam no céu por ter dado testemunho do espectro completo do amor
aos pobres.
Fonte: Ihu
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