Ideia do kit é criar uma rede de proteção em
torno da vítima para, assim, expulsar o agressor do vagão para acionamento do
vigia Cem kits já foram entregues na estação Central do metrô. FOTO: João
Godinho
Um alfinete antigamente usado
para amarrar fralda de bebê agora é a “arma” encontrada por um grupo de
feministas para combater o assédio sexual no transporte coletivo de Belo
Horizonte, especialmente no metrô. A campanha “Não Toca na Minha Miga” foi
lançada nesta semana por mulheres do Movimento Passe Livre – BH e conta com a
distribuição de kits de autodefesa, que inclui também apito e adesivo de
divulgação. O objetivo é fazer barulho em caso de abuso e formar, assim, uma
rede de proteção.
Na última segunda-feira, os
primeiros cem kits foram distribuídos na entrada da estação Central do metrô.
Um panfleto dá as instruções de uso: o alfinete deve ser usado para afastar o
autor do assédio, “espetando-o com força”. Assim, a mulher consegue espaço para
assoprar o apito e formar à sua volta uma rede de proteção imediata, que poderá
expulsar o agressor do vagão e chamar a segurança.
Segundo Cíntia Melo, uma das
integrantes do movimento Passe Livre – BH, o objetivo não é estimular a
violência gratuita, mas, sim, dar às mulheres chance de se defender. “É uma
resposta de autodefesa mesmo, que não causará uma lesão grave, mas ajudará a
afastar o agressor”, explicou Cíntia. O alfinete tem cerca de 2 cm e um fecho que
permite à mulher guardá-lo na bolsa, sem risco de se ferir. O apito também deve
ser levado em um bolso de fácil acesso.
Cíntia acredita que as mulheres
devam recorrer mais ao apito que ao alfinete. “O ideal é que a Polícia Militar
e os seguranças consigam fazer a vigilância. Mas como sabemos que essa
estrutura é deficiente, temos que criar uma rede de proteção”, completou.
Outros 400 kits já estão prontos
e devem ser entregues nos próximos dias. O grupo ainda não tem uma agenda de
distribuição. A Polícia Militar (PM), entretanto, não recomenda o uso do kit.
“Em caso de assédio, a vítima não deverá agredir o autor com alfinete, uma vez
que esta atitude poderá agravar o caso”, orientou, em nota. Em relação ao
apito, a corporação informou que não há impedimento, mas que o “mais
aconselhável é acionar a segurança do metrô e a PM para adoção das medidas
cabíveis”.
Posições. A Companhia Brasileira
de Trens Urbanos (CBTU) não quis comentar a campanha e informou que já realiza
ações para coibir o assédio, como campanhas educativas e o SMS Denúncia, no
qual a mulher pode enviar mensagem de celular diretamente para o Centro de
Monitoramento da Segurança (CMS) do metrô e acionar os vigilantes mais
próximos. Neste ano, segundo a companhia, foram registradas quatro denúncias de
assédio, que se tornaram ocorrências formais na polícia.
Nos ônibus, a presença do
trocador inibe mais a prática do assédio. A Empresa de Transportes e Trânsito
de Belo Horizonte (BHTrans) não tem registros de violência contra a mulher, e
orienta os passageiros a acionarem o motorista diante de qualquer caso de
desrespeito. O condutor tem autonomia para parar o ônibus e acionar a PM. (Com
Nathália Lacerda)
ANÁLISE
Campanha gera controvérsias entre passageiros
O assédio sexual no transporte público,
especialmente no metrô, vai muito além do número de denúncias formais. A falta
de educação contra a cultura do estupro e a ausência de segurança são nítidas.
Mas daí a munir as mulheres de apitos e alfinetes contra os agressores, há
controvérsias.
“Essa campanha é a marca que a
sociedade não sabe mais o que fazer para se defender”, disse o professor do
Centro Universitário Una e especialista em segurança pública Jorge Tassi. Ele
vê com bons olhos a ação, mas disse que ela precisa de orientação. “A autodefesa
deve ser estudada e precisa de tecnicidade. Não adianta simplesmente querer
resolver com as próprias mãos, isso se vira contra a pessoa que age dessa
forma”, declarou. “A ação terá fruto positivo para algumas pessoas, mas tem
mais capacidade de ter efeitos negativos”, completou.
“Eu acho válido. Tem hora que os
homens acabam encostando sem querer, mas tem gente que faz de propósito”, disse
a balconista Simone Souza, 33. Já a vendedora Aline da Silva Peres, 29, disse
ser contra qualquer tipo de violência. “O ideal é fazer boletim de ocorrência”,
argumentou.
Homens também se mostraram
divididos. “Essa questão é muito complicada, porque os vagões estão sempre
lotados. O contato é inevitável. O ideal é ter seguranças entre os
passageiros”, avaliou o servidor público Marcos Vinícius Viana, 20. Já o
porteiro Eduardo Martins, 45, aprova. “Sou casado e acho chato quando minha
mulher diz que alguém tentou se aproveitar dela”, concluiu. (LC/NL)
Perigo de contaminação é mínimo, diz infectologista
A ideia de empoderar as mulheres
para que elas formem uma rede de proteção contra o assédio e pratiquem a
autodefesa é tendência no mundo, segundo o Movimento Passe Livre – BH. A
campanha “Não Toca na Minha Miga” transmite exatamente o sentido de uma ser
amiga da outra como forma de segurança.
Em 2014, o grupo feminista Mulheres
em Luta distribuiu alfinetes em estações de metrô de São Paulo (SP) e Recife
(PE). No entanto, o uso do alfinete é questionado do ponto de vista da saúde
pública. O infectologista Marcelo Oliveira explicou que a pele forma uma
barreira de proteção contra infecções, e toda vez que essa barreira se rompe,
há risco de doenças. “Mas no caso de um alfinete, o furo é muito pequeno, e o
risco, praticamente inexistente”, disse.
Em hospitais, por exemplo, a
chance de se contaminar ao se furar com uma agulha que foi penetrada na veia de
outra pessoa é de 0,3%, segundo Oliveira. (LC).
Fonte: O Tempo
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