segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Contra ‘encoxadores’, kit com alfinete é distribuído no metrô de BH

 Ideia do kit é criar uma rede de proteção em torno da vítima para, assim, expulsar o agressor do vagão para acionamento do vigia Cem kits já foram entregues na estação Central do metrô. FOTO: João Godinho

Um alfinete antigamente usado para amarrar fralda de bebê agora é a “arma” encontrada por um grupo de feministas para combater o assédio sexual no transporte coletivo de Belo Horizonte, especialmente no metrô. A campanha “Não Toca na Minha Miga” foi lançada nesta semana por mulheres do Movimento Passe Livre – BH e conta com a distribuição de kits de autodefesa, que inclui também apito e adesivo de divulgação. O objetivo é fazer barulho em caso de abuso e formar, assim, uma rede de proteção.


Na última segunda-feira, os primeiros cem kits foram distribuídos na entrada da estação Central do metrô. Um panfleto dá as instruções de uso: o alfinete deve ser usado para afastar o autor do assédio, “espetando-o com força”. Assim, a mulher consegue espaço para assoprar o apito e formar à sua volta uma rede de proteção imediata, que poderá expulsar o agressor do vagão e chamar a segurança.

Segundo Cíntia Melo, uma das integrantes do movimento Passe Livre – BH, o objetivo não é estimular a violência gratuita, mas, sim, dar às mulheres chance de se defender. “É uma resposta de autodefesa mesmo, que não causará uma lesão grave, mas ajudará a afastar o agressor”, explicou Cíntia. O alfinete tem cerca de 2 cm e um fecho que permite à mulher guardá-lo na bolsa, sem risco de se ferir. O apito também deve ser levado em um bolso de fácil acesso.


Cíntia acredita que as mulheres devam recorrer mais ao apito que ao alfinete. “O ideal é que a Polícia Militar e os seguranças consigam fazer a vigilância. Mas como sabemos que essa estrutura é deficiente, temos que criar uma rede de proteção”, completou.

Outros 400 kits já estão prontos e devem ser entregues nos próximos dias. O grupo ainda não tem uma agenda de distribuição. A Polícia Militar (PM), entretanto, não recomenda o uso do kit. “Em caso de assédio, a vítima não deverá agredir o autor com alfinete, uma vez que esta atitude poderá agravar o caso”, orientou, em nota. Em relação ao apito, a corporação informou que não há impedimento, mas que o “mais aconselhável é acionar a segurança do metrô e a PM para adoção das medidas cabíveis”.

Posições. A Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) não quis comentar a campanha e informou que já realiza ações para coibir o assédio, como campanhas educativas e o SMS Denúncia, no qual a mulher pode enviar mensagem de celular diretamente para o Centro de Monitoramento da Segurança (CMS) do metrô e acionar os vigilantes mais próximos. Neste ano, segundo a companhia, foram registradas quatro denúncias de assédio, que se tornaram ocorrências formais na polícia.

Nos ônibus, a presença do trocador inibe mais a prática do assédio. A Empresa de Transportes e Trânsito de Belo Horizonte (BHTrans) não tem registros de violência contra a mulher, e orienta os passageiros a acionarem o motorista diante de qualquer caso de desrespeito. O condutor tem autonomia para parar o ônibus e acionar a PM. (Com Nathália Lacerda)

ANÁLISE
Campanha gera controvérsias entre passageiros
O assédio sexual no transporte público, especialmente no metrô, vai muito além do número de denúncias formais. A falta de educação contra a cultura do estupro e a ausência de segurança são nítidas. Mas daí a munir as mulheres de apitos e alfinetes contra os agressores, há controvérsias.

“Essa campanha é a marca que a sociedade não sabe mais o que fazer para se defender”, disse o professor do Centro Universitário Una e especialista em segurança pública Jorge Tassi. Ele vê com bons olhos a ação, mas disse que ela precisa de orientação. “A autodefesa deve ser estudada e precisa de tecnicidade. Não adianta simplesmente querer resolver com as próprias mãos, isso se vira contra a pessoa que age dessa forma”, declarou. “A ação terá fruto positivo para algumas pessoas, mas tem mais capacidade de ter efeitos negativos”, completou.

“Eu acho válido. Tem hora que os homens acabam encostando sem querer, mas tem gente que faz de propósito”, disse a balconista Simone Souza, 33. Já a vendedora Aline da Silva Peres, 29, disse ser contra qualquer tipo de violência. “O ideal é fazer boletim de ocorrência”, argumentou.

Homens também se mostraram divididos. “Essa questão é muito complicada, porque os vagões estão sempre lotados. O contato é inevitável. O ideal é ter seguranças entre os passageiros”, avaliou o servidor público Marcos Vinícius Viana, 20. Já o porteiro Eduardo Martins, 45, aprova. “Sou casado e acho chato quando minha mulher diz que alguém tentou se aproveitar dela”, concluiu. (LC/NL)

Perigo de contaminação é mínimo, diz infectologista
A ideia de empoderar as mulheres para que elas formem uma rede de proteção contra o assédio e pratiquem a autodefesa é tendência no mundo, segundo o Movimento Passe Livre – BH. A campanha “Não Toca na Minha Miga” transmite exatamente o sentido de uma ser amiga da outra como forma de segurança.

Em 2014, o grupo feminista Mulheres em Luta distribuiu alfinetes em estações de metrô de São Paulo (SP) e Recife (PE). No entanto, o uso do alfinete é questionado do ponto de vista da saúde pública. O infectologista Marcelo Oliveira explicou que a pele forma uma barreira de proteção contra infecções, e toda vez que essa barreira se rompe, há risco de doenças. “Mas no caso de um alfinete, o furo é muito pequeno, e o risco, praticamente inexistente”, disse.

Em hospitais, por exemplo, a chance de se contaminar ao se furar com uma agulha que foi penetrada na veia de outra pessoa é de 0,3%, segundo Oliveira. (LC).

Fonte: O Tempo

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