quinta-feira, 12 de maio de 2016

Carta de uma prostituta à presidente Dilma Rousseff

Talvez o maior dos legados que tu tenhas nos deixado, querida Dilma, querida Presidenta, seja que nós, as mulheres deste país, hoje sabemos que podemos; minha filha cresceu com uma mulher na Presidência da República, ela sabe que pode.

     
Em carta enviada à presidente Dilma Rousseff, Monique Prada, prostituta e líder do sindicato das trabalhadoras sexuais, critica o sexismo presente nos xingamentos feitos contra a mandatária: "Na imensa maioria das vezes [as ofensas] nos deixavam muito acuadas, pois usavam aquilo que para nós é ao mesmo tempo ofensa e ofício: te chamavam de prostituta".
Em defesa da presidente, Prada ressalta as conquistas sociais obtidas nos últimos anos, como a possibilidade de ingressar no curso superior: "nossas filhas e filhos, e algumas de nós mesmas, já conseguem hoje cursar a universidade — sonho antes distante para o povo aqui da margem".

Querida Presidenta:
(E escrevo ‘Presidenta’ bem assim, com ‘P’ maiúsculo e ‘a’ no final, Presidenta. O som gostoso dessa palavra que nunca antes tínhamos ouvido, porque nunca antes tivemos uma presidenta. O som lindo desta palavra que, para nós, passa a existir a partir de ti – embora já fizesse parte do vocabulário da língua portuguesa há décadas, nos era desconhecida. O machismo velado e o desaforo vulgar, o despeito, no tom de voz das pessoas que se negavam a usá-la. Presidenta. Talvez o maior dos legados que tu tenhas nos deixado, querida Dilma, querida Presidenta, seja mesmo este: nós, as mulheres deste país, hoje sabemos que podemos. A minha filha cresceu com uma mulher na Presidência da República, ela sabe que pode.)
Mas eu te escrevo de longe, eu te escrevo da margem. Aqui, onde políticas públicas mal chegam que não sejam aquelas com o intuito de nos salvar — justo a nós, que salvação outra não desejamos que não passe por exercer nossa atividade em paz e protegidas por um modelo de regulamentação que nos favoreça. Eu te escrevo da margem pra te contar: nós, mulheres prostitutas – marginalizadas e estigmatizadas por uma sociedade que não nos quer à mesa ao mesmo tempo em que segue nos alimentando — nós, mulheres trabalhadoras sexuais, também nos orgulhamos de nossa presidenta. Ainda que nosso último grande avanço enquanto categoria tenha sido a inclusão do trabalho sexual na CBO sob o número 5198/05 — e isso date de mais de uma década atrás — ainda assim, tiveste nosso apoio. Por muitas vezes sentamos juntas pra te ouvir falar, compartilhamos entre nós as tuas palavras, torcemos juntas por tua vitória em 2010 e 2014. Estivemos nas ruas até aqui, e seguiremos nas ruas enquanto for possível —  dessa vez não a trabalho, mas em defesa de direitos conquistados a duras penas. Nossas filhas e filhos, e algumas de nós mesmas, já conseguem hoje cursar a universidade — sonho antes distante para o povo aqui da margem. Já não se passa fome em nosso país, e 12 anos de governo popular nos provaram que era possível sim ter orgulho da nossa brasilidade. Há ainda muitos problemas, mas estávamos indo no rumo certo.

No entanto, uma elite machista, racista e asquerosa foi levantando sua voz. Hoje te condenam, e aos governos do PT, e não por aquilo que nós possamos ter considerado errado neste período. Essa elite raivosa babava e ainda baba pelos nossos acertos. Essa elite babava e te ofendia. Na imensa maioria das vezes nos deixavam muito acuadas, pois dentre essas violentas ofensas, usavam aquilo que para nós é ao mesmo tempo ofensa e ofício: te chamavam de prostituta, em suas centenas de variações semânticas. O mais torpe refúgio dos canalhas e covardes é este: agredir uma mulher utilizando-se de sua sexualidade. Não importa quem seja ela ou o que tenha feito para isso, verdadeiramente não importa: seu grande crime é ter nascido mulher, e sua sexualidade deve ser atacada para humilhá-la. É a força do estigma sendo usada como potente fator de manutenção do sistema patriarcal: “não se porte como prostituta ou será tratada como uma”. No entanto, não nos é claro como seria este comportamento —  de modo que todas, todas nós, todas as mulheres, estamos sujeitas a este tipo de tratamento. Vil. Indecoroso. Violento.
Tens sido vítima diariamente e há tempos de muitas injustiças e graves agressões. E nós nos solidarizamos, e a cada dia nos fazemos mais orgulhosas de ti, por que tens suportado a tudo, forte e altiva  — como uma de nós.
Nos tempos assustadores que temos vivido, querida Dilma, e na noite sombria que parece não tardar a cair sobre nosso país, temos achado importante te dizer e repetir: também nós nos orgulhamos de ti. Da tua postura. Da tua serenidade diante ‘disso tudo’, serenidade que muitos homens não teriam. Tens sido ao mesmo passo inspiração e fortaleza. Da tua honestidade e franqueza também nós nos orgulhamos.
E asseguramos: estaremos juntas, haja o que houver. A luta pela democracia, a luta contra os retrocessos que ameaçam, é também uma luta nossa. Não desistiremos.
* Monique Prada é trabalhadora sexual, Co-editora do projeto mundoInvisivel.org e presidenta da CUTS (Central Única de Trabalhadoras e Trabalhadores Sexuais)

Fonte: Sul 21

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