Talvez o maior dos legados que tu tenhas nos deixado, querida Dilma,
querida Presidenta, seja que nós, as mulheres deste país, hoje sabemos que
podemos; minha filha cresceu com uma mulher na Presidência da República, ela
sabe que pode.
Em carta enviada à presidente
Dilma Rousseff, Monique Prada, prostituta e líder do sindicato das
trabalhadoras sexuais, critica o sexismo presente nos xingamentos feitos contra
a mandatária: "Na imensa maioria das vezes [as ofensas] nos deixavam muito
acuadas, pois usavam aquilo que para nós é ao mesmo tempo ofensa e ofício: te
chamavam de prostituta".
Em defesa da presidente, Prada
ressalta as conquistas sociais obtidas nos últimos anos, como a possibilidade
de ingressar no curso superior: "nossas filhas e filhos, e algumas de nós
mesmas, já conseguem hoje cursar a universidade — sonho antes distante para o
povo aqui da margem".
Querida Presidenta:
(E escrevo ‘Presidenta’ bem assim, com ‘P’ maiúsculo e ‘a’ no final,
Presidenta. O som gostoso dessa palavra que nunca antes tínhamos ouvido, porque
nunca antes tivemos uma presidenta. O som lindo desta palavra que, para nós,
passa a existir a partir de ti – embora já fizesse parte do vocabulário da
língua portuguesa há décadas, nos era desconhecida. O machismo velado e o
desaforo vulgar, o despeito, no tom de voz das pessoas que se negavam a usá-la.
Presidenta. Talvez o maior dos legados que tu tenhas nos deixado, querida
Dilma, querida Presidenta, seja mesmo este: nós, as mulheres deste país, hoje sabemos
que podemos. A minha filha cresceu com uma mulher na Presidência da República,
ela sabe que pode.)
Mas eu te escrevo de longe, eu te escrevo da margem. Aqui, onde
políticas públicas mal chegam que não sejam aquelas com o intuito de nos salvar
— justo a nós, que salvação outra não desejamos que não passe por exercer nossa
atividade em paz e protegidas por um modelo de regulamentação que nos favoreça.
Eu te escrevo da margem pra te contar: nós, mulheres prostitutas –
marginalizadas e estigmatizadas por uma sociedade que não nos quer à mesa ao
mesmo tempo em que segue nos alimentando — nós, mulheres trabalhadoras sexuais,
também nos orgulhamos de nossa presidenta. Ainda que nosso último grande avanço
enquanto categoria tenha sido a inclusão do trabalho sexual na CBO sob o número
5198/05 — e isso date de mais de uma década atrás — ainda assim, tiveste nosso
apoio. Por muitas vezes sentamos juntas pra te ouvir falar, compartilhamos
entre nós as tuas palavras, torcemos juntas por tua vitória em 2010 e 2014. Estivemos
nas ruas até aqui, e seguiremos nas ruas enquanto for possível — dessa vez não a trabalho, mas em defesa de
direitos conquistados a duras penas. Nossas filhas e filhos, e algumas de nós
mesmas, já conseguem hoje cursar a universidade — sonho antes distante para o
povo aqui da margem. Já não se passa fome em nosso país, e 12 anos de governo
popular nos provaram que era possível sim ter orgulho da nossa brasilidade. Há
ainda muitos problemas, mas estávamos indo no rumo certo.
No entanto, uma elite machista, racista e asquerosa foi levantando sua
voz. Hoje te condenam, e aos governos do PT, e não por aquilo que nós possamos
ter considerado errado neste período. Essa elite raivosa babava e ainda baba
pelos nossos acertos. Essa elite babava e te ofendia. Na imensa maioria das
vezes nos deixavam muito acuadas, pois dentre essas violentas ofensas, usavam
aquilo que para nós é ao mesmo tempo ofensa e ofício: te chamavam de
prostituta, em suas centenas de variações semânticas. O mais torpe refúgio dos
canalhas e covardes é este: agredir uma mulher utilizando-se de sua
sexualidade. Não importa quem seja ela ou o que tenha feito para isso,
verdadeiramente não importa: seu grande crime é ter nascido mulher, e sua
sexualidade deve ser atacada para humilhá-la. É a força do estigma sendo usada
como potente fator de manutenção do sistema patriarcal: “não se porte como
prostituta ou será tratada como uma”. No entanto, não nos é claro como seria
este comportamento — de modo que todas,
todas nós, todas as mulheres, estamos sujeitas a este tipo de tratamento. Vil.
Indecoroso. Violento.
Tens sido vítima diariamente e há tempos de muitas injustiças e graves
agressões. E nós nos solidarizamos, e a cada dia nos fazemos mais orgulhosas de
ti, por que tens suportado a tudo, forte e altiva — como uma de nós.
Nos tempos assustadores que temos vivido, querida Dilma, e na noite
sombria que parece não tardar a cair sobre nosso país, temos achado importante
te dizer e repetir: também nós nos orgulhamos de ti. Da tua postura. Da tua
serenidade diante ‘disso tudo’, serenidade que muitos homens não teriam. Tens
sido ao mesmo passo inspiração e fortaleza. Da tua honestidade e franqueza
também nós nos orgulhamos.
E asseguramos: estaremos juntas, haja o que houver. A luta pela
democracia, a luta contra os retrocessos que ameaçam, é também uma luta nossa.
Não desistiremos.
* Monique Prada é trabalhadora
sexual, Co-editora do projeto mundoInvisivel.org e presidenta da CUTS (Central
Única de Trabalhadoras e Trabalhadores Sexuais)
Fonte: Sul 21
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