quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Preconceito e prostituição

O preconceito está presente em todas as relações da mulher que exerce a prostituição: com o cliente, com a sociedade em geral, no meio acadêmico e inclusive partindo das próprias profissionais.


Todas fazem uso de um pseudônimo para se identificar dentro do local de trabalho e esse nome é trocado conforme a casa em que estão exercendo a atividade, facilitando assim o anonimato, que é considerado fundamental no ofício em função do preconceito vivido por elas.

Elas contam que às vezes acontece de serem xingadas na rua por clientes que já usufruíram de seus serviços. Apesar de serem uma minoria, há clientes que as maltratam verbal e fisicamente durante o trabalho e fora. As profissionais relatam esconder sua profissão da maioria das pessoas, principalmente de suas famílias: "meu filho não vai saber que eu sou garota de programa... eu não tenho vergonha, mas também não tenho orgulho... é um trabalho como outro, mas não é aceito". Apesar de dizerem que consideram essa uma profissão como outra qualquer, afirmam que não gostariam de ser registradas: "eu não quero uma carteira de trabalho escrito 'prostituta'".

A religião reforça uma ambigüidade de sentimentos, gerando culpa por exercerem uma atividade considerada pecaminosa: "tem até um dos dez mandamentos que diz 'não se prostituirás'". Outra frase marcante no sentido dessa culpabilização gerada pela religião é: "toda vez que um homem sai de cima de mim, eu rezo".

Há ainda o preconceito das próprias "garotas" contra um tipo que chamam de "a puta de paredão", referindo-se a mulheres que fazem sexo por prazer e com muitos parceiros, em suas palavras: "a mina que vai na balada e transa com qualquer um, acha o cara da balada bonitinho, vai com ele para o motel e não cobra". Essas não seriam profissionais, mas mulheres promíscuas.

Durante o estágio, sentíamos que estávamos adentrando um território muito delicado, tocando em alguns tabus da sociedade. Percebemos que o tema por várias vezes gerou discordâncias e incômodos. No meio acadêmico que freqüentamos, deparamo-nos com reações que variaram do interesse ou da curiosidade à repulsa.

No início da relação com as estagiárias, as "garotas" pareciam testá-las, perguntando se estavam preparadas para ser confundidas com uma delas ao saírem da boate. Ao mesmo tempo, valorizavam a presença das estagiárias ali. Ao final do trabalho, mostraram de maneira clara a segregação que vivenciavam, caracterizando "o mundo lá fora e o mundo aqui dentro", como se houvesse uma barreira entre elas e o resto da sociedade. A dona da casa disse que nunca havia visto uma intervenção desse tipo "em dez anos de noite" e que o fato de as estagiárias escutarem o que elas tinham a dizer sem julgá-las já era uma forma de romper com essa barreira, pois as conversas possibilitavam levar para "fora" um pouco do que a equipe vivenciou lá dentro, mostrando que elas são pessoas comuns, o que poderia ajudar a combater um pouco do preconceito."


Da pesquisa “ Intervenção em saúde do trabalhador com profissionais do sexo”  (http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-37172008000100008)

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