sábado, 20 de fevereiro de 2016

Entrar na prostituição para tirar quem lá está

Em 2012, o fotógrafo australiano Ian Flanders começou o projecto “By the river”, uma série fotográfica sobre mulheres vietnamitas que são forçadas a prostituírem-se. A ideia surgiu quando Ian, já na cidade de Phnom Penh, no Cambodja, se cruzou com uma mulher na rua, perto do rio. A sensação de desespero invadiu-o ao olhá-la directamente nos olhos. 


“Foi a minha introdução a este mundo selvagem de Phnom Penh. Comecei a caminhar por todas as zonas na capital do Cambodja das quais me disseram para manter afastado”, disse Ian Flanders, em resposta por e-mail ao PÚBLICO. Foi apenas no terceiro dia a vaguear pelas ruas que Ian se atreveu a entrar numa das cabanas de prostituição, com o pretexto de ser um cliente. “Paguei para entrar na cabana, mas o dinheiro não vai para as raparigas mas directamente para as mãos dos traficantes. Isto é escravidão sexual e não prostituição. É um sistema horrível onde mulheres novas têm de trabalhar para pagar uma dívida que nunca acaba aos traficantes”, disse o fotógrafo. Ao entrar numa divisão, com apenas um colchão no chão, Ian conheceu Anh. Através de gestos com as mãos, tentou explicar-lhe que queria fotografá-la. Anh começou a chorar e colocou-se na posição fetal, esperando que Ian fizesse o mesmo que todos os homens, que “abusasse dela”. Mas Ian tentou confortá-la. “Estás bem?”, perguntou. “Foi alguém que te trouxe para aqui?”. Anh não respondeu. O seu inglês era muito básico. Manteve a sua cabeça baixa, perto dos joelhos, a chorar.


Durante três anos, Ian conheceu todas as mulheres e crianças que viviam na cabana, assim como os traficantes. Anh tinha uma meia-irmã, Pham, que começou também a ser fotografada. Ambas receavam que os traficantes descobrissem o que Ian andava a fazer. “Por favor não tires fotografias”, disse Anh uma vez. “Eles vão reparar e vão bater à minha irmã”. Para disfarçar os disparos da câmara, Anh batia com um pente na parede ou fazia bolhas com blu-tak (massa adesiva) e rebentava-as. Várias vezes, o fotógrafo sentou-se com as duas no colchão sujo e não as fotografou. “Deixava-as escreverem e, de certa forma, voltarem a ser humanas”, conta. As palavras escritas à mão foram a base de comunicação entre os três. Ian tirava fotografias com o seu smartphone e enviava para um tradutor na Austrália. No dia seguinte, recebia a tradução e percebia o que as mulheres lhe queriam dizer. “Quando vim para cá, disseram-me que ia trabalhar como assistente de vendas num bar. Só aqui é que percebi que o trabalho seria este e não tive escolha senão aceitar. A minha família é muito pobre e não tem meios de sustentar os mais novos”, escreveu Anh.


Em certos momentos, Ian não conseguia ficar indiferente. Quando viu Pham a vomitar e a agarrar-se ao estômago com uma dor horrível, foi a correr até à farmácia. Ao voltar, a mulher já não estava lá. Tinha sido obrigada a receber um homem, mesmo naquele estado. Após entrar em contacto com uma ONG (organização não-governamental) e mostrar as imagens e textos das irmãs, em Novembro de 2014, as cabanas foram revistadas. Oito mulheres e três crianças foram resgatadas e dois traficantes foram processados. Todas as mulheres receberam acomodação gratuita, acesso à educação, cuidados de saúde e emprego. Mas, esta “oportunidade não é suficiente para quem esteve demasiado tempo acorrentado”. Pouco tempo depois, as mulheres voltaram para a única coisa que conheciam, para os vícios e para o lugar onde a pressão da mudança não existia. Contudo, as três crianças continuam sob os cuidados da ONG, onde recebem uma educação e apoio psicológico. Uma delas tem nove anos e é filha de Anh. “A cadeia intergeracional foi quebrada”, disse Ian que, com toda esta experiência, determinou um rumo diferente para a sua fotografia. “Quero fazer projectos onde a luz brilhe nos espaços mais escuros”.






Fonte: www.publico.pt

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